Costa segura Galamba. Todos os olhos postos em Marcelo

No rescaldo da carta de demissão de Galamba, e depois de Costa ter recusado o pedido, Marcelo "discorda" do Governo. O que fará o Presidente da República, perante um conflito institucional?

Finca-pé de António Costa deixa Marcelo Rebelo de Sousa em chequeMÁRIO CRUZ/LUSA

O Governo cá está para respeitar qualquer decisão do Presidente da República“, disse o primeiro-ministro esta terça-feira à noite, depois de ter surpreendido o país com a decisão de não aceitar o pedido de demissão do ministro das Infraestruturas. Marcelo Rebelo de Sousa já reagiu, num comunicado que confirma um conflito institucional, afirmando que “discorda” da decisão de António Costa, sem antecipar o que planeia fazer de seguida.

Sob pressão da “opinião pública”, e “em prol da necessária tranquilidade institucional”, Galamba pediu a demissão, três dias depois de garantir ter “todas as condições para participar” neste Governo, e em vias de completar quatro meses no cargo de ministro das Infraestruturas. Minutos depois, António Costa surpreendeu o país ao não aceitar o pedido de demissão, mesmo perante a opinião da “unanimidade de todos os comentadores e da generalidade dos agentes políticos” de que Galamba devia sair, reconheceu o primeiro-ministro. Um desses agentes é o Presidente da República. E a bola está no campo de Marcelo.

Durante praticamente todo o dia de terça-feira, o país político esteve em suspenso, focado em António Costa, que promoveu três reuniões de alto nível, alimentado a expectativa de que a demissão do ministro das Infraestruturas, ou até uma remodelação mais alargada do Governo, estaria para breve. O silêncio foi mantido até às 20h22, a hora a que o comunicado de João Galamba chegou às redações.

No atual quadro de perceção criado na opinião pública, apresento o meu pedido de demissão em prol da necessária tranquilidade institucional, valores pelos quais sempre pautei o meu comportamento e ação pública enquanto membro do Governo. […] Demito-me apesar de em momento algum ter agido em desconformidade com a lei ou contra o interesse público que sempre promovi e defendi na minha atuação enquanto governante, tal como foi, detalhada e publicamente, reconhecido pelo senhor primeiro-ministro“, justificou por escrito o ministro demissionário.

O que aconteceu minutos depois foi digno de um filme. À entrada da residência oficial, António Costa deu a conhecer ao país a decisão que ninguém antecipava: a de não aceitar o pedido de demissão, por entender que o ministro das Infraestruturas não deve sair do Governo por ter demitido um colaborador que “estava a omitir informação relevante solicitada pela comissão de inquérito” à TAP, sobretudo quando este “deu provas ao longo dos anos da sua competência e dedicação ao serviço público”. Costa foi mais além e disse que, perante esta decisão tomada em consciência, cá estará para “respeitar a decisão do Presidente da República”.

A conferência de imprensa de Costa ainda não tinha terminado quando Marcelo Rebelo de Sousa confirmou, em comunicado, o choque com a decisão do primeiro-ministro: “O Presidente da República, que não pode exonerar um membro do Governo sem ser por proposta do primeiro-ministro, discorda da posição deste quanto à leitura política dos factos e quanto à perceção deles resultante por parte dos Portugueses, no que respeita ao prestígio das instituições que os regem.” A dissolução da Assembleia da República, afastada pelo Presidente há menos de um mês, é um cenário em cima da mesa.

Caso Galamba, a gota de água

Como é que a temperatura política subiu a este ponto? O caso Galamba começou no final da semana passada, envolvendo um desentendimento entre o ministro das Infraestruturas e um adjunto, Frederico Pinheiro, que terá descambado em notícias de alegadas agressões deste último no Ministério, trocas de acusações entre ambos na praça pública — incluindo uma grave declaração do adjunto acusando o ministro de querer mentir à comissão de inquérito à TAP — e a controversa decisão de reportar o que o Governo considerou ter sido o roubo de um computador com informação confidencial por Frederico Pinheiro às Secretas.

Esta última parte não é um pormenor. Numa conferência de imprensa no sábado, convocada pelo ministro para explicar porque demitiu o seu adjunto, Galamba disse ter “todas as condições para participar neste Governo” e confirmou ter “dado o alerta ao serviços de informação (SIS)” sobre o computador de trabalho de Frederico Pinheiro, que este acabou por devolver. O envolvimento das Secretas causou estranheza a vários especialistas e também aos partidos. Por exemplo, o líder da bancada do PSD, Joaquim Miranda Sarmento, afirmou no fim de semana que “não é compreensível que se tenham chamado os serviços secretos, o SIS, que dependem do primeiro-ministro, para recuperar um computador, quando um furto normal se recorre à PSP“.

