Ministra espanhola quer dar 20 mil euros aos jovens. Faria sentido em Portugal?
Ministra espanhola quer dar 20 mil euros aos jovens. Os especialistas ouvidos pelo Trabalho by ECO defendem, antes, medidas que não tenham um caráter "universal" e que não recorram à "subsidiação".
Atingir a maioridade e receber 20 mil euros para gastar em educação, formação ou até na abertura de uma empresa. Esta é a proposta de Yolanda Díaz, segunda vice-primeira-ministra espanhola, ministra do Trabalho e candidata às legislativas pelo Movimiento Sumar, para combater o problema da desigualdade social em Espanha. Problema que não é exclusivo do país vizinho. Em Portugal, contudo, os especialistas ouvidos pelo Trabalho by ECO consideram que uma medida como esta seria pouco eficaz para alcançar o objetivo a que se propõe. Sugerem, antes, medidas que não tenham um caráter “universal” e que não recorram à “subsidiação”.
“Sendo uma medida universal, não é a mais eficaz para combater as desigualdades”, começa por dizer o economista João Cerejeira, em declarações ao Trabalho by ECO. E, no caso português, “não é difícil pensar em alternativas com maior impacto nas desigualdades“, acrescenta.
É o caso da “redução da pobreza na infância, com reforço do abono de família” e do “investimento no apoio escolar a crianças com dificuldades de aprendizagem” e do “maior apoio à mobilidade internacional, nomeadamente para jovens com bolsa“, elenca.
Igualmente importante e eficaz para combater o problema das desigualdades sociais considera ser “o investimento no alojamento de estudantes deslocados no ensino superior“. “Esta é uma das principais barreiras no acesso ao ensino superior de jovens não residentes nas áreas metropolitanas, bem maior do que o valor das propinas“, considera.
Sendo uma medida universal, não é a mais eficaz para combater as desigualdades. Não é difícil pensar, para o caso português, em alternativas com maior impacto nas desigualdades.
Todas estas medidas seriam, na opinião de João Cerejeira, mais eficazes para atingir o objetivo em causa. Uma visão muito diferente da de Yolanda Díaz.
“Em Espanha, ser jovem é muito difícil. Sobretudo quando tivemos governos que não ofereceram soluções nem alternativas aos jovens. (…) Trata-se de deixar que os jovens tenham um futuro e dar-lhes a oportunidade de estudar ou de abrir um negócio, independentemente do seu apelido ou da sua família de origem”, disse a ministra espanhola em entrevista ao espanhol El Mundo (acesso pago, conteúdo em espanhol)
O objetivo da “herança universal”, explicou, seria garantir a igualdade de oportunidades, independentemente da origem familiar ou dos rendimentos das pessoas. “Quando um jovem alcançasse a maioridade poderia aceder a este rendimento. Empreender não pode estar relacionado com a origem dos pais. E está a dizê-lo alguém que montou um escritório de advogados pedindo um empréstimo”, exemplificou a responsável.
Admitindo que se trata de uma proposta “ambiciosa”, a segunda vice-primeira-ministra do Governo espanhol adianta que os pagamentos poderiam começar aos 18 anos, sendo prolongados até aos 23 anos. Além disso, a medida incluiria ainda apoio administrativo para ajudar os jovens a investirem o dinheiro nas áreas pretendidas.
“Medidas mais integradas” em vez da “subsidiação”
Carlos Oliveira, presidente executivo da Fundação José Neves (FJN), encontra nesta proposta outro problema: a questão da subsidiação. “Defendo medidas mais integradas, que não passem exclusivamente por subsidiação“, defende.
“Tenho muitas dúvidas sobre programas que tenham um impacto instantâneo, e não me parece que sejam 20 mil euros que alterem o futuro de qualquer jovem. (…) E que garantia existe que esses 20 mil euros vão ser usados para o desenvolvimento desse jovem, e não para outros fins que não tenham esse efeito produtivo que é o que se espera? Fico logo com essas dúvidas”, comenta o ex-secretário de Estado do Empreendedorismo, Competitividade e Inovação, salientando, contudo, que não conhece o programa eleitoral do Sumar “com detalhe”.
