Eurodeputados portugueses insatisfeitos com última versão da Lei da Restauração da Natureza

Tanto à esquerda como à direita, a mais recente versão da Lei da Restauração da Natureza não satisfaz, e depositam-se esperanças nas negociações que se seguem.

Apesar de os partidos de esquerda se declararem vitoriosos com a aprovação preliminar da Lei da Restauração da Natureza no Parlamento Europeu, nenhum grupo do hemiciclo se demonstra satisfeito com a versão final obtida. Uns queixam-se de ambição a menos, outros, não concordam com o geral da formulação da lei. As esperanças, ao largo de todo o espetro político, estão agora depositadas nas negociações que se seguem com o Conselho Europeu, onde se aguardam novas alterações.

Apesar de o texto ser muito diluído no final, conseguimos passar esta lei, o mais importante de tudo”, indica a eurodeputada socialista (grupo S&D), Sara Cerdas, que votou a favor da lei, esta quarta-feira. Isto porque, caso fosse rejeitada, seriam necessários mais dois anos para a União Europeia ter uma nova proposta de lei, feita de raiz, o que significaria que só em 2026/2027 se estaria em condições de avançar com objetivos que incidem sobre 2030.

A lei acabou por passar por 336 votos a favor e 300 contra (e 13 abstenções), mas “muitas das emendas propostas pelo PPE [Partido Popular Europeu] passaram e diluíram a proposta, diminuíram a ambição”, depois de uma “campanha de desinformação” levada a cabo pelo grupo político (do qual faz parte o PSD e PP), acusa. Por exemplo, caiu o objetivo de que 10% das áreas agrícolas tivessem paisagens diversificadas. Cerdas espera que das negociações com o Conselho resulte um “texto final melhor para a Natureza e para as pessoas”.

Já João Pimenta Lopes, da ala política do PCP em Estrasburgo, afirma que a avaliação do seu grupo “não se altera profundamente” face às alterações que foram aprovadas em plenário. Mas espera que, em paralelo com as negociações que irão decorrer, se procure definir as fontes das verbas que irão suportar as exigências da lei. O mesmo eurodeputado gostava que houvesse uma maior “coerência” do texto com os respetivos objetivos, deixando mais claro o apoio a um modelo produtivo mais familiar em detrimento dos negócios de agricultura extensiva.

Também Marisa Matias, do grupo parlamentar europeu The Left, concorda que “a versão aprovada é insuficiente em relação às medidas necessárias, muito em resultado da aprovação de emendas do PPE”, mas acredita que “há margem para seguir para as negociações e conseguir-se uma proposta final que nos permita começar a avançar”.

Já mais à direita do plenário, a insatisfação é diferente: “Não estando ainda satisfeitos com o seu conteúdo, porque de facto a base era muito má, admito que estou contente e até orgulhosa das vitórias que conseguimos para alterar pontos críticos da proposta”, afirma a eurodeputada do PPE, Lídia Pereira, que mesmo em relação a esta “versão melhorada” votou contra.

Há três pontos chave que a eurodeputada destaca como justificação para vetar a lei: o possível impacto na perigosidade dos incêndios dado pela “obrigatoriedade” de aumento de matéria morta; as consequências económicas que perspetiva para a agricultura, já que antevê um “redução da produtividade” da atividade na Europa, o que implica “aumentos de preços” e “mais importações”, prejudicando por fim a segurança alimentar. Finalmente, considera que há uma “ausência de salvaguardas ambientais na importação”.

Nuno Melo, eurodeputado do CDS que integra também o grupo político PPE, reforça que “a dita lei de restauro da natureza poderá ser largamente melhorada”.

Os ambientalistas alinham com a ala esquerda: “A campanha massiva de desinformação feita pelo PPE conseguiu convencer muitos eurodeputados e várias emendas que foram aprovadas enfraquecem a lei consideravelmente”, diz Bianca Mattos, Técnica de Políticas da ANP|WWF.

A WWF destaca quatro emendas que considera que terão um maior impacto negativo. Primeiro, a limitação de obrigações de restauro a sítios Natura 2000. Em segundo lugar, o alargamento do prazo para o cumprimento das metas (ou até mesmo a exclusão de um prazo definido). Em terceiro, a possibilidade de que áreas restauradas voltem a ser degradadas no futuro e, finalmente, que seja permitida esta degradação em áreas que fazem parte de planos de instalação de projetos de energias renováveis.

No entanto, este não será o texto final da lei, ou seja, ainda temos muito trabalho pela frente para pressionar governos e membros do parlamento para que a ambição da lei proposta pela Comissão Europeia possa ser recuperada”, conclui também Bianca Mattos.

Há benefícios e malefícios para Portugal

Quanto ao impacto em Portugal, Sara Cerdas acredita que a lei promoverá a sustentabilidade em atividades primárias como a pesca e a agricultura, tornando-as mais resilientes a fenómenos climáticos, o que beneficiará também a segurança alimentar. Ao mesmo tempo, um dos “principais setores” no país, o turismo, também é impulsionado por esta lei na medida em que esta preserva as paisagens que são um grande atrativo para os visitantes, defende.

Para a eurodeputada do The Left, Marisa Matias, uma vez que Portugal tem mais de 40% do território em seca extrema, a restauração da natureza vem permitir “manter os territórios férteis, consolidados e mais protegidos perante os fenómenos climáticos extremos”.