Bruxelas propõe novas regras orçamentais. Como fica Portugal?

Novas regras da União Europeia mantêm limites de 3% do PIB para o défice e 60% do PIB para a dívida pública, mas deixam uma "trajetória" mais flexível para redução.

A Comissão Europeia já avançou com a proposta para as novas regras orçamentais da União Europeia, e poucos ficaram contentes. Mantêm-se os limites de 3% do défice e 60% da dívida face ao PIB, com recomendações específicas para cada país mas também ajustes anuais para todos. Portugal estará seguro no défice, mas ainda tem um longo caminho para andar no que diz respeito ao rácio da dívida pública.

As regras orçamentais estão suspensas desde o início da pandemia, momento em que foi aproveitado pelos Estados-membros para avançarem com a muito esperada reforma.

Bruxelas já apresentou a proposta que vai estar em discussão, tentando ir ao encontro das várias exigências e que acaba por ser menos flexível do que o esperado:

  • Os países com défice superior a 3% do PIB vão ter de fazer ajustes anuais no valor de 0,5% do PIB até que o défice fique abaixo da meta;
  • O rácio da dívida face ao PIB deve ser visivelmente menor ao final do plano quadrienal;
  • Caso o plano seja estendido para sete anos, a maioria das correções fiscais deverá ocorrer nos primeiros quatro anos, ao invés de ser adiada até ao final;
  • A despesa líquida deve permanecer sempre abaixo do crescimento económico potencial.

O que significa isto para Portugal? Por um lado, a meta do défice não é um problema, tal como o ministro das Finanças já tinha sinalizado.

As contas públicas têm apresentado um défice abaixo dos 3% do PIB e a perspetiva para os próximos anos é que se mantenha assim, sendo que o Conselho das Finanças Públicas estima mesmo que se chegue a um excedente em 2024, três anos antes do projetado por Fernando Medina no Programa de Estabilidade.

Já a questão da dívida é mais sensível. Quando foram conhecidas as orientações da Comissão, pensava-se que a meta de 60% da dívida não iria regressar, algo que Medina apoiava. “Cada país com um certo nível de dívida deve ter um tratamento determinado para esse nível de dívida“, defendeu o ministro numa conferência no início de março, apontando que “o princípio da igualdade” é “tratar de forma diferente o que é diferente, não é aplicar a mesma regra” como atualmente.

Mesmo assim, já se falava de uma possível metodologia de redução de dívida comum, mas o ministro reiterava que levantava questões, já que “um país que tenha uma dívida historicamente mais alta terá menor necessidade de diminuir a sua dívida do que um país que tenha subido a sua dívida e depois tenha tido uma redução muito significativa”.

Apesar dessas reticências, o ministro mostrou-se confiante esta semana relativamente à posição de Portugal. “Se não houver um acordo [sobre a nova proposta da Comissão Europeia para normas orçamentais], as regras que estarão em vigor são as regras que todos nós conhecemos […] e Portugal está confortável com qualquer quadro de regras, na medida em que nós, neste momento, estamos a cumprir escrupulosamente todos os indicadores de todas essas regras”, disse Medina.

Endividamento no espaço do Euro

Olhando para os últimos números do Eurostat, mais de metade dos países da UE não cumpre o limite de 60% do PIB para a dívida pública. Portugal tem o terceiro rácio mais alto, de 113,9% do PIB, ainda que tenha tido também das maiores quedas no ano passado. À sua frente ficam apenas Grécia (171,3%) e Itália (144,4%).

É também possível verificar que seis países da área do euro têm dívida superior a 100% do PIB, sendo que a dívida da Zona Euro é até mais alta do que a média comunitária (que inclui mais países): foi de 91,6% nos países do Euro, no último trimestre de 2022, e 84% na média dos países da União Europeia.

Apesar de Portugal estar acima do limite do rácio da dívida, as novas regras propostas por Bruxelas contemplam uma “trajetória técnica” para países endividados da UE, como Portugal, dando-lhes mais tempo para reduzir o défice e a dívida.

Mesmo assim, é de salientar que, anteriormente, em muitas ocasiões, as regras apertadas acabavam por não ser aplicadas. Agora “é uma exigência mais leve do que a anterior e, por isso, é mais aplicável e pode ser levada mais a sério”, indica Pedro Braz Teixeira, diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, ao ECO.

Assim, tudo dependerá da capacidade de cumprimento de Portugal das regras que serão, em princípio, mais realistas. Mesmo assim, o caminho da redução do rácio da dívida tem-se feito. “Aquilo que tem havido no caso português é uma redução de mais de 1 ponto percentual da dívida por ano e, portanto, estamos a cumprir essa regra, exceto nos anos excecionais que as regras foram suspensas — anos da pandemia com uma subida extraordinária da dívida para todos os países”, salienta o economista.

Mesmo no Programa de Estabilidade, as previsões são de uma redução de 22 pontos percentuais do rácio da dívida entre 2022 e 2027, para culminar em 92% dentro de cinco anos. As estimativas do Governo apontam para que a dívida pública fique abaixo de 100% do PIB já a partir de 2025.

Há, ainda assim, alguns fatores a ter em atenção. Por um lado, está ainda em curso a subida de juros, que aumenta o custo da dívida. Porém, tudo aponta para que esta subida seja apenas temporária, além de que Portugal “está com uma margem grande e uma folga em relação à meta”, nota Pedro Braz Teixeira. No entanto, o economista nota que “se tivermos um problema grave de turbulência bancária e problemas dos bancos contagiarem a dívida pública, isso já pode ser mais complicado”, sinaliza o economista, que destaca ainda assim a incerteza que se vive.

Alemanha, França e Itália contra… por razões opostas

Pouco tempo após ter sido apresentada, a proposta de Bruxelas já foi alvo de críticas de vários países, ainda que por razões diferentes. A Alemanha tem sido exigente com a existência de algumas regras comuns para a redução da dívida, mostrando receios quanto ao caráter mais personalizado das orientações que a Comissão quer dar.

Mesmo com as concessões feitas às exigências alemãs, o ministro das Finanças ainda não está contente. Christian Lindner fez uma conferência de imprensa após a apresentação das regras onde sinalizou que ainda não está contente e que serão necessárias “alterações significativas” para tornar as regras suficientemente sólidas, obrigatórias e transparentes.

Já França expressou a visão oposta, reiterando que os aspetos do regime orçamental eram muito rígidos. Itália, por sua vez, sinalizou que a proposta dava muito pouco espaço para investimentos no crescimento e na transição verde.

Esta proposta ainda tem de ser analisada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia, sendo que se perspetivam longas negociações pelo caminho. Certo é que deverão ter de chegar a acordo até ao final do ano, porque em 2024 as regras orçamentais voltam a estar em vigor e, sem consenso, o que se aplica é o quadro antigo.

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