“Terramoto em Lisboa igual ao de 1755 significava perda de 20% do PIB”

José Galamba de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Seguradores, mantém a pressão para ser criado um fundo de catástrofes naturais. Apenas 15% das habitações têm risco sísmico no seguro.

Os terramotos desta segunda-feira na Turquia e Síria trouxeram de novo à memória a elevada vulnerabilidade de Lisboa ao risco sísmico. Um mecanismo de financiamento que ajude à reconstrução de habitações e da própria cidade está formalmente em discussão desde 2010, mas continua sem avançar.

A Associação Portuguesa de Seguradores, que representa as companhias em Portugal, tem o risco de um terramoto estudado em profundidade e o presidente José Galamba de Oliveira explica o que está em causa e o que é preciso para que o prometido fundo sísmico finalmente avance.

Existe uma estimativa das consequências que um sismo de 7,8 na escala de Richter em Lisboa, como o maior dos ocorridos esta segunda-feira na Turquia e Síria, provocaria em danos pessoais e materiais?

As estimativas não são feitas normalmente com esta referência, mas antes com base num conceito de período de retorno, que equivale genericamente ao espaçamento temporal entre eventos. Mas uma boa ordem de grandeza é o impacto económico estimado de um sismo com as características do de 1755, que teve uma magnitude de 8,75 na escala de Richter, e que se admite poderia ascender a 20% do nosso PIB.

Alguém que tem uma casa própria seria indemnizado de alguma forma, ou precisaria de ter cobertura própria para sismos?

A proteção face ao risco sísmico é uma cobertura não obrigatória do seguro de habitação, e não faz normalmente parte do rol de coberturas base das tradicionais apólices de multirriscos. Significa que tem de ser expressamente contratada pelos tomadores de seguros. E a realidade é que pouco mais de 15% das habitações em Portugal têm atualmente proteção de seguro em relação ao risco sísmico.

Face aos danos, qual seria a cobertura assegurada pelas seguradoras?

Em cada apólice, o capital coberto deve corresponder ao custo de reconstrução do imóvel. E, se esta cobertura estiver contratada e o capital adequadamente determinado, as seguradoras suportariam os danos ocorridos no imóvel até ao limite desse capital. Mas revela aqui a importância da adequada determinação do custo de reconstrução do imóvel, que justificou, aliás, o desenvolvimento de uma ferramenta de apoio por parte da APS, o SCRIM – Simulador do Custo de Reconstrução de Imóveis.

Quanto aos custos globais para as seguradoras, estariam certamente envolvidas algumas centenas de milhões de euros, só nesta componente habitacional.

As seguradoras teriam capacidade para indemnizar de imediato permitindo rápida reconstrução?

Em relação às apólices com esta cobertura contratada, sem dúvida que sim. É bom lembrar que, nestes eventos catastróficos, as seguradoras estão geralmente protegidas, elas próprias, por contratos de resseguro, que assegurariam uma boa parte destes custos. E, também, que as seguradoras estão obrigadas a criar provisões e a deter níveis excecionais de capital de solvência exatamente para acorrer a eventos extraordinários como este.

O seguro multirriscos obrigatório para condomínios cobriria os danos sísmicos?

A obrigatoriedade de segurar prevista no atual regime cinge-se aos riscos de incêndio, raio e explosão. Deixa, assim, a descoberto um conjunto de riscos que, pela sua gravidade ou extensão, podem afetar a totalidade ou grande parte do edifício, incluindo componentes estruturais. É o caso do risco sísmico, mas também de outros habitualmente previstos na cobertura base dos seguros de multirriscos habitação, como os de inundações, tempestades, danos por água ou a responsabilidade civil por danos causados a terceiros. A nosso ver, é uma lacuna do regime.

Qual seriam as opções para uma família? Seriam os seus próprios fundos a assegurar a reconstrução, seriam as seguradoras em caso de haver cobertura, seria o Estado?

Atualmente, seria uma solução casuística, certamente com apoio públicos nacionais e apoios comunitários, mas potencialmente desorganizada e insuficiente. E esse é o problema fundamental. Ao contrário de muitos outros países, incluindo a Turquia, onde acabou de ocorrer um grande sismo, Portugal não tem qualquer sistema nacional estruturado para fazer face a este tipo de ocorrências.

E são muitas as vantagens destes sistemas: redução significativa do gap de proteção; eliminação da perceção (ou ilusão) de que o Estado acabará por funcionar como segurador; preparação acrescida para resposta aos eventos, com aumento da resiliência e disponibilidade de capital; rapidez na alocação de fundos e pagamento de indemnizações, promovendo uma célere retoma económico-social; contenção de potenciais pressões sobre o orçamento e défice do Estado; promoção de ações de investigação, prevenção e mitigação do risco; entre outros.

Mapa de risco European Facility for Earthquake Hazard and Risk, promovido pela União Europeia. Lisboa é, como Bruxelas e Budapeste, um ponto quente. Em Itália, Balcãs, Grécia, Bulgária, Roménia e Turquia o risco é geral.

Como está a constituição do fundo sísmico/catástrofes naturais? Está parado porquê?

Esse é um objetivo assumido pelo Governo que, na sua Estratégia Nacional para uma Proteção Civil Preventiva 2030, incumbiu a ASF e a APS de projetar e propor um Sistema de Proteção de Riscos Catastróficos para Portugal. A APS já manifestou claramente a sua vontade de iniciar esse trabalho conjunto com a ASF e tem muito trabalho já desenvolvido sobre a matéria, aguardando a disponibilidade desta para o efeito.

Qual a proposta da APS para esse Sistema de Proteção de Riscos Catastróficos?

A criação de um sistema nacional de proteção de riscos catastróficos, com articulação entre o Estado e as empresas de seguros, mas essencialmente baseado em soluções seguradoras. O sistema proposto visa criar uma oferta adequada e acessível de cobertura deste tipo de riscos: promovendo a sua mutualização através de uma adesão voluntária, mas alargada do setor segurador; envolvendo o apoio e garantia do Estado; e acumulando e capitalizando recursos económicos em fundos apropriados.

Apesar de preparado para integrar um leque mais alargado de riscos catastróficos, o ponto de partida deste sistema deveria ser exatamente o risco sísmico nos edifícios habitacionais. Passaria por uma obrigatoriedade de contratação da cobertura de fenómenos sísmicos em seguros de incêndio e multirriscos de habitação, cobertura que seria agregadamente gerida no âmbito deste sistema, com repartição de responsabilidades entre fundos próprios acumulados, segurados, seguradores, resseguradores e fundos públicos.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

“Terramoto em Lisboa igual ao de 1755 significava perda de 20% do PIB”

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião