António Costa “podia ser rico, mas escolheu ficar pobre”, diz Lacerda Machado
Diogo Lacerda Machado, antigo administrador da TAP, defende que a pandemia justificava a anulação do acordo parassocial celebrado com o empresário David Neeleman.
“Não compreendo”. É assim que Diogo Lacerda Machado, antigo administrador não executivo da TAP, reage ao pagamento de 55 milhões feito pelo Estado a David Neeleman para sair do capital da companhia aérea em 2020.
O jurista lembrou esta quinta-feira, na comissão parlamentar de inquérito à TAP, o artigo 437.º do Código Civil para considerar que com a pandemia da covid-19 “todos os acordos e contratos feitos até então perderam a validade intrínseca”.
O artigo em causa diz que “se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”.
O artigo aplica-se, na sua opinião, ao acordo parassocial celebrado pelo Estado com a Atlantic Gateway no momento da recompra do capital da companhia, em 2020, que colocou a Parpública de novo com 50%.
“O acordo parassocial não vigorava mais perante alteração tão radical das circunstâncias”, disse Lacerda Machado, assinalando que a pandemia levou a que todo o capital da TAP fosse perdido. Daí a incompreensão em relação aos 55 milhões que o Governo PS pagou a David Neeleman em outubro de 2020 para este deixar o capital da companhia aérea. O processo foi conduzido pelo anterior ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos.
“Se foi boa ou má decisão não tenho como escrutiná-la. O meu entendimento é que por força da alteração das circunstâncias os direitos e deveres estavam praticamente inutilizados”, disse ainda.
Mariana Mortágua, deputada do BE, questionou Lacerda Machado se tinha sido contactado pelo Governo no âmbito da atual reprivatização da TAP ou estava de algum envolvido. O jurista e amigo do primeiro-ministro garantiu que não fala sobre a TAP com o Governo desde 2020 e com António Costa desde 9 de abril desse ano.
Tenho sido procurado por várias partes. Não vejo nenhum conflito de interesses nisso, digo já. Não excluo envolver-me se achar que posso ser útil à própria TAP. Fora disso não me envolverei.
O antigo administrador admitiu no entanto vir a participar no processo de reprivatização, tendo já recebido várias abordagens, que rejeitou. “Tenho sido procurado por várias partes. Não vejo nenhum conflito de interesses nisso, digo já. Não excluo envolver-me se achar que posso ser útil à própria TAP. Fora disso não me envolverei”.
“Ser útil à TAP é haver alternativas àquilo que se tem perfilado. A TAP sozinha não consegue sobreviver muito mais tempo. Está tudo consolidado, é um negócio de escala, margens baixas”, acrescentou.
Lacerda Machado afirmou que também não tem qualquer ligação a projetos relacionados como o novo aeroporto de Lisboa. “Espero é que se faça. Não tem consciência do estado. Na quinta-feira a fila de automóveis para as partidas passava a Rotunda do Relógio. Há quem perca os aviões”, assinalou.
O primeiro-ministro nunca me pressionou. A amizade que temos é de respeito e consideração, não é de subordinação. Vai ser assim até sempre.
Fátima Fonseca, do PS, perguntou a Lacerda Machado se sentiu pressões políticas quando esteve como administrador executivo da companhia. “O primeiro-ministro nunca me pressionou. A amizade que temos é de respeito e consideração, não é de subordinação. Vai ser assim até sempre. Sobretudo depois de deixar de ser primeiro-ministro e podermos gozar da sua companhia”, respondeu.
Houve, no entanto, um momento mais sensível. “Foi-nos pedido, sugerido, uma indicação no orçamento da companhia. Rejeitei. O Orçamento de uma empresa como a TAP não é para fazer política“, disse aos deputados.
Mais tarde, interpelado sobre o tema por Bernardo Blanco, da IL, explicou que a situação aconteceu em relação ao orçamento para 2020. Relatou que o então secretário de Estado adjunto e das Comunicações do ministério das Infraestruturas, Alberto Souto Miranda, pediu-lhe que votasse contra o documento no conselho de administração. “Expliquei que não faria isso. A minha legitimidade vinha da eleição em assembleia geral, mas se fosse necessário punha o meu lugar à disposição”, afirmou.
António Costa “podia ser rico, mas escolheu ficar pobre”
Paulo Moniz, do PSD, perguntou se enquanto jurista tinha trabalhado com António Costa. Lacerda Machado aproveitou para referir que o atual primeiro-ministro seria um “advogado brilhantíssimo”. “Podia ser rico, mas escolheu ficar pobre, que é o que ele é. Mas é riquíssimo de espírito”, acrescentou. Esclareceu que no passado trabalharam juntos no apoio jurídico a uma farmacêutica. O deputado perguntou ainda se era padrinho de casamento de António Costa, a que Lacerda Machado anuiu.
Paulo Moniz pediu a opinião de Lacerda Machado sobre Pedro Nuno Santos. Este criticou o ataque aos bónus pagos quando ainda era administrador não executivo – era o que faltava o conselho de administração não se bater pelo respeito pelos contratos – mas assinalou o “período de anormalidade” que se instalou após a pandemia de covid-19, em março de 2020.
“Eu sou um apoiante incondicional deste Governo e deste primeiro-ministro”, aproveitou para dizer. “As coisas estão a correr muito bem, onde têm de correr bem”, acrescentou.
Jurista, amigo do primeiro-ministro, Diogo Lacerda Machado liderou a negociação que resultou na reversão parcial da privatização da transportadora aérea, permitindo à Parpública ficar com 50% dos direitos de voto, com a Atlantic Gateway a baixar a participação dos 61% para os 45%. Foi na sequência da recompra das ações pelo Estado, em 2017, que Lacerda Machado entrou para a administração, saindo em abril de 2021. É atualmente diretor da Geocapital, do empresário Stanley Ho, e da Mystic Invest, uma holding de investimentos no turismo.
A comissão parlamentar de inquérito para “avaliar o exercício da tutela política da gestão da TAP” foi proposta pelo Bloco de Esquerda e aprovada pelo Parlamento no início de fevereiro com as abstenções de PS e PCP e o voto a favor dos restantes partidos. Nasceu da polémica sobre a indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra Reis para deixar a administração executiva da TAP em fevereiro de 2022, mas vai recuar até à privatização da companhia em 2015. Tomou posse a 22 de fevereiro, estendendo-se por um período de 90 dias.
(notícia atualizada às 22h40)
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