“Obrigação de venda da TAP não faz parte do plano de reestruturação”, garante ex-secretário de Estado

Miguel Cruz, ex-secretário de Estado do Tesouro, garante que o plano de reestruturação não obriga à venda, mas aponta movimento de consolidação no setor.

Miguel Cruz, antigo secretário de Estado do Tesouro entre 2020 e 2022, garantiu aos deputados da comissão parlamentar de inquérito à TAP que o plano de reestruturação da companhia aérea aprovado por Bruxelas não obriga à privatização.

“A obrigação de venda da TAP não fazia parte do plano de reestruturação” aprovado pela Comissão Europeia, garantiu esta terça-feira Miguel Cruz aos deputados. “A privatização da TAP não fazia parte das condições estabelecidas”, disse, referindo, no entanto, que o Governo via no mercado que a posição das companhias aéreas era no sentido da consolidação.

O ex-governante afirmou que a Bruxelas não exigiu despedimentos ou outras matérias, mas “havia necessidade de reduzir os custos. A Comissão Executiva “tem como objetivo assegurar que o plano de reestruturação permita que a TAP atinja uma sustentabilidade de médio e longo prazo”.

O antigo secretário de Estado garantiu que não teve conhecimento ou sinal de obstrução ao contacto da TAP com as Finanças, existindo uma relação regular com a companhia aérea. Diz também que não teve informação prévia sobre o acordo com Alexandra Reis nem conhecia divergências da antiga administradora com Christine Ourmière-Widener.

Nos cerca de dois anos que estive em funções “nunca tive sinal ou evidência de que a TAP não pudesse contactar as Finanças”, garantiu o antigo governante, questionado por Paulo Moniz, do PSD. A antiga CEO da TAP afirmou na sua audição que tinha recebido um email do antigo secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, a dizer que o contacto da companhia devia ser com o Ministério das Infraestruturas. “Não tive conhecimento de qualquer impedimento”, reiterou.

Miguel Cruz descreveu que existiam contactos frequentes com a TAP, nomeadamente com o administrador financeiro, em particular devido às negociações do plano de reestruturação e das medidas financeiras para a companhia.

“Passámos cerca de dois anos a trabalhar sobre esta matéria diariamente. Em momento nenhum o Ministério das Finanças se alheou do processo de gestão da TAP”, assegurou, questionado sobre se tinham entregue a condução da companhia ao ex-ministro Pedro Nuno Santos.

O ex-secretário de Estado do Tesouro garantiu também que só soube do acordo para o pagamento de uma indemnização bruta de 500 mil euros paga à antiga administradora Alexandra Reis pela notícia do Correio da Manhã de 24 de dezembro de 2022. Miguel Cruz afirmou que falava frequentemente com o administrador financeiro da companhia aérea, Gonçalo Pires, mas nunca abordou o tema da saída de Alexandra Reis.

Miguel Cruz disse também que nunca teve razões para duvidar que a saída se tratava de uma renúncia, conforme foi comunicado ao mercado, a 4 de fevereiro de 2022. Filipe Melo, do Chega, quis saber como é que a informação da renúncia chegou às Finanças e se tinha existido um comunicado. “Não tem de haver comunicado. “Não existe um comunicado. Esse é feito à CMVM. Foi enviada a carta de renúncia pela empresa ao acionista”, disse.

Nesse dia, o antigo secretário de Estado do Tesouro falou com Alexandra Reis. “A minha conversa com a engenheira Alexandra Reis foi uma conversa simpática e que envolveu o abraçar de novos desafios e que estava a estudar alternativas. Na conversa não foi identificado facto que indicasse mal-estar com CEO ou outros factos até então desconhecidos”.

Miguel Cruz afirmou que nunca se deu conta da existência de divergências profundas com a ex-CEO, Christine Ourmière-Widener. “Nas reuniões sobre o plano de restruturação, qualquer uma delas era muito opinativa e com muitas sugestões e havia momentos em que conversas se sobrepunham mas nada que mostrasse mal-estar”, contou.

O ex-governante disse que partilhou com o então ministro das Finanças, João Leão, que era inoportuna a saída de Alexandra Reis, depois de meses antes ter saído o ex-administrador financeiro, João Weber Gameiro. Paulo Moniz quis saber se nenhum deles teve a curiosidade de questionar os motivos da saída: “Entre duas pessoas que estão nesta conversa é natural perguntar: ‘mas saiu porquê’”? “A resposta estava dada. Renunciou para abraçar novos desafios profissionais”, respondeu Miguel Cruz.

