Exclusivo Do colapso ao banco “mais seguro”, como os empreendedores nacionais viveram a falência do SVB
Três empreendedores nacionais com operação nos Estados Unidos contam ao ECO o dia seguinte à falência do SVB e o impacto que pode ou vir a ter no ecossistema.
Dias de stress seguidos de um grande “alívio” foi sentimento dos empreendedores nacionais nos Estados Unidos depois da corrida ao Silicon Valley Bank (SVB) ter levado ao colapso do banco das startups e a Reserva Federal Americana (Fed) ter garantido os depósitos a 100%. Agora é o retornar da ‘normalidade’, mas com uma aprendizagem: apostou-se em diversificar posições bancárias, diminuindo a exposição ao risco de um novo crash.
Com sede em Silicon Valley, o Chamaleon acompanhou de perto o turbilhão provocado pelo colapso do SVB. O fundo não só tinha contas no banco, como “quase metade” das empresas do seu portefólio — têm no fundo ativo cerca de 10 startups, gerindo um total de 75 milhões de dólares — tinha também depósitos nessa instituição. “Quando vimos as primeiras notícias de que podia haver uma corrida ao banco, tivemos de agir rápido. Felizmente, foi relativamente fácil resolver tudo a tempo. As nossas startups conseguiram rapidamente movimentar o capital que tinham no banco para outras contas, e nós também não tivemos qualquer problema na gestão da nossa situação”, relata Alexandre Santos.
E não foi o único empreendedor viver o colapso do SVB. “Toda a situação tem sido, no mínimo, esgotante. Especialmente para mim, vindo de fora e vivendo apenas há um ano nos Estados Unidos. O SVB foi o nosso primeiro banco, no qual confiámos por ter mais de 40 anos de historial intacto e relações profundas com startups por todo o mundo”, conta José Costa Rodrigues, cofundador e CEO da Relive, startup que opera na área imobiliária.
A Amplemarket não era cliente do banco, mas os efeitos também se fizeram sentir. “Não éramos clientes do SVB, mas um dos nossos bancos é na Califórnia e também estava sob pressão após as notícias do SVB, portanto, logo que tivemos conhecimento da situação tentamos diversificar ainda mais a nossa posição bancária abrindo mais algumas contas noutros bancos”, adianta Luís Batalha, cofundador da startup sediada em São Francisco.
O timing do colapso agravava ainda o potencial problema das startups que tinham o SBV como o seu primeiro banco: coincidia com a altura de pagamentos de salários. “É uma realidade de muitas empresas nos Estados Unidos, muitas pagam quinzenalmente os salários e isto caía, precisamente, num dos grandes ciclos de pagamento de salários. Teríamos milhares de startups sem capacidade de pagar salários a uma boa parte das pessoas que tem a trabalhar para eles quer nos Estados Unidos, quer fora dos Estados Unidos”, realça Alexandre Santos, da Chamaeleon, fundo com escritórios nos Estados Unidos, Polónia e Portugal e que, já investiu em empresas com a OutSystems, Aptoide, Sensei ou Didimo, entre outras.
Uma indefinição que muitas startups viveram durante vários dias que levou mesmo a unicórnio Remote a avançar de que iria assegurar até final de março o pagamento dos salários aos colaboradores das empresas clientes, dando-lhes mais tempo para arranjar um plano B.
O alívio chegou com a decisão da Fed de garantir 100% os depósitos. “Com a decisão da Fed — que achamos que foi a correta — a situação acalmou muito mais, o grande risco era haver um risco de contágio enorme para outros bancos. Outros bancos mais pequenos, à escala americana, ainda sofreram um pouco nos dias seguintes com quedas na Bolsa significativas e rumores de que estariam prestes a cair. Mas acho que se evitou um grande problema”, considera Alexandre Santos.
O banco está a operar business as usual até está a tentar passar a mensagem de que não há banco mais seguro onde se pode ter dinheiro porque quer os antigos depósitos, quer os novos são 100% garantidos pela Reserva Federal Americana, isso não há em mais lado nenhum.
“Apesar da intervenção do Governo, a verdade é que ainda não conseguimos aceder ou movimentar alguns depósitos. Vale-nos a segurança de que o banco não irá cair, pelo que o dinheiro está salvaguardado — mas há, neste momento, muito atraso nos processamentos”, relata José Costa Rodrigues.
