Uma mão cheia de alertas (urgentes) do FMI para a economia mundial
O mundo não vai apenas crescer ao ritmo mais baixo das últimas duas décadas. Vai estar mais endividado e fragmentado. Os desafios para a economia mundial são muitos e as preocupações do FMI também.
É difícil encontrar algum otimismo nas previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a economia mundial. Além de prever um crescimento modesto em torno dos 3% por ano para o próximo quinquénio, bem abaixo dos 3,8% registado nas últimas duas décadas, o FMI vaticina um mundo mais endividado e blocos económicos cada vez mais fragmentados.
No decorrer das “reuniões de primavera” deste ano do FMI e do Banco Mundial, que tiveram lugar esta semana em Washington, muitos temas foram discutidos por dezenas de especialistas. Mas todos os painéis convergiram para cinco sinais de alerta com que se depara a economia mundial nos próximos anos, e que deverão ser acompanhados de perto pelas autoridades políticas e económicas.
1. Dívida pública em crescimento
Depois de em 2020, como consequência da pandemia de Covid-19, ter-se assistido a um aumento dos níveis de endividamento de muitos países para valores acima dos 100% do PIB, em 2021 e 2022 assistiu-se a uma queda muito forte no rácio da dívida pública face ao PIB, que foi também a queda mais abrupta dos últimos 70 anos.
No entanto, já este ano, o FMI nota a ocorrência de uma subida significativa da dívida pública de muitas nações. “A dívida pública mundial cresce atualmente a um ritmo mais elevado do que antes da pandemia e está em valores mais elevados do que antes da pandemia”, referiu Vítor Gaspar, diretor do departamento de Finanças Públicas do FMI, na conferência de imprensa da apresentação do último relatório “Fiscal Monitor“.
Apesar de o FMI estimar que cerca de dois terços dos países venham a registar uma redução do seu rácio de dívida pública face ao PIB até 2028, é expectável que a dívida pública global aumente em virtude do comportamento de algumas grandes economias, como o Brasil, EUA, Reino Unido, China, Turquia, Japão e África do Sul.
Entre os países mais vulneráveis, os dados do FMI mostram 12 países a viverem atualmente sob stress em relação à sua dívida e 28 que denotam um elevado risco de entrarem num cenário de stress da sua dívida externa.
Porém, o FMI afasta para já um cenário de crise da dívida soberana. No entanto, apesar de notar uma “baixa probabilidade” de acontecer, Vítor Gaspar salientou que “uma crise soberana em países desenvolvidos pode acontecer, como aconteceu em 2010-2013 e, por isso, é importante estar alerta com as movimentações nos mercados financeiros”.
2. Crédito mais caro e mais escasso
O último ano foi marcado por uma rápida mudança da política monetária dos principais bancos centrais. Essa mudança traduziu-se em subidas galopantes das taxas de juro e, mais tarde, num corte da liquidez monetária. Tudo com o objetivo de baixar a taxa de inflação, que disparou para valores como há muito não se assistia.
Para 2023 e para os anos seguintes, o FMI não perspetiva que o preço do dinheiro possa baixar de rompante nem sequer se manter nos níveis baixos que apresentou durante largos anos. “Os bancos centrais devem continuar a usar os juros para combater a inflação, enquanto aplicam políticas financeiras para garantir a estabilidade financeira”, referiu Kristalina Georgieva, diretora-geral do FMI.
À margem das reuniões, Reghuram Rajam, professor da Chicago Booth School of Business e que entre 2003 e 2006 foi economista-chefe do FMI, referiu mesmo que um dos maiores desafios que a economia mundial enfrenta é a subida das taxas de juro. “Depois de vivenciarmos um período de baixas taxas de juro por muito tempo, as pessoas não têm experiência desta realidade”, sublinhando ainda que a esta situação “há também um aperto de liquidez no mercado.”
Para a economia mundial, a conjugação da subida das taxas de juro e um aperto do crédito gera tensão no setor financeiro, como assistimos recentemente no Reino Unido e nos EUA, mas sobretudo dificulta ainda mais a gestão da dívida pública, particularmente dos países mais endividados.
Além disso, coloca um peso ainda maior sobre os países mais vulneráveis, que necessitam de dinheiro para responderem a situações de emergência social, humanitária e climática, como por exemplo sucede atualmente com o Paquistão, que continua a lidar com os efeitos provocados pelas inundações do ano passado.
3. Crescimento económico modesto
Num dos painéis das “Spring Meetings” deste ano, Joaquim Nagel, presidente do Bundesbank, referiu que tenta “ser otimista”, notando que acredita que “dentro de 12 meses vamos estar numa melhor situação do que estamos hoje.”