“Hoje sabemos” que não foi renúncia

“No momento em que a engenheira Alexandra Reis saiu, o motivo que é do conhecimento do Ministério das Finanças, leia-se da DGTF, da secretaria de Estado do Tesouro ou das Finanças é que é uma renúncia”, sublinhou o atual presidente da Infraestruturas de Portugal. “Com certeza que hoje sabemos que não foi assim“.

“Uma saída com pagamento indemnizatório não tem de ser do conhecimento da tutela financeira?”, insistiu Filipe Melo. “Esta figura da renúncia por acordo que viemos a conhecer não existe no Estatuto do Gestor Público. Isso deixa-nos com duas opções. Ou se trata de uma renúncia e o acionista não tem nada a fazer sobre essa matéria. Ou não se tratando de uma renuncia tem de ir à assembleia geral, que é onde se podem destituir ou substituir membros do conselho de administração”, respondeu o antigo secretário de Estado. Afirmou, no entanto que “o Ministério das Finanças devia ter sabido mas não foi informado”.

O que feito, sabemos agora, não foi uma renúncia e a indemnização não foi paga ao abrigo do Estatuto do Gestor Público”, acrescentou Miguel Cruz. “A indemnização não tem de ir à assembleia geral, mas no caso da TAP teria de ir à comissão de vencimentos”, disse ainda.

O ex-governante defendeu o atual administrador financeiro da companhia aérea neste tema. “Não considero que Gonçalo Pires tenha sonegado informação. A informação tinha se der prestada pela TAP, não pelo Dr. Gonçalo Pires. Nestas circunstâncias de substituição da engenheira Alexandra Reis, a TAP tinha de solicitar formalmente ao Ministério das Finanças a marcação de uma assembleia geral. E isso tem de ser feito pelos órgãos próprios da TAP, o chairman ou a CEO. Não é uma comunicação que o administrador financeiro tenha de fazer à tutela financeira”, defendeu.

Os deputados confrontaram também o gestor com a saída de João Weber Gameiro, que na sua audição na comissão parlamentar de inquérito revelou que deixou a TAP por não ter um seguro de diretors & officers com um valor que refletisse as responsabilidades assumidas ou um contrato de gestão que o assegurasse. No comunicado publicado pelo Governo era dito que saía por motivos pessoais.

“Pessoalmente não tinha condições para lidar com pressão que estávamos a ter”, respondeu Miguel Cruz. “As razões subjacentes imagino que tenham sido ampliadas pela questão do seguro. Admito que isso tenha ajudado. A razão porque toma a decisão não é por ter o seguro. É o único administrador que apresenta a renúncia sendo que todos estão na mesma circunstância”, apontou o gestor público. “Considera pessoalmente que a sua leitura de risco não lhe permite continuar”, justifica.

Explicou ainda que o seguro de de diretors & officers existia, mas devido à situação da covid e ao plano de reestruturação não estar ainda aprovado, “o mercado não estava a fazer seguro nas condições que a TAP desejaria”.

Miguel Cruz foi secretário de Estado do Tesouro, com a tutela financeira da TAP, entre junho de 2020 e março de 2022. Antes foi presidente da Parpública, a sociedade gestora de participações do Estado, nomeadamente a companhia aérea.

O ex-governante fazia já parte do Executivo quando o Governo anunciou a compra da posição de 22,5% de David Neeleman na TAP, voltando o Estado a ter a maioria do capital. Esteve também muito envolvido, da parte das Finanças, na negociação do plano de reestruturação da companhia aérea, que obrigou a despedimentos, cortes salariais significativos, a redução da frota e a cedência de slots.

Miguel Cruz era também secretário de Estado quando a TAP acordou com a antiga administradora Alexandra Reis um acordo de rescisão com uma indemnização de 500 mil euros. O Ministério das Finanças tem afirmado que não teve qualquer conhecimento do acordo, que teve a intervenção do Ministério das Infraestruturas.

A comissão parlamentar de inquérito para “avaliar o exercício da tutela política da gestão da TAP” foi proposta pelo Bloco de Esquerda e aprovada pelo Parlamento no início de fevereiro com as abstenções de PS e PCP e o voto a favor dos restantes partidos. Nasceu da polémica sobre a indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra Reis para deixar a administração executiva da TAP em fevereiro de 2022, mas vai recuar até à privatização da companhia em 2015. Tomou posse a 22 de fevereiro, estendendo-se até 23 de julho.

(noticia atualizada às 24h00)

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