ASF está a averiguar caso do mediador da Figueira da Foz

  • Lusa e ECO Seguros
  • 4 Maio 2023

Um mediador da Figueira da Foz criou um produto financeiro falso, que lesou quatro clientes, segundo o próprio, em 328 mil euros, num caso que está a ser investigado pelo Ministério Público e pela ASF

Um mediador de seguros da Figueira da Foz criou um produto financeiro falso, que lesou quatro clientes, segundo o próprio, em 328 mil euros, num caso que está a ser investigado pelo Ministério Público e averiguado pela Autoridade de Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF).

Quando questionado pela agência Lusa sobre o produto financeiro em causa, o mediador admitiu que ele “não existia”, era um produto “semelhante ao que existiu, no passado, numa outra seguradora”, mas que acabou “vendido às pessoas como se fosse da Liberty”.

A seguradora representava 85% da atividade da empresa unipessoal de Paulo Pinto, numa carteira de 4.500 apólices, avaliada em cerca de um milhão de euros em prémios comerciais, que garantiam um rendimento anual que podia chegar aos 200 mil euros.

Apesar de os valores investidos já não existirem, o mediador remunerava aos clientes os juros do produto financeiro falso, anualmente, nas percentagens acordadas.

Em declarações à agência Lusa, Paulo Pinto, mediador de seguros com 38 anos de atividade e ex-presidente da Junta de Freguesia do Paião, localidade do sul daquele município litoral do distrito de Coimbra, confirmou a criação do instrumento financeiro falso, que usava um “símbolo” da Liberty Seguros “aposto na folha” e um nome parecido com o da seguradora.

Alegou que os proveitos de cerca de 328 mil euros, arrecadados pelo fundo durante 10 anos, “entre 2009 e 2019”, foram investidos na sua empresa.

No final de 2022, a Liberty Seguros rescindiu com “justa causa” o contrato com Paulo Pinto, por este “ter violado os deveres de lealdade e boa-fé”, avisando, por carta e em ‘letras gordas’, os clientes do mediador a não lhe fazerem “qualquer pagamento”.

“A Liberty não tinha conhecimento da situação”, referiu Paulo Pinto, algo que a seguradora também realçou, numa primeira resposta escrita enviada à agência Lusa.

Nessa resposta, a Liberty Portugal disse ter tido conhecimento de “duas situações: “clientes que informaram terem contratado, através da empresa de Paulo Pinto, produtos de seguro de poupança da entidade LibertInvest, S.A.”.

Na mensagem, a Liberty manifestou desconhecer esses produtos de seguros ou conhecer, sequer, a entidade LibertInvest, S.A., “que pretensamente os disponibiliza”.

“Efetivamente, nem a numeração das apólices, nem os produtos referidos correspondem a qualquer produto financeiro que seja ou tenha sido comercializado pela Liberty Seguros, como já foi, por carta, referido a esses mesmos clientes”, acrescentou a seguradora.

Indicou ainda ter informado os dois clientes que poderiam “agir diretamente” sobre quem lhes vendeu as apólices falsas e a quem entregaram quantias não reveladas, “nomeadamente por via da apresentação da competente queixa-crime”.

Na mesma resposta, a Liberty Seguros confirmou que foi esta situação que esteve na base da rescisão do contrato com a empresa de Paulo Pinto, após uma “averiguação interna”.

“Terminámos imediatamente o nosso relacionamento comercial e contratual com o agente de seguros em questão, informando, por carta enviada a toda a carteira de clientes deste mediador (…), do término desse relacionamento”, vincou.

A Liberty deu ainda conhecimento ao regulador do setor, a ASF, e garantiu que, segundo a sua experiência, situações como as descritas “não são frequentes”.

Poderão ainda existir eventuais irregularidades do mediador na gestão de outros produtos, estes reais e existentes na Liberty, situações que Paulo Pinto negou à Lusa.

Paulo Pinto, que exerceu as funções de presidente da Junta de Freguesia do Paião, eleito pelo PS, entre 2009 e 2021 (ano em que perdeu as eleições por 36 votos), também negou que os valores que arrecadou tivessem sido utilizados para financiar campanhas eleitorais, reafirmando que foram aplicados na sua empresa de mediação de seguros.

Em abril, a Lusa voltou a questionar a Liberty Seguros sobre o caso: quantos clientes foram lesados, os valores e os produtos de seguros envolvidos ou se a seguradora tinha, ou não, apresentado queixa às autoridades. A Liberty Seguros adiantou ter apresentado “queixa-crime contra o mediador Paulo Pinto”, e que aguardava que o processo seguisse “os seus trâmites legais”, tendo recusado mais comentários “enquanto o processo-crime se encontrar em curso”.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou a existência de um inquérito “em investigação no Ministério Público da Figueira da Foz”, processo que tanto Paulo Pinto como o seu advogado Joaquim Malafaia afirmaram desconhecer, não tendo sido notificados até ao momento.