“Temos de trabalhar para uma sociedade em que os jovens, com a sua formação e com as suas competências, consigam ter acesso a um mercado trabalho que lhes entregue oportunidades de trabalho — nas quais são, obviamente, bem remunerados –, mas também para uma sociedade que lhes dê satisfação, que os faça felizes… E que, em cima disso, possam construir as suas vidas e carreiras”, defende.
Tenho muitas dúvidas sobre programas que tenham um impacto instantâneo, e não me parece que sejam 20.000 euros que alterem o futuro de qualquer jovem.
O problema é, contudo, tão complexo que Carlos Oliveira não acredita que haja “uma solução, um programa, uma ideia (seja pública ou privada) que o resolva”. “Tem de ser um conjunto de ações”, sustenta.
Foi por isso mesmo que a fundação lançou o Pacto “Pacto Mais e Melhores Empregos para os Jovens”, juntamente com empresas e Governo. As metas estabelecidas para as 50 empresas signatárias dividem-se em quatro áreas de atuação: contratar e reter jovens; garantir-lhes emprego de qualidade; formar e desenvolvê-los; e dar-lhes voz.
“Fazendo o diagnóstico, envolvendo as empresas e o Governo, que tem o lado das medidas públicas e da lei laboral”, resume o presidente executivo da fundação.
Outros dos recursos que fazem parte da estratégia de atuação da FJN — que tem a ambição de transformar Portugal num país mais desenvolvido, através do conhecimento — passa pela atribuição de bolsas de estudo, nomeadamente através do seu programa de bolsas ISA FJN.
Através de um Acordo de Partilha de Rendimentos (ISA, na sigla inglesa equivalente), a fundação compromete-se a pagar a totalidade das propinas à instituição de ensino frequentada. É calculado um plano de reembolsos, “através da definição de uma percentagem do futuro salário que é esperado que o estudante venha a ganhar”, lê-se no regulamento das bolsas. Este só terá lugar “quando o beneficiário concluir a formação apoiada pela FJN e tiver um emprego”.
Até ao final do ano passado, a fundação já tinha atribuído mais de 2,8 milhões de euros em bolsas a 386 bolseiros, de um total de 3.581 candidaturas, segundo dados da FJN avançados, na altura, ao Trabalho by ECO.
Críticas à proposta do Movimiento Sumar crescem
A ideia da “herança universal” não é, contudo, totalmente nova em Espanha. Em 2021, foi proposta no relatório “Espanha 2050”, um exercício prospetivo realizado por uma centena de académicos. No entanto, esta é a primeira vez que a medida é lançada a nível eleitoral.
Em termos de impacto financeiro, a medida proposta por Yolanda Díaz custaria cerca de dez mil milhões de euros a Espanha, que seriam obtidos através da tributação dos mais ricos, detalhou a ministra.
Uma fórmula que tem gerado muita contestação. “Quem propõe medidas que consistam em dar subvenções e ajudas, sem nenhum tipo de restrição, nem nível de renda ou um objetivo concreto, tem de explicar como iria financiar, porque nos próximos anos teremos de continuar a seguir uma política fiscal responsável”, afirmou Nadia Calviño, em declarações à TVE.
Também o presidente da Confederação Espanhola de Organizações Empresariais (CEOE) mostrou preocupação com o impacto financeiro que uma medida como esta teria. “São exatamente nove mil milhões de euros. A soma dos orçamentos para este ano dos Ministérios da Educação (6.000 milhões) e da Saúde (3.000 milhões), se olharmos para as contas do Estado”, referiu Antonio Garamendi no final do Fórum Económico de Espanha na segunda-feira.
“Que estudem melhor as contas e que façam propostas mais sérias”, disse ainda, citado pelo ABC Economía.
