O que pagaram os 55 milhões que Neeleman recebeu para sair da TAP

Miguel Cruz, ex-secretário de Estado do Tesouro, explicou o valor pago ao antigo acionista privado. Um dos motivos foi evitar litigância que poria em causa a companhia.

Miguel Cruz, que foi secretário de Estado do Tesouro entre 2020 e 2022, afirmou que os 55 milhões pagos a David Neeleman para sair do capital da TAP em 2020 foram negociados pelos advogados, sendo o Estado representado pela Vieira de Almeida. Pagamento permitiu evitar litigância que teria sido fatal para a companhia aérea.

Em 2020, já em plena pandemia, quando o Governo quis fazer um empréstimo de emergência de 1,2 mil milhões para evitar a rotura da tesouraria da TAP, teve a oposição da Atlantic Gateway, de David Neeleman e Humberto Pedrosa, que tinham 61% do capital. “Quando é aprovado um auxílio de emergência para uma TAP, que estava a ficar sem tesouraria, a Atlantic Gateway impedia a entrada do auxílio de emergência”, afirmou Miguel Cruz.

“Isso significava que para salvar a TAP, na prática, na minha interpretação, tínhamos a alternativa de negociar a aquisição da participação do senhor Neeleman ou equacionar uma nacionalização da TAP, o que não queríamos”, explicou o antigo governante.

A opção foi negociar com David Neeleman. Miguel Cruz explicou que os 55 milhões pagos serviram para comprar a participação de 22,5% do empresário brasileiro e para aumentar os direitos económicos do Estado de 5% para 72,5%, igualando-os à nova posição do Estado no capital.

Há ainda uma terceira razão, que se prende com a passagem de 55 milhões em prestações acessórias de David Neeleman associadas à sua participação que transitaram para a Direção-Geral do Tesouro e Finanças. O ex-secretário de Estado garantiu que esta passagem nada tem a ver com o montante pago ao empresário de nacionalidade brasileira e americana: “Não é por causa dos 55 milhões de prestações acessórias que são pagos 55 milhões”.

Bernardo Blanco quis saber então como se tinha chegado à soma de 55 milhões paga a David Neeleman para entregar a sua participação na TAP ao Estado. Miguel Cruz afirmou que quando tomou posse o processo já estava numa fase final e que não acompanhou a negociação. Afirmou apenas que o valor foi definido “por acordo dos advogados”.

O Estado foi representado pela Vieira de Almeida, que assessorou a TAP na implementação do plano de reestruturação. Mais à frente, precisou que a sociedade de advogados foi contratada pela Parpública. Antes de entrar para secretário de Estado do Tesouro, Miguel Cruz era o presidente da Parpública.

Mais à frente, em resposta ao deputado Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda, acrescentou que foi pedido aos advogados que chegassem “ao valor mínimo que permitisse” ao Estado controlar a companhia, e fazer o auxílio de emergência que “permitisse salvar a TAP”. O antigo secretário de Estado referiu ainda que o valor foi aceite pelos dois ministérios que tutelam a transportadora: Infraestruturas e Finanças.

Filipe Melo, do Chega, insistiu que um secretário de Estado que tinha a tutela da TAP tem de saber como se chegam aos 55 milhões. “Foram objeto de uma negociação direta entre as partes”, manteve, sem esclarecer exatamente como se chegou ao valor.

“Os 55 milhões parecem-nos totalmente aleatórios. Quem nos pode esclarecer cabalmente como se chegou a este valor”, questionou Paulo Moniz, do PSD. “Não são aleatórios. Há um referencial máximo e a intenção do Estado era ir para o referencial mínimo”, reiterou.

O acordo parassocial da companhia aérea previa que em caso de nacionalização, teriam de ser devolvidas as prestações acessórias de 224 milhões de euros à Atlantic Gateway, “mais o valor das ações sujeita a uma avaliação independente mais 20%”, precisou. Um aspeto que também entrou na negociação com o acionista privado. ” [O valor pago a David Neeleman] resulta de uma negociação que está encaixada entre zero e um valor abaixo dos 224 milhões”.

Miguel Cruz sublinhou que a venda por 55 milhões obrigava David Neeleman a renunciar a qualquer litigação futura, o que na sua opinião também foi determinante para garantir a sobrevivência da TAP.

“Se a empresa se tornasse publica o senhor David Neeleman teria direito a exigir os 224 milhões e ir para litigância. A empresa ainda não era pública e estava em causa um empréstimo convertível de 1,2 mil milhões de euros. O essencial era garantir que esse auxílio pudesse entrar”, afirmou.

Miguel Cruz, que foi secretário de Estado do Tesouro, com a tutela financeira da TAP, entre junho de 2020 e março de 2022. Antes foi presidente da Parpública, a sociedade gestora de participações do Estado, nomeadamente a companhia aérea.

O ex-governante fazia já parte do Executivo quando o Governo anunciou a compra da posição de 22,5% de David Neeleman na TAP, voltando o Estado a ter a maioria do capital. Esteve também muito envolvido, da parte das Finanças, na negociação do plano de reestruturação da companhia aérea, que obrigou a despedimentos, cortes salariais significativos, a redução da frota e a cedência de slots.

Miguel Cruz era também secretário de Estado quando a TAP acordou com a antiga administradora Alexandra Reis um acordo de rescisão com uma indemnização de 500 mil euros. O Ministério das Finanças tem afirmado que não teve qualquer conhecimento do acordo, que teve a intervenção do Ministério das Infraestruturas.

A comissão parlamentar de inquérito para “avaliar o exercício da tutela política da gestão da TAP” foi proposta pelo Bloco de Esquerda e aprovada pelo Parlamento no início de fevereiro com as abstenções de PS e PCP e o voto a favor dos restantes partidos. Nasceu da polémica sobre a indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra Reis para deixar a administração executiva da TAP em fevereiro de 2022, mas vai recuar até à privatização da companhia em 2015. Tomou posse a 22 de fevereiro, estendendo-se até 23 de julho.

(notícia atualizado novamente às 23h05)

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