A ASF confirmou ter recebido informação da Liberty Seguros “sobre práticas perpetuadas por um seu mediador”, estando, nesta fase, “a desenvolver diligências de supervisão necessárias ao apuramento de factos“, um procedimento “usual” nestes casos.

“Sem prejuízo de outras medidas que a ASF entenda tomar no quadro das suas atribuições, as diligências realizadas são necessárias a um eventual exercício dos seus poderes sancionatórios, bem como a uma possível articulação com o Ministério Público, caso corra algum processo-crime que possa ser relevante para reavaliação da idoneidade dos intervenientes”, observou a entidade reguladora.

Mediador arrependido quer ressarcir clientes

Considerando-se “um dos maiores” mediadores – o próprio assim se definiu – da Liberty Portugal, na mesma altura em que era presidente da Junta de Freguesia do Paião, Paulo Pinto justificou a criação do fundo por estar “pressionado para crescer” na sua atividade.

Em declarações à agência Lusa, acompanhado pelo seu advogado, Joaquim Malafaia, o mediador aludiu à pressão de estar “no topo”, abrindo escritórios (chegou a ter quatro, nos municípios da Figueira da Foz e de Pombal) e contratando pessoal, ao mesmo tempo em que se envolveu “demasiado na vida autárquica”.

Deixei um pouco – não direi à deriva, mas não tive o foco principal que devia ter – o que era a minha atividade principal [de seguros]”, explicou Paulo Pinto.

Questionado sobre a necessidade de inventar um fundo financeiro para ter dinheiro para investir na sua empresa unipessoal de mediação Paulo Pinto exclamou: “há coisas que são difíceis de explicar”. E continuou: “muitas vezes nós erramos. Eu não fui pedir dinheiro às pessoas. Quando, em uma ou duas situações, vieram ter comigo para eu investir o dinheiro, foi numa situação em que estava com alguma dificuldade”, acrescentou.

Afirmou ainda que se tratou de “má gestão” da sua parte e de “não estar atento da forma como devia ter estado à sua atividade”.

O mediador, que, devido à criação do fundo falso, viu, na véspera do Natal de 2022, a Liberty Seguros rescindir o contrato, revelou ter feito três acordos particulares para ressarcir esses clientes – um quarto estará pendente -, apesar de a sua empresa de mediação de seguros passar por dificuldades financeiras, com dívidas a trabalhadores e à segurança social.

Paulo Pinto manifestou-se arrependido, assumiu que tinha cometido “um erro” e pediu desculpa aos lesados, garantindo que os quer ressarcir dos prejuízos “com a maior brevidade possível”.

“Acima de tudo, como já fiz pessoalmente a cada um deles, lamento o que aconteceu e [quero] mais uma vez pedir desculpas e que me deem a oportunidade e tempo para poder repor a situação que lhes é devida”, frisou.

Irei pagar aos clientes, de acordo com aquilo que estava inicialmente previsto, se me deixarem trabalhar, no sentido de continuar a ter a minha atividade”, reafirmou Paulo Pinto.

No entanto, admitiu a existência de um processo judicial – há um inquérito em investigação pelo Ministério Público – e a atuação do regulador do setor podem impedi-lo de continuar em atividade, estando em causa a eventual prática de crimes de burla qualificada, falsificação de documentos e abuso de confiança.

Atualmente, Paulo Pinto continua a exercer a profissão de mediador de seguros, mantendo um escritório aberto no Paião e outro na baixa da Figueira da Foz, este em parceria com uma outra empresa de mediação.

Em resposta à Lusa sobre a possibilidade de a licença ser suspensa ou retirada, ainda que preventivamente, ASF esclareceu que o registo do mediador “poderá ser cancelado” em situações previstas na lei.

Nomeadamente por incumprimento superveniente dos requisitos de idoneidade, podendo relevar para o efeito, entre outros, a acusação, a pronúncia ou a condenação por crimes contra o património, crimes de falsificação e falsidade (…) ou acusação ou a condenação, em Portugal ou no estrangeiro, por infrações das normas que regem a atividade de distribuição de seguros (…)”, explicou a ASF.

A autoridade de seguros vincou ainda que “caso se confirme estar-se perante matéria de ilícito penal, compete às instâncias judiciais a avaliação e decisão sobre os mesmos, atentas as responsabilidades que venham a ser apuradas pela prática dos factos”.

“Reforçamos que, nas situações como a descrita, em que possa estar em causa matéria do foro criminal, a ASF articula e tem o dever de denunciar as mesmas junto das autoridades competentes”, acrescentou.

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