Recrutadores vão deixar de poder perguntar histórico salarial aos candidatos
A diretiva de transparência salarial é votada na sessão plenária do Parlamento Europeu que arranca esta quarta-feira, depois de os eurodeputados e os 27 terem acordado quanto ao texto final.
Os recrutadores vão deixar de poder perguntar aos candidatos sobre o seu histórico salarial, ficando os empregadores obrigados a divulgar, logo no anúncio de emprego, pelo menos, o intervalo salarial para a posição em aberto, determina a diretiva europeia de transparência salarial, votada na sessão plenária do Parlamento Europeu que arranca esta quarta-feira. A medida legislativa — que depois de aprovada terá dois anos para ser vertida para a legislação de cada Estado-membro — poderá aumentar a pressão salarial na hora de recrutar ou reter talento, alertam as empresas de RH ouvidas pela ECO Pessoas.
“Há sempre resistências a mudanças. Todavia não creio que tal venha a ser um problema para as empresas. (…) será uma questão de adaptação e negociação”, antecipa a presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), Carla Tavares. E defende: “Estas duas medidas irão, certamente, contribuir para uma maior transparência do mercado. Que, aliás, é o que é pretendido.”
Alterações que vão certamente mudar muitos dos procedimentos habituais na hora de recrutar. Perguntar o histórico salarial aos candidatos é, ainda, bastante comum em determinadas fases do processo de recrutamento. Serve para “alinhar e gerir as expectativas salariais dos candidatos face à politica salarial das empresas para uma determinada posição”, diz Mário Gonçalves, senior manager da Hays. Com esta nova medida, na negociação em torno do salário, os empregadores perdem, em certa medida, a perceção do atual patamar remuneratório do candidato, algo muitas vezes utilizado para ajustar a oferta.
“Terá de haver uma melhor gestão do fator salário durante o processo de recrutamento, nomeadamente o alinhamento das expectativas de ambas as partes, o que pode ter como consequência o processo de negociação se tornar mais complexo, tendo por base mais componentes para além da questão salarial até se alinharem expectativas”, considera.
O tema salário é, “na maior parte das entrevistas”, abordado tanto pelo empregador, como pelo candidato, aponta Miguel d’Almeida. “Até porque a componente salarial é muito importante para ambas as partes na decisão de se abraçar um novo desafio profissional”, justifica o responsável pelo recrutamento especializado da Kelly em Portugal.
Na maior parte das entrevistas, é abordado o tema do salário, quer por parte do empregador, quer por parte do candidato. Até porque a componente salarial é muito importante para ambas as partes na decisão de se abraçar um novo desafio profissional.
E mostra-se cauteloso quanto às novidades que a diretiva traz consigo. “Este é um tema complexo porque, se por lado a medida pode de facto trazer mais transparência e equilíbrio global aos processos de recrutamento em termos salariais — o que é bastante positivo –, por outro lado, muitas vezes, o sucesso de um recrutamento tem por base uma análise específica e individual da realidade de cada candidato, que passa pela sua formação, experiência profissional, motivações e expectativas salariais”, explica.
“Na realidade, o possível empregador não precisa de ter acesso ao histórico salarial dos candidatos, mas é importante que tenha informação relativa à sua expectativa salarial para integrar e aceitar determinado projeto, porque só desta forma candidato e empregador conseguem garantir um alinhamento contratual aliciante e globalmente motivador para ambas as partes”, comenta.
Salário será principal razão para não submeter a candidatura
Em causa está também a obrigatoriedade de passar a divulgar no anúncio de emprego o valor salarial ou, pelo menos, o intervalo remuneratório para a posição em aberto. Algo que será, certamente, um dos primeiros fatores de ponderação para os profissionais submeterem ou não a candidatura, antecipam os especialistas em recrutamento e seleção.
“Se a informação disponibilizada não for ao encontro das expectativas do candidato, poderá passar a ser o principal motivo para a não apresentação de candidatura. Isto terá como consequência mais imediata permitir uma análise financeira prévia da parte dos profissionais, o que coloca no lado do candidato um maior poder negocial logo no início do processo”, considera Mário Gonçalves, da Hays.
Contudo, ressalva, “a divulgação da questão salarial vai determinar que o tema salarial seja um ponto que comece a ser trabalhado numa fase inicial e não apenas numa fase final.”
A procura de trabalho tornar-se-á, assim, mais objetiva e precisa. Os candidatos tornar-se-ão mais seletivos no que se refere aos anúncios a que respondem, com a divulgação das faixas salariais a ajudar a descartar ou considerar opções. Algo que, para Pedro Amorim, corporate clients director do ManpowerGroup e managing director da Experis, só traz benefícios: “poupa trabalho e tempo a quem recruta, mas também a quem é recrutado”.
“Se o candidato tiver um enquadramento salarial prévio, consegue perceber à partida se a vaga lhe interessa ou não, sendo esta ainda uma forma de os empregadores conseguirem definir e anunciar o nível de senioridade da função”, acrescenta o responsável.
Mas aumentar o poder de negociação dos candidatos não é sinónimo de limitar o poder do empregador. Até porque, alerta Pedro Amorim, “se encontrar o candidato certo para a função, o recrutador não perde nada em oferecer algo mais, que pode ser a nível de salário ou outros benefícios”.