“Algumas restrições” mas dentro da normalidade é o que descreve Luís Batalha da Amplemarket. “Pelo que conheço dos nossos clientes a situação está praticamente normalizada. Existem ainda algumas restrições relativamente a transferências internacionais, mas parece ser uma situação temporária“, diz.
“Recebemos algumas notificações deles de que podíamos ter algumas transferências canceladas porque estavam a ter alguma dificuldade, dado o volume, mas até agora tudo a funcionar de forma normal”, diz, por seu turno, Alexandre Santos.
Passada a primeira onda, tudo parece estar a regressar à normalidade. “O SVB também foi relativamente rápido a reagir a tudo isto. Na segunda-feira (da reabertura) já tinha um novo CEO indicado, a meio da semana participamos todos, numa call com o novo CEO onde explicou o que pretendia fazer e que além de garantir os depósitos, continuam a apoiar empréstimos e todos os instrumentos de dívida que têm no banco”, descreve o cofundador da Chamaeleon.
“O banco está a operar business as usual até está a tentar passar a mensagem de que não há banco mais seguro onde se pode ter dinheiro porque quer os antigos depósitos, quer os novos são 100% garantidos pela Reserva Federal Americana, isso não há em mais lado nenhum“, acrescenta Alexandre Santos.
Era através (do SVB) que todos os dias transferíamos dinheiro aos nossos consultores e prestadores de serviços, ou que pagávamos salários na América. Segunda-feira às 09h00 já estava no JP Morgan Chase a abrir uma outra conta. Um banco menos ágil e tecnológico, mas sem dúvida mais tradicional e seguro.
Mas o fundo — e as startups onde participa — também retirou os seus próprios ensinamentos de tudo o que se passou. “Ainda temos lá capital, não retiramos tudo do banco ainda, até pelo cenário caricato, quase, de que lá está mais seguro do que em qualquer outro lado”, admite o cofundador da Chamaeleon, mas, “obviamente, que reforçamos a nossa capacidade e trabalhar com vários bancos, já o fazíamos, mas agora ainda mais.”
Uma estratégia que, acredita, está a ser usada pelo ecossistema. “Todos sem exceção fizeram o que nós fizemos, mesmo tendo já contas com outros bancos, repensar qual a rede que têm para terem vários níveis de risco“, aponta Alexandre Santos.
E, efetivamente, foi o que fez a Relive. O SVB “era o nosso principal banco corrente nos EUA, um banco ágil, tecnológico e fácil de operar online”, descreve José Costa Rodrigues. “Era através de lá que todos os dias transferíamos dinheiro aos nossos consultores e prestadores de serviços, ou que pagávamos salários na América. Segunda-feira às 09h00 já estava no JP Morgan Chase a abrir uma outra conta. Um banco menos ágil e tecnológico, mas sem dúvida mais tradicional e seguro”, admite.
Risco de contágio?
Apesar da intervenção da Fed, José Costa Rodrigues acredita que a situação do banco acabou por impactar o ecossistema local. “Sente-se bastante tensão neste momento nos EUA, com o custo de vida, a inflação, as taxas de juro a subir, os lay-offs nas grandes empresas tecnológicas (só a Meta já despediu 25% dos colaboradores). Em concreto em Austin, Texas, e na nossa indústria, o ramo imobiliário, nota-se um grande abrandamento na compra/venda de imóveis. As pessoas estão receosas de uma nova crise como a de 2008“, afirma.
Alexandre Santos mostra-se mais confiante. “Claramente, as pessoas não estiveram a olhar nos últimos dias para novas oportunidades de investimento. Mas, no nosso caso, na terça-feira já estava a ter reuniões com potenciais investimentos. Esta indústria reage muito rápido: reagiu rápido na corrida ao banco e muito mais rápido no voltar agora ao trabalho”, considera o cofundador do fundo de investimento.
“A instabilidade ainda existe, estamos numa situação de incerteza acima da média, mas em early stage essa atividade (rondas de levantamento) continua a investir, onde as coisas acalmaram é nas rondas maiores, nas scaleups etc., onde este ano nem é muito recomendado tentar levantar capital para este tipo de rondas”, diz, quando questionado sobre se a instabilidade vivida poderia afetar o investimento no ecossistema.
