A salvação de um gigante suíço com pés de barro

As autoridades suíças jogaram tudo para salvar o Credit Suisse e a reputação da banca suíça. O UBS fez um negócio com um desconto estrondoso e alguns obrigacionistas do banco ficaram reduzidos a zero.

Num fim-de-semana louco, as autoridades suíças conseguiram evitar a falência do Credit Suisse, o eclodir de uma nova profunda crise bancária mundial e, sobretudo, “salvar a face” da reputação da sua banca.

“Na sexta-feira, as saídas de liquidez e a volatilidade do mercado mostraram que já não era possível restaurar a confiança do mercado, e uma solução rápida e estabilizadora era absolutamente necessária”, referiu Alain Berset, presidente da Suíça, numa conferência de imprensa em Berna, no domingo à noite. “Esta solução foi a aquisição do Credit Suisse pelo UBS”.

O feito deve-se ao UBS, o eterno rival do Credit Suisse, que num negócio que envolveu um cheque de três mil milhões de euros e o reconhecimento de mais de cinco mil milhões de euros de perdas no seu balanço, passou a controlar os ativos do banco que até ontem carregava uma história de 167 anos.

“É um dia histórico na Suíça e é também um dia que, francamente, esperávamos que não aconteceria”, referiu Colm Kelleher, presidente do UBS, numa conferência telefónica no domingo com analistas.

O valor final do negócio foi mais do triplo da oferta inicial do UBS, mas, mesmo assim, traduziu-se num forte desconto face aos 7,5 mil milhões de euros de capitalização bolsista que o Credit Suisse apresentava na sexta-feira.

Todavia, o salvamento do emblemático banco suíço que conta como fundador Alfred Escher, visto como arquiteto da Suíça moderna, não se fica por aqui.

No envelope financeiro orquestrado pelos reguladores suíços, o banco central da Suíça garantiu no domingo a disponibilização de uma linha de liquidez de assistência de mais de 100 mil milhões de euros à nova instituição formada pelo UBS e pelo Credit Suisse, isto já depois de na passada quinta-feira já ter disponibilizado mais de 50 mil milhões de euros ao Credit Suisse para o banco cumprir as suas responsabilidades de curto prazo.

Além disso, o Governo suíço irá também providenciar uma garantia contra perdas até 9,1 mil milhões de euros, mas só após o UBS suportar os primeiros cinco mil milhões de euros de perdas com determinados portefólios de ativos.

No panorama internacional, perante o risco de uma rápida perda de confiança no sistema financeiro, também os principais bancos centrais tomaram medidas.

Numa operação coordenada, Banco Central Europeu, Reserva Federal norte-americana (Fed), Banco do Japão, Banco do Canadá e Banco de Inglaterra reforçarem o fluxo de dinheiro no mercado com uma série de swaps cambiais para garantir que os bancos tenham os dólares necessários para operar.

Do salvamento do Credit Suisse nascerá um gigante financeiro maior que o todo-poderoso Goldman Sachs, detendo atualmente ativos de quase 1,7 biliões de euros de ativos (1,1 biliões de euros do UBS e 540 mil milhões de euros do Credit Suisse) e conta com mais de cinco biliões de ativos sob gestão internacionalmente.

Dos que ficaram com nada ao futuro do banco

Do lado dos derrotados, além dos acionistas do Credit Suisse que nos últimos seis meses viram desaparecer 60% do seu investimento, estão sobretudo alguns obrigacionistas do banco que viram o preço dos seus ativos cair para zero.

O regulador suíço decidiu que as obrigações Additional Tier-1 (AT1) do Credit Suisse, que apresentavam um valor nominal de cerca de 17 mil milhões de euros e que se destinam a suportar as perdas quando as instituições se deparam com problemas e a transferir o risco de falência do banco dos contribuintes para os investidores, perdessem a totalidade do seu valor.

Segundo a Bloomberg, o write-off das obrigações do Credit Suisse foi a maior perda de sempre registada no mercado europeu de obrigações AT1, que agrega ativos de quase 275 mil milhões de euros. E foi bem superior ao único write-off deste tipo de títulos registado até à data, cujo cunho era uma perda de 1,35 mil milhões de euros sofrida pelos titulares de obrigações júnior do Banco Popular em 2017, quando o banco foi adquirido pelo Banco Santander por um euro para evitar um colapso. Nesse caso, o capital também foi anulado.

Pouco se conhece ainda do processo de reestruturação do banco, que começará a ser realizado nos próximos dias. Colm Kelleher referiu apenas que ainda era demasiado cedo para dar uma estimativa dos cortes de postos de trabalho que serão realizados nas várias divisões do Credit Suisse.

Porém, o presidente do UBS revelou que “pretende reduzir a dimensão do negócio bancário de investimento do Credit Suisse” de modo a não representar mais de 25% dos ativos ponderados pelo risco do grupo” e alinhá-lo com “a cultura conservadora de risco” do UBS.

Já esta segunda-feira, a Associação de Bancários Suíços revelou estar “profundamente chocada” com a aquisição do Credit Suisse e apelou ao UBS para manter os cortes de postos de trabalho a um “mínimo absoluto”.

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