Carta de conforto de Pinto Luz foi “momento de maior gravidade” da privatização da TAP, diz Pedro Marques

A assinatura do antigo secretário de Estado das Infraestruturas consta de uma carta de conforto aos bancos credores da TAP, na privatização de 2015, revelou o antigo ministro socialista Pedro Marques.

A assinatura de Miguel Pinto Luz, antigo secretário de Estado das Infraestruturas do segundo Governo de Passos Coelho, consta afinal de um documento da Parpública onde é autorizada a carta de conforto aos bancos credores da TAP na privatização de 2015. A revelação foi feita por Pedro Marques, antigo ministro socialista, durante a audição desta quarta-feira na Comissão de Economia e Obras Públicas do Parlamento. O agora eurodeputado considerou a carta “o momento de maior gravidade” da operação.

Para aceitarem manter o financiamento à TAP na privatização de 2015, os bancos credores (CGD, Millennium BCP, BPI, Novo Banco e Santander) exigiram uma carta de conforto que garantisse que o Estado recompraria o capital e asseguraria o pagamento da dívida caso a empresa, já detida maioritariamente pela Atlantic Gateway, entrasse em incumprimento.

“Perante um documento de tamanha importância, devo dizer que foi com imensa estranheza que vi o Secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações que conclui a privatização, o agora vice-presidente do PSD, Engº Miguel Pinto Luz, afirmar reiteradamente aqui, nesta Comissão Parlamentar, que não assinou qualquer carta conforto e que até desconhece do que trata“, afirmou Pedro Marques na sua intervenção inicial.

“No documento no qual a Parpública pede autorização para enviar aos bancos a carta-conforto, vê-se bem a assinatura dos dois ex-governantes que a autorizam: a secretária de Estado do Tesouro e o Secretário de Estado das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz“, continuou o ex-governante. O documento da Parpública com a assinatura de Miguel Pinto Luz, que data de 12 de novembro, o mesmo dia em que foi concluída a privatização, foi distribuído por um assessor aos jornalistas.

O vice-presidente do PSD respondeu ao início da noite no Twitter, escrevendo que “O Dr. Pedro Marques conseguiu mais uma vez baralhar conceitos e documentos. Vou dar-lhe a oportunidade de corrigir este erros na sua audição de amanhã na CPI”, referindo-se ao facto de o antigo ministro ser ouvido novamente na quarta-feira, mas na comissão de inquérito à TAP.

O antigo ministro do Planeamento e das Infraestruturas entre novembro de 2015 e fevereiro de 2019 considerou que a carta de conforto “é um elemento brutal de desequilíbrio do contrato e o momento de maior gravidade da privatização”. A privatização foi feita de um modo em que 100% dos lucros eram para o privado, mas 100% do risco era para o Estado”, afirmou na sua intervenção inicial.

“Estado não tinha controlo sobre o risco que os privados quisessem assumir na TAP”, sublinhou. “Até esse momento podíamos ter um desacordo político legítimo. Naquele dia com aquela carta conforto e aquele despacho o Estado ficou nas mãos dos privados”, voltaria a afirmar Pedro Marques. “A TAP, estivesse em que estado tivesse, mesmo completamente espatifada pelos privados se assim entendessem, o Estado tinha que recomprar o capital”, acrescentou.

“Decidimos anular aquela carta assim que assumimos o controlo”, afirmou o ex-governante. Isso foi feito através da recompra parcial do capital da companhia pelo Estado, de modo a ficar com 50% do capital da TAP SGPS. O Estado ficou, no entanto, apenas com 5% dos direitos económicos. A operação foi aprovada em maio de 2016, mas só ficou fechada em junho do ano seguinte.

Pedro Marques considerou ainda que “a carta, por si só, poderia ter consequências desastrosas para o Estado, além de poder ser classificada pelas autoridades europeias como um auxílio de Estado”, anulando a operação de privatização. O agora eurodeputado defendeu que sem a recompra do capital pelo Estado, a companhia aérea teria sido sujeita a uma “operação de reestruturação gigantesca” por imposição da Comissão Europeia. “Com a situação do balanço podemos imaginar o que teria sido”, sublinhou.

Questionado por Mariana Mortágua sobre se a carta implicava a assunção de responsabilidades só sobre a dívida existente ou também a futura, Pedro Marques reconheceu que ela incidia apenas sobre os 600 milhões de dívida aos bancos nacionais, mas argumentou que “a carta podia ser acionada com todo o endividamento que aparecesse entretanto no futuro”.

