Presidente da CMVM investiu em obrigações da TAP e não pode decidir sobre contraordenação

O presidente da supervisor tinha afirmado à Cresap no ano passado que iria vender os instrumentos financeiros de emitentes supervisionados pela CMVM de que era detentor, mas ainda tem títulos da TAP.

O presidente da CMVM, Luís Laginha de Sousa, afirmou na comissão parlamentar de inquérito (CPI) que comprou obrigações da TAP em 2019, antes de entrar para o supervisor, pelo que não poderá participar na decisão sobre o processo de contraordenação à companhia aérea.

“Por ser titular de obrigações da TAP, que subscrevi na oferta pública em 2019, a lei não me permite participar em decisões do conselho de administração que tenham impacto na TAP”, disse o responsável pelo supervisor aos deputados.

Laginha de Sousa declarou à Cresap em 2022, no âmbito do seu processo de nomeação, ser “detentor de instrumentos financeiros de emitentes supervisionados pela CMVM”, mas comprometeu-se junto daquela entidade que, “caso venha a ser designado para o cargo ao qual me encontro indigitado, tais incompatibilidades e impedimentos cessarão na data do despacho de designação”, segundo o documento a que o ECO teve acesso.

O presidente da CMVM disse esta quinta-feira na CPI à TAP que a companhia foi notificada na quarta-feira passada, dia 5 de abril, do processo de contraordenação e aguarda a resposta, confirmando a informação prestada pelo chairman da companhia na terça-feira. O processo incide sobre a “qualidade e tempestitividade” de informação prestada na cessação de funções da antiga administradora Alexandra Reis. Luís Laginha de Sousa justificou com o cumprimento do segredo de justiça para não dar mais detalhes.

O presidente da CMVM identificou o administrador financeiro da TAP, Gonçalo Pires, como o responsável na companhia aérea pela informação divulgada ao mercado. Questionado pela deputada Mariana Mortágua se era um dos alvos do processo de contraordenação instaurado pelo supervisor, Luís Laginha de Sousa voltou a invocar o segredo de justiça.

A TAP informou o mercado a 4 de fevereiro de 2022 que Alexandra Reis, então administradora executiva, tinha apresentado a “renúncia ao cargo, decidindo encerrar este capítulo da sua vida profissional e abraçando agora novos desafios”. O comunicado é assinado por Gonçalo Pires. Depois de estalar a polémica sobre a indemnização de 500 mil euros, na véspera de Natal, o Governo pediu esclarecimentos à TAP que comprovam que a gestora saiu por iniciativa da CEO.

A informação prestada pela companhia foi enviada para a CMVM e a entidade liderada por Luís Laginha de Sousa obrigou a transportadora a corrigir o comunicado, para dizer que a saída “ocorreu na sequência de um processo negocial de iniciativa da TAP, no sentido de ser consensualizada por acordo a cessação de todos os vínculos contratuais existentes entre Alexandra Reis e a TAP”.

O presidente da CMVM explicou que pediu informações à TAP na sequência das notícias sobre a indemnização de 500 mil euros brutos a Alexandra Reis. Luís Laginha de Sousa diz que a CMVM solicitou esclarecimentos ao emitente, porque a informação “inicial divulgada apontava para contexto de diferente da saída do que o comunicado”.

João Barbosa de Melo, do PSD, deu conta de “uma troca intensa de emails” entre o supervisor e a TAP, até que o primeiro deu à companhia aérea quatro dias para emitir um comunicado a corrigir a informação ao mercado. Luís Laginha de Sousa apontou que “até hoje não houve uma única queixa, reclamação ou pedido de informação” recebido pelo supervisor sobre o processo. “São indicadores habituais de risco e preocupação a que a CMVM está atenta”, apontou.

O responsável do supervisor explicou que o valor da indemnização a Alexandra Reis não tinha de ser comunicado pela TAP. Só seria necessário se fosse de tal forma elevado que tivesse impacto financeiro material nas contas da companhia aérea, disse Luís Laginha de Sousa.

O artigo 389.º do Código dos Valores Mobiliários diz que “a comunicação ou divulgação, por qualquer pessoa ou entidade, e através de qualquer meio, de informação que não seja completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita” constitui uma contraordenação muito grave, punível com coima entre 25 mil e 5 milhões de euros. O presidente da CMVM referiu apenas que “em abstrato”, uma coima a um emitente pode atingir aquele valor máximo.

Luís Laginha de Sousa esclareceu na sua intervenção inicial que no caso da TAP a CMVM não tem supervisão sobre o relatório de governo societário, uma vez que no caso da companhia aérea a obrigação de divulgar esta informação decorre do seu estatuto de empresa pública.

A comissão parlamentar de inquérito para “avaliar o exercício da tutela política da gestão da TAP” foi proposta pelo Bloco de Esquerda e aprovada pelo Parlamento no início de fevereiro com as abstenções de PS e PCP e o voto a favor dos restantes partidos. Nasceu da polémica sobre a indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra Reis para deixar a administração executiva da TAP em fevereiro de 2022, mas vai recuar até à privatização da companhia em 2015. Tomou posse a 22 de fevereiro, estendendo-se por um período de 90 dias.

(notícia atualizada às 21h12)

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