Uma história sobre a “herança universal”
Também na Alemanha, o Instituto Alemão de Investigação Económica reavivou esta ideia no final do ano passado. “Se queremos realmente criar prosperidade para todos num futuro próximo, então devemos reduzir o elevado nível de desigualdade da riqueza através da redistribuição, dando à metade da população que não possui ativos uma herança básica”, escreveu, de acordo com a Deutsche Welle (DW), o especialista em impostos do grupo de reflexão alemão Stefan Bach, na sua proposta.
Com base nos cerca de 750 mil residentes alemães que atingem a maioridade todos os anos, a herança universal — também 20.000 euros por residente ao completar os 18 anos, para pagar educação ou formação, a entrada da compra de um imóvel ou a criação de uma empresa — custaria ao Governo alemão cerca de 22,6 mil milhões de euros por ano.
O financiamento poderia ser efetuado através do aumento do imposto sobre as heranças, da introdução de um imposto sobre os mais ricos e da reforma dos impostos sobre o património, sugeria ainda a proposta do grupo de reflexão.
Economistas, como o francês Thomas Piketty, há anos que defendem esta fórmula. Ao estudar a desigualdade a longo prazo, o economista conclui que existe uma persistente “hiper concentração da riqueza”. “Os 50% mais pobres quase nunca possuíram nada: apenas 5% da riqueza total em França, contra 55% para os 10% mais ricos”, dá conta, referindo-se a dados de 2021, citado pelo Le Monde.
“A ideia de que é preciso esperar que a riqueza se espalhe não faz muito sentido: se fosse esse o caso, já o teríamos visto há muito tempo”, defende.
A solução mais simples, considera Piketty, seria “uma redistribuição da herança, que permita a toda a população receber uma herança mínima que, para estabelecer valores, poderia ser na ordem dos 120 mil euros (ou seja, 60% do património médio por adulto). Paga a todos aos 25 anos, seria financiada por uma mistura de impostos progressivos sobre o património e sobre as heranças”, detalha.
Assim, na sua linha de raciocínio, “aqueles que atualmente não herdam nada receberiam 120 mil euros, enquanto aqueles que herdam um milhão de euros receberiam 600 mil euros após impostos e contribuições”.
Apesar de o tema estar há anos em discussão — ou pelo menos já ter sido alvo de discussão — em alguns países, desde logo Espanha, França, Reino Unido e Alemanha, ainda nenhum avançou efetivamente nesse sentido. A experiência mais próxima foi o “Child Trust Fund”, que o Governo do Reino Unido lançou, em 2003, e que consistia na atribuição de 250 libras a cada recém-nascido.
“Era uma forma de UBC [Universal Basic Capital], que consistia num pagamento garantido a todos os bebés nascidos no Reino Unido”, explicava o economista e professor na London School of Economics, Julian Le Grand, ao El Confidencial, aquando da divulgação do relatório “Espanha 2050”. “Mas tinha dois problemas: era demasiado pequeno e, como era dado à nascença e não na juventude, os benefícios eram demasiado distantes. Por isso, foi um dos primeiros a cair nos cortes após o crash financeiro”, justifica.
A medida terminou em 2011, nos anos de austeridade, sem que ninguém sentisse a sua falta. Como recorda o economista, “talvez tenha sido uma medida muito ampla e superficial”.
Esta “herança universal” tem também algumas semelhanças com o Rendimento Básico Incondicional (RBI), uma espécie de salário que é pago todos os meses a todos os cidadãos — independentemente das suas condições financeiras ou de outras características –, mas que não implica o desempenho de quaisquer funções. É garantido pelo Governo.
A ideia que também não é propriamente nova (aliás, remonta ao século XVI), mas tem apaixonado a Europa do século XXI. Inglaterra vai testá-la através de um projeto-piloto anunciado no mês passado, com um grupo de 30 participantes, aos quais, durante dois anos, vai dar 1.600 libras (cerca de 1.874 euros), sem contrapartidas.
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