Se a informação disponibilizada não for de encontro às expectativas do candidato, poderá passar a ser o principal motivo para a não apresentação de candidatura. Isto terá como consequência mais imediata permitir uma análise financeira prévia da parte dos profissionais, o que coloca no lado do candidato um maior poder negocial logo no início do processo.
“Parte-se com algo definido em termos de proposta e até se pode não aumentar o valor do salário, mas oferece-se algo mais ao candidato, como um seguro de saúde, mais dias de férias por ano ou um prémio por tempo de permanência na empresa”, explica.
A forma como se negoceiam os salários é que terá de mudar, admite Miguel d’Almeida. “O salário é apenas um dos possíveis indicadores a analisar. Existem muitas outras variáveis e benefícios com um forte impacto e que pesam bastante na análise a uma possível mudança profissional, como por exemplo o tipo de contrato, bónus de produtividade, bónus de retenção, seguros de vida, seguros de saúde, viatura, tipo empresa, estabilidade financeira da empresa, cultura organizacional, trabalho remoto ou híbrido, perspetivas de carreira e evolução, política de aumentos, flexibilidade, localidade, entre outros”, elenca.
Transparência poderá aumentar pressão salarial
Esta prática ajudará também os profissionais a ter uma melhor perceção sobre o que o mercado de trabalho está disposto a pagar para uma determinada posição. Útil não só apenas no momento em que pondera um novo desafio profissional. Pode também permitir ao talento “defender a sua atual situação salarial, na perspetiva de uma eventual negociação das condições que tem na sua organização, por exemplo”, aponta Marco Arroz, national senior manager – executive search na Multipessoal.
Nos últimos 18 meses verificou-se aquilo que a Kelly considera uma “dinâmica salarial atípica” no mercado, levando muitas empresas a questionarem-se até que ponto estão enquadradas em termos salariais face ao mercado e respetiva concorrência. “Paralelamente, 2022 e 2023 têm sido dos anos com maiores taxas de contrapropostas por parte das empresas, face à intenção de saída dos seus colaboradores, o que revela uma aposta na retenção por parte de muitas empresas e uma tentativa progressiva de se alinharem em termos salariais, face a um mercado fortemente competitivo e dinâmico na entrada de novas empresas em Portugal”, avança Miguel d’Almeida.
Uma medida que promove a divulgação massiva dos salários nos processos de recrutamento pode efetivamente trazer mais transparência salarial, fornecer dados mais detalhados sobre o mercado e, consequentemente, criar algum alinhamento nos diversos setores e áreas de atuação, defende o responsável pelo recrutamento especializado da Kelly em Portugal.
Mas, ao mesmo tempo, alerta: “Este é um tema complexo e mais subjetivo do que aparenta porque o impacto global tanto pode ser positivo, como, em alguns casos, levar a que algumas empresas cometam erros estratégicos e de gestão, na tentativa de acompanhar algumas tendências de mercado, que podem ser irrealistas ou mesmo insustentáveis, num mercado competitivo em constante mudança.”
Em suma, a medida, “fará, com toda a certeza, aumentar a concorrência e a pressão salarial”, comenta. “Fica a dúvida sobre se isso será sinónimo de maior estabilidade e tranquilidade para os candidatos e profissionais ativos, num mercado que está altamente dinâmico e incerto em muitos setores.”
A transparência salarial poderá criar um desfasamento entre empresas, que poderão ser identificadas e associadas a salários mais ou menos atrativos e, naturalmente, ver a sua atratividade perante os candidatos condicionada em função disso. Esta situação resultará na necessidade de os pacotes salariais serem, portanto, revistos, como forma de se ajustarem ao mercado e à sua concorrência em específico, podendo até gerar aumentos.
Marco Arroz, da Multipessoal, tem outra perspetiva. “A transparência salarial poderá criar um desfasamento entre empresas, que poderão ser identificadas e associadas a salários mais ou menos atrativos e, naturalmente, ver a sua atratividade perante os candidatos condicionada em função disso. Esta situação resultará na necessidade de os pacotes salariais serem, portanto, revistos, como forma de se ajustarem ao mercado e à sua concorrência em específico, podendo até gerar aumentos”.
“Poderemos ainda refletir sobre a possibilidade de esta transparência contribuir para baixar a média salarial dos atuais colaboradores. Ou seja, ao publicar o pacote salarial, os empregadores poderão sentir-se mais à vontade para alegar que não poderão negociar salários superiores, já que teriam de negociar com todos os restantes colaboradores”, comenta.
De forma geral, na guerra pelos talentos, Pedro Amorim não tem dúvida que aumentar a transparência ao nível salarial fará com que as empresas “marquem pontos”. “Se deixarem de existir ‘jogos de bastidores’, o mercado torna-se mais aberto e a concorrência mais honesta”, afirma o corporate clients director do ManpowerGroup e managing director da Experis.
A diretiva europeia de transparência salarial prevê ainda que as empresas com um mínimo de 100 trabalhadores sejam chamadas a corrigir diferenças salariais injustificadas que sejam iguais ou superiores a 5%. Uma norma que a presidente da CITE considera que não trará impacto para Portugal, uma vez que a atual legislação portuguesa visa empresas com, pelo menos, 50 trabalhadores.
“A diretiva europeia estabelece um mínimo, sendo que a legislação portuguesa é mais abrangente. É possível que em sede de transposição da diretiva a Lei n.º 60 venha a sofrer alguns ajustes, mas não resultará numa versão muito diferente da que já está em vigor”, estima.
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