Paulo Rios de Oliveira, do PSD, contestou também as palavras de Pedro Marques. “Tem a certeza que se o privado fosse para lá endividar a empresa em dez mil milhões o Estado ia ficar a pagar? Além de fantasioso, este acordo tinha a tal comissão de acompanhamento que não criaram e que permitia que face à degradação dos capitais próprios podia o Estado cedo recuperar o controlo da empresa e ficar com toda a capitalização que tinha sido feita pelo privado”, apontou o social-democrata.

“Com o contrato do PSD, David Neeleman saia sem dinheiro nenhum. Com o do PS ganhou 55 milhões”, acusou, referindo o dinheiro pago a David Neeleman na renacionalização de 2020.

O antigo ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, durante a sua audição na Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação a requerimento do PSD sobre a «situação da TAP no período 2015-2023» , na Assembleia da República, em Lisboa, 30 de maio de 2023. JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Ministro diz que não havia informação sobre “desconto” dado a Neeleman

Pedro Marques foi questionado sobre o conhecimento do negócio de David Neeleman com a Airbus, no âmbito da encomenda de 53 novos aviões, que levou a fabricante a entregar 226 milhões de dólares à Atlantic Gateway, usados para capitalizar a TAP.

Uma auditoria pedida em 2022 pela companhia aérea concluiu que a TAP ficou a pagar mais do que os concorrentes pelos mesmos aviões. Na altura da privatização, em 2015, foram entregues três avaliações que apontavam para a existência de um desconto.

O antigo ministro garantiu que nos documentos da privatização que estavam na posse da Parpública “nunca apareceu esta ideia de que a TAP estava a pagar a mais porque desconto à cabeça foi dado ao senhor Neeleman” e usado na capitalização. Afirmou ainda que quando assumiu o dossiê recebeu a garantia de que tudo tinha sido feito de forma legal.

“No meu tempo como responsável político da TAP não houve referencia a compra da TAP acima do valor de mercado”, reiterou. O antigo ministro afirmou que “o primeiro conhecimento chegou em janeiro numa entrevista de David Neeleman à revista visão”. “O que disse nessa entrevista não está em nenhum documento da privatização”, disse.

Pedro Marques defendeu por várias vezes a contratação de Diogo Lacerda Machado para administrador não executivo da TAP. “É um profundo conhecedor e uma das boas pessoas que estiveram no conselho de administração”, afirmou.

TAP perdeu quota no Brasil após compra da VEM

Carlos Guimarães Pinto trouxe dados que segundo o deputado da Iniciativa Liberal mostram que a companhia aérea perdeu quota de mercado após a compra do negócio de manutenção e engenharia Brasil.

“Em 2004, a TAP era a segunda maior companhia estrangeira e tinha 7,3% de quota de mercado. Em 2007, quando a TAP finalmente tomou o controlo tinha 9,5% e era a segunda maior companhia europeia. 12 anos depois, antes da pandemia e depois de centenas de milhos gastos no buraco no Brasil, passou para 9%. Perdeu quota de mercado no Brasil”, afirmou o deputado da Iniciativa Liberal.

O antigo ministro apontou a dificuldade de entrar no mercado brasileiro e que a compra do negócio da Varig permitiu abrir esse mercado. “A posição de hub europeu para o mercado brasileiro é o grande ativo estratégico da TAP dos últimos 15 anos”, apontou.

Carlos Guimarães Pinto questionou ainda em que é que a recuperação do controlo estratégico tinha sido tão relevante para a TAP. “Não falou de uma rota, de um destino, de um emprego que tenha sido mantido, de um fornecedor, nada. Daquilo que disse, manter o controlo estratégico serviu apenas para duas decisões financeiras [evitar a venda em bolsa e a entrega de opções de compra aos gestores] para manter o controlo estratégico da TAP”.

“Dois anos depois estávamos de lá para fora e eles faziam o que entendessem com a TAP”, como vender a alguém que menorizasse a companhia, por exemplo saindo do Brasil, afirmou referindo-se à venda do capital dos privados em bolsa. “Não aconteceu porque não deixámos”.

Pedro Marques foi ministro do Planeamento e das Infraestruturas entre novembro de 2015 e fevereiro de 2019, quando saiu do Governo para liderar a lista de candidatos do PS às eleições europeias. Foi Pedro Marques que negociou com os donos privados da TAP, a Atlantic Gateway de Humberto Pedrosa e David Neeleman.

O antigo ministro está a ser ouvido a requerimento do PSD numa série de audições sobre a “situação da TAP no período 2015-2023”, que decorrem em paralelo à comissão parlamentar de inquérito à companhia aérea, onde Pedro Marques será ouvido amanhã, quarta-feira. Na próxima semana, será a vez do também ex-ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, ser ouvido na Comissão de Economia.

(notícia atualizada às 20h52 com reação de Miguel Pinto Luz no Twitter)

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