No domingo à noite, o gabinete do primeiro-ministro deu uma resposta ao Observador, numa altura em que as questões sobre a intervenção do SIS começavam a subir de tom. “O primeiro-ministro não foi nem tinha de ser informado“, começou por dizer fonte oficial. “O Ministério das Infraestruturas deu — e bem — o alerta pelo roubo de computador com documentos classificados”, acrescentou a mesma fonte, citada pelo jornal. Costa segurava, desta forma, o seu ministro das Infraestruturas.

O que não se sabia publicamente nessa altura era que, dias antes, no sábado, Marcelo Rebelo de Sousa terá deixado claro ao primeiro-ministro, numa conversa telefónica, que, no seu entendimento, João Galamba não tem condições para continuar no Governo, contou o Expresso numa notícia publicada de madrugada. E, ao contrário do habitual, o Presidente evitou em duas ocasiões fazer comentários políticos sobre o Governo: uma, no sábado, quando disse que a “primeira pessoa” com quem falaria sobre João Galamba era com António Costa; depois, na segunda-feira, quando apontou tratar-se de uma “matéria sensível”.

“Em determinados temas particularmente sensíveis, o seu tratamento não é na praça pública, não é sob os holofotes da comunicação social. Vão ser tratados até ao momento em que se vê que forem tratados”, declarou Marcelo. E acrescentou: “Estes casos são discretos. E matérias muito sensíveis de Estado são discretas e são tratadas muito discretamente. As pessoas não têm noção, mas são dossiês tratados muito discretamente.” O silêncio do Presidente tornou-se ensurdecedor.

Três reuniões. E a pressão sempre a subir

É com este pano de fundo que arrancou o dia de terça-feira, depois do feriado do 1.º de Maio. António Costa convocou João Galamba para uma reunião ao início da manhã em São Bento. O encontro durou mais de uma hora e meia. O ministro saiu sem falar aos jornalistas e dirigiu-se ao Ministério das Infraestruturas.

Rapidamente se percebeu que o dia político seria longo. O primeiro-ministro, que previa marcar presença numa conferência na Universidade do Minho pelas 17h, cancelou a agenda pública. Ao início da tarde, Marcelo Rebelo de Sousa mantinha total disponibilidade de agenda, sem saber quando Costa iria a Belém.

Depois de falar com Galamba, o primeiro-ministro reuniu o núcleo duro do Governo. Segundo noticiava o Expresso por volta das 16h50, a “reunião de emergência” envolveu apenas Mariana Vieira da Silva (ministra da Presidência), Fernando Medina (ministro das Finanças), Duarte Cordeiro (ministro do Ambiente), Pedro Adão e Silva (ministro da Cultura) e António Mendonça Mendes (secretário de Estado Adjunto).

Só por volta das 17h é que António Costa foi ao encontro do Presidente da República. Do que falaram nas duas horas seguintes, não se sabe exatamente. O que se sabe é que, uma hora depois do final do encontro, João Galamba apresentou a demissão.

Marcelo amarrou Costa. E agora?

Com a demissão de Galamba e as explicações do primeiro-ministro, as atenções voltam-se para o Presidente da República, que, em janeiro, avisou que tiraria “conclusões” se a remodelação governamental que fez de Galamba ministro não funcionasse.

Como noticiou o ECO, no dia 3 de janeiro, depois de Costa anunciar a separação das pastas que eram de Pedro Nuno Santos em dois novos Ministérios, Marcelo Rebelo de Sousa amarrou o primeiro-ministro ao sucesso ou insucesso da decisão de usar “prata da casa” para “não mexer muto naquilo que existe”.

“É o primeiro-ministro a escolher e, naturalmente, ao escolher, conforme os resultados, assim será um sucesso ou não. Isso cairá em cima do primeiro-ministro”, avisou Marcelo Rebelo de Sousa, a partir do aeroporto de Lisboa. Foi mais longe: “Cabe ao primeiro-ministro escolher o caminho. Ou escolhe o caminho para aproveitar uma situação destas para inovar, para mudar, ou para continuar e mexer o mínimo possível.” Depois, concluiu: “Se funcionar, é uma boa ideia. Se não funcionar, retiraremos daí as conclusões.”

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