“As empresas estão com avaliações elevadas de rondas anteriores e, neste contexto de maior instabilidade, é mais difícil ir às rondas que necessitam em avaliações decentes, se poderem evitar ir ao mercado em 2023 melhor. Mas para as startups em early stage a atividade continua muito ativa, se calhar com mais tempo para analisar as oportunidades, mas existe muita atividade até por causa da explosão de startups ligadas à inteligência artificial”, reforça. “Normalmente, as melhores alturas para investir são estas, obtém-se melhores resultados quando se investe em anos de crise.”
A rápida intervenção do governo americano, salvaguardando os depósitos e o seu acesso ainda durante o fim de semana ajudou bastante na estabilização da situação e, sobretudo, garantiu que não existiam milhares de pessoas com o risco de não receberem salários ou de serem despedidas nas próximas semanas. Se isto não tivesse acontecido correríamos o risco de ter milhares de empresas a fechar portas por uma razão que nada tem que ver com a saúde dos seus negócios.
“Normalmente, sempre que existem picos de instabilidade como esta situação do SVB pode haver algum standby natural por parte de candidatos, investidores etc. que tentam construir o seu modelo mental do mundo após o evento antes de tomar uma decisão”, comenta Luís Batalha da Amplemarket, quando questionado sobre como o ecossistema está a reagir à falência técnica do banco. “No início da pandemia em 2020, houve um efeito semelhante, contudo passado pouco tempo os investidores voltaram a investir e com condições e montantes bastante superiores ao que tínhamos observado em 2019″, recorda.
E poderemos assistir a movimentos de contágio? “Havia um forte risco de isto ter um efeito bola de neve caso a Reserva Federal não tivesse feito nada”, reconhece Alexandre Santos.
E o mesmo considera Luís Batalha da Amplemarket. “A rápida intervenção do governo americano, salvaguardando os depósitos e o seu acesso ainda durante o fim de semana ajudou bastante na estabilização da situação e, sobretudo, garantiu que não existiam milhares de pessoas com o risco de não receberem salários ou de serem despedidas nas próximas semanas. Se isto não tivesse acontecido correríamos o risco de ter milhares de empresas a fechar portas por uma razão que nada tem que ver com a saúde dos seus negócios”, considera.
“É preocupante observar o contexto macro — desde as consequências do excesso de impressão de dinheiro durante a pandemia — e a “euforia e disparates” que tal gerou — há um ano vendiam-se na internet imagens, ou NFT por centenas de milhares de dólares –, da guerra na Ucrânia sem fim à vista, até hoje ao Credit Suisse, a cair a capitalização bolsista em 25% (a maior queda em um dia da sua história), seguida da apresentação em fevereiro dos piores resultados desde a crise de 2008. Parece uma tempestade perfeita, mas só o tempo dirá“, comenta, por seu turno, José Costa Rodrigues, da Relive, quando questionado sobre se as medidas tomadas pelas autoridades norte-americanas serão suficientes para contar um efeito de contágio.
O que nos preocupa, mas não é algo específico do ecossistema empreendedor, é a questão da confiança. Tal como aconteceu em 2008, gerar-se uma situação de falta de confiança no setor financeiro é algo a evitar a todo o custo, é grave e devemos estar bem atentos a isso. Aqui é altura para Governos, reguladores, bancos centrais atuarem a fazerem com que isso possa ser evitado.
António Dias Martins, diretor executivo da Startup Portugal, mostra-se igualmente cauteloso. “O que nos preocupa, mas não é algo específico do ecossistema empreendedor, é a questão da confiança. Tal como aconteceu em 2008, gerar-se uma situação de falta de confiança no setor financeiro é algo a evitar a todo o custo, é grave e devemos estar bem atentos a isso. Aqui é altura para Governos, reguladores, bancos centrais atuarem a fazerem com que isso possa ser evitado”, aponta.
“Isso é um tema que ultrapassa o ecossistema, tal como ultrapassa as causas desta falência (do SVB). Não está relacionada com o perfil de clientes do banco, nem do seu risco, nem dos seus negócios, mas sim com as opções de gestão financeira de liquidez do banco“, reforça.
“Se nos EUA houve uma atuação que permitiu mitigar os efeitos colaterais, é importante que na Europa também isso aconteça e agora até por motivos diferentes, com o que está a acontecer com o Credit Suisse. Uma situação, não digo esperada, mas que não representa uma surpresa enorme, pois já havia indicações da situação frágil deste banco há mais de um ano”, continua. “Não há nenhum banco que resista a uma crise de confiança, os bancos não estão preparados para uma corrida aos depósitos”.
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