Petrolíferas preveem bónus para militares em Moçambique
“Qualquer ligação direta entre o consórcio e o exército moçambicano deve ser cortada”, defende relatório humanitário pedido pela TotalEnergies, para o projeto de Cabo Delgado.
O memorando de entendimento entre os consórcios de petrolíferas em Cabo Delgado e o Governo moçambicano prevê um bónus para os militares que guardam os projetos, desde que não violem os direitos humanos, revela um relatório divulgado esta terça-feira.
“Será pago um bónus individual, em função das patentes, sob uma condição: qualquer violação dos direitos humanos atribuída a elementos do JTF [força de militares moçambicanos] implica a retirada deste bónus”, lê-se no relatório humanitário sobre Cabo Delgado (norte do país) encomendado pelo consórcio e divulgado no site da TotalEnergies.
O documento defende que o memorando de entendimento entre as petrolíferas e as Forças Armadas e de Defesa de Moçambique (FADM), que prevê aquele mecanismo e outros apoios aos militares, seja revisto e que “qualquer ligação direta entre o consórcio e o exército moçambicano deve ser cortada”.
Christophe Rufin e Ingrid Glowacki, que assinam o relatório, recapitulam as razões de ser do bónus e outros apoios através do memorando: “Esta contribuição para a manutenção de destacamentos do exército moçambicano na área poderia ter sido inicialmente motivada pelo facto de nenhuma força estrangeira estar a operar nestas regiões”.
“Mal equipadas, desprotegidas e sem abastecimento, as tropas do exército moçambicano estavam, na altura, vulneráveis”, assinalam. “Os baixos salários [dos militares] poderiam encorajar abusos contra a população civil”, pelo que “o mecanismo de majoração visava reduzir este risco e prever uma sanção imediata em caso de incumprimento”, lê-se no documento.
A relação das petrolíferas com os militares começou ainda nos trabalhos pioneiros com a Anadarko, que depois vendeu o seu negócio à Total, sendo o memorando com o Ministério da Defesa moçambicano revisto em 2020. As tropas moçambicanas na zona incluem hoje 600 homens, dos quais 10% fuzileiros, mas o cenário mudou, assinalam os autores do relatório.
Os militares já tem melhores condições de apoio e logística e “o destacamento do exército ruandês na região reorientou e reduziu o papel das forças moçambicanas, restabelecendo melhores condições de segurança”. Assim, “a continuação de tal acordo com o exército moçambicano parece desnecessária e inoportuna, nesta fase”, consideram, no relatório.
Os consultores alertam para alguns riscos, nomeadamente para o facto de “a existência de uma relação financeira individual com os soldados constituir uma ligação direta entre o projeto e estas tropas” – sendo “questionável” o efeito dissuasor deste “prémio condicional” sobre eventuais abusos, sublinham.
Concluem mesmo que, “em caso de violações de direitos humanos, esta relação envolve diretamente a responsabilidade do consórcio, sem que ele possa agir, nem em relação ao comando, nem às sanções aplicadas aos responsáveis por essas violações”.
Uma ligação permanente entre o projeto Mozambique LNG (nome do consórcio liderado pela TotalEnergies) e o exército moçambicano, pode “tornar o projeto parte no conflito”, pelo que o relatório conclui: “afigura-se necessária a renegociação de um memorando de entendimento adaptado às novas condições da zona”.
No capítulo das recomendações, os autores concluem: “Qualquer ligação direta entre o consórcio e o exército moçambicano deve ser cortada”. Independentemente da posição dos consultores, os militares moçambicanos estacionados em Cabo Delgado têm sido acusados em diversas ocasiões, tanto pela população como por outros observadores, de violarem os direitos humanos da população.
A sugestão do relatório foi ouvida e no plano de ação hoje publicado em reação ao documento, o consórcio anunciou o início de discussões com o Ministério da Defesa moçambicano para revisão do memorando de entendimento. A sugestão é uma das 14 recomendações que são feitas.
No seguimento de outras, as petrolíferas anunciaram a criação de uma fundação com um orçamento plurianual de 200 milhões de dólares (185 milhões de euros) e atividades coordenadas com outros parceiros presentes em Cabo Delgado para promover o desenvolvimento da província.
O presidente da TotalEnergies, Patrick Pouyanné, disse no final de abril a investidores que é prematuro considerar uma retoma do projeto, justificando-se com diferendos em relação aos custos desse regresso ao trabalho. Moçambique sustenta muitas das expetativas de crescimento económico dos próximos anos no relançamento daquele investimento da ordem dos 20 mil milhões de euros, um dos maiores investimentos privados em África.
A província de Cabo Delgado enfrenta há cinco anos uma insurgência armada com alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico e que já fez um milhão de deslocados, cerca de 4.000 mortes e destruição de inúmeras infraestruturas.
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