No entanto, as previsões do FMI para o crescimento da economia mundial não deixam muita margem para otimismo, a começar pela Alemanha que, segundo os seus economistas, deverá fechar 2023 com um crescimento negativo de 0,1% e crescer apenas 1,1% em 2024.
O FMI prevê que o crescimento global abrande de 6% em 2021 para 3,2% em 2022 e 2,7% em 2023. A confirmarem-se estas previsões, o mundo enfrenta o crescimento mais fraco desde 2001, com exceção da crise financeira global e da fase aguda da pandemia da Covid-19.
A atividade económica está a desacelerar particularmente nos EUA e na área do euro, onde as taxas de juro mais elevadas estão a gerar uma contração sobre a procura. Segundo Kristalina Georgieva, “a taxa de crescimento de cerca de 90% das economias avançadas deve recuar neste ano.”
De onde virá então o crescimento económico, num ambiente de aperto financeiro e de subida das taxas de juro? “Infelizmente, alguns dos indicadores que provocaram crescimento na economia mundial no passado, como a globalização, estão a fragmentar-se. E isso irá dificultar ainda mais o crescimento da economia mundial”, sublinha Reghuram Rajam.
De acordo com as últimas previsões dos economistas do FMI presentes no World Economic Outlook de abril, só o custo anual da fragmentação do comércio pode “roubar” entre 0,2% do PIB num cenário de fragmentação limitada a quase 7% num cenário grave – o equivalente à riqueza produzida anualmente pela Alemanha e pelo Japão juntos.
4. Políticas orçamentais mais apertadas
No início da pandemia, a Comissão Europeia suspendeu a aplicação das regras sobre défices excessivos (acima dos 3% do PIB) e o rácio da dívida em relação ao PIB (que tem de ficar abaixo dos 60%) do Pacto de Estabilidade e Crescimento da União Europeia, com vista a permitir que os Estados apoiassem as suas economias.
Essa suspensão deverá demorar pelo menos até à primavera do próximo ano, devido aos atuais ajustamentos dos países por causa da guerra na Ucrânia, da elevada inflação e da fragilidade no mercado energético. No entanto, o FMI alerta para que mesmo esta benesse não funcione como uma desresponsabilização dos governos na gestão das suas finanças públicas.
O Fundo não dá uma receita para os países promoverem um equilíbrio das suas contas, refere apenas que as medidas devem ser adaptadas às especificidades de cada país. Além disso, revela que “as medidas para enfrentar as pressões do custo de vida devem ser melhor direcionadas para apoiar os grupos mais vulneráveis preservando, ao mesmo tempo e na medida do possível, os sinais do mercado provenientes de preços mais elevados”, lê-se no Global Financial Stability Report de abril.
Vítor Gaspar vai ainda mais longe e sublinha que “os governos devem adotar um aperto das políticas orçamentais para suportar a política monetária e, assim, reduzir a necessidade de haver mais e novos aumentos das taxas de juro.”
A mensagem do FMI é clara nesta matéria: quadros orçamentais credíveis baseados no risco podem ajudar a promover políticas macroeconómicas coerentes alinhadas com objetivos de política monetária, reduzir as vulnerabilidades da dívida ao longo do tempo, e reconstruir buffers para as autoridades responderem melhor a choques futuros.
5. Agravamento das desigualdades mundiais
Desde o início da pandemia, o FMI emprestou cerca de 300 mil milhões de euros a 96 países. Ceyla Pazarbasioglu, diretora do FMI, revelou ainda que só desde meados de setembro, o FMI aprovou 23 novos programas de financiamento em cerca de 40 mil milhões de euros. Isto inclui programas de emergência financeira, novos programas de apoio financeiro.
“Não temos apenas usados os nossos tradicionais meios de financiamento para ajudar os países mais vulneráveis, mas temos também inovado para os apoiar nestes tempos complicados”, referiu Ceyla Pazarbasioglu. A situação nos países vulneráveis desperta muitas preocupações, desde logo por estarem numa situação de elevado endividamento.
Foi nesse sentido que Kristalina apelou a que todos os credores pudessem contribuir para os ajudar, lembrando que que os choques dos últimos anos tornaram ainda mais pesado o fardo da dívida pública, e que entre 2023 e 2024, estes países vão registar um crescimento per capita de apenas 2,8%, o valor mais baixo desde 1990.
Segundo o FMI, cerca de 15% dos países de baixos rendimentos já estão numa situação de “super endividamento” e outros 45% enfrentam vulnerabilidades decorrentes dos elevados níveis de dívida que apresentam. Para resolver esta questão, o FMI tem procurado promover uma solução junto dos credores públicos e privados, que tem como meta alcançar uma espécie de reestruturação da dívida destes países.
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