Governo deixou Parpública à margem de renacionalização da TAP, diz ex-administrador

Carlos Durães, antigo vice-presidente da Parpública, afirmou na comissão de inquérito à TAP que foi deixado à margem da compra de 22,5% à Atlantic Gateway em 2020.

Carlos Durães, que foi vice-presidente da Parpública, afirma que os dois gestores que estavam na administração da empresa que gere as participações do Estado foram deixados à margem na compra de 22,5% do capital da TAP à Atlantic Gateway em julho de 2020.

O antigo gestor da Parpública relatou na comissão de inquérito à TAP que entre 15 de junho e 24 de julho de 2020 a comissão executiva da empresa de gestão de participações ficou apenas com dois membros, ele e um colega. Nesse período, que coincide com o processo de nova reversão da privatização da companhia aérea, foi posto à margem do processo pelo então secretário de Estado do Tesouro, Miguel Cruz, que deixara a presidência da Parpública para ocupar o cargo.

Apercebemo-nos que na interação com a tutela o secretário de Estado do Tesouro privilegiou o contacto sobre esse dossiê com os consultores externos e com o jurista que o assessorava nesta matéria, em detrimento dos administradores que ficaram nos órgãos sociais”, afirmou Carlos Durães, que foi vogal do conselho de administração da Parpública entre 2010 e 2017 e vice-presidente da empresa entre 2017 e 2020. O jurista em causa era Tiago Aires Mateus, presidente da comissão de vencimentos da TAP, que foi ouvido esta semana na comissão de inquérito.

A 10 de julho foi dirigida uma carta dirigida à chefe de gabinete de Miguel Cruz a comunicar que “face à informação de que não dispúnhamos condicionávamos a assinatura [da reversão da privatização] à apresentação das instruções vinculantes” pela tutela, contou o antigo responsável. As instruções foram recebidas a 23 de julho. “Aí considerámos que estávamos em condições e assinámos essas peças. Noite dentro, entre 22h e as 24h”, afirmou Carlos Durães.

O antigo vice-presidente diz que recebeu no dia seguinte, 24 de julho, um telefone de Miguel Cruz a dar conta da realização de uma assembleia geral a destituir os órgãos sociais e eleição de novos. Foi o seu último dia na empresa que gere as participações do Estado.

Carlos Durães considerou que houve “uma enorme falta de respeito” pela Parpública, por não ter sido evitada a renúncia da administradora financeira pelo secretário de Estado do Tesouro e antigo presidente executivo da Parpública, numa altura em que a empresa estava a lidar com a intervenção na Efacec, a vender participações minoritárias e numa fase aguda da pandemia. A administradora financeira foi convidada por Miguel Cruz para sua chefe de gabinete.

O antigo vice-presidente considerou que Miguel Cruz era “competente” para as funções de secretário de Estado do Tesouro mas tinha um “perfil centralizador”. Carlos Durães disse que chegou a ponderar a apresentar a renúncia (o seu colega na administração acabou por fazê-lo), mas não o fez por “sentido de responsabilidade” e “disponibilidade para servir a República”. “Tive de me fazer espertamente parvo” em alguns momentos, comentou.

Houve situações e testemunho que o envolvimento do Governo é total neste tipo de operações. Foi assim em 2015, em 2017 ou em 2020. Há um padrão. Quase diria que a Parpública se desloca para o Terreiro do Paço.

Carlos Durães

ex-vice-presidente da Parpública

A gestão do processo da TAP era habitualmente centrada nas Finanças, quer nos governos PSD e PS. “Houve situações e testemunho que o envolvimento do Governo é total neste tipo de operações. Foi assim em 2015, em 2017 ou em 2020. Há um padrão. Quase diria que a Parpública se desloca para o Terreiro do Paço“, afirmou Carlos Durães. “Privatizações, renacionalizações, restruturações. Todas as decisões tiveram instruções vinculantes do acionista“, disse.

Questionado sobre outros momentos do processo da TAP, referiu que tirando aquele breve período, o seu “conhecimento relativamente ao dossiê era escasso na medida em que não estava na minha delegação de competências”. Estava centrada do presidente, Miguel Cruz. Bruno Dias, do PCP, descreveu a participação do administrador como “testemunha e não como gestor”.

Questionado pelo PSD, Carlos Durães afirmou que a Parpública recebeu instruções vinculantes do Governo sobre a privatização de 61% do capital à Atlantic Gateway em 2015, onde foram usados fundos da Airbus para capitalizar a companhia pelos investidores privados. O deputado Paulo Moniz solicitou ao presidente da mesa que fosse solicitado à Parpública o envio destas instruções.

A comissão parlamentar de inquérito para “avaliar o exercício da tutela política da gestão da TAP” foi proposta pelo Bloco de Esquerda e aprovada pelo Parlamento no início de fevereiro com as abstenções de PS e PCP e o voto a favor dos restantes partidos. Nasceu da polémica sobre a indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra Reis para deixar a administração executiva da TAP em fevereiro de 2022, mas recua até à privatização da companhia em 2015. Tomou posse a 22 de fevereiro, estendendo-se por um período de 90 dias ao longo do qual vai ouvir cerca de 60 personalidades.

(artigo atualizado às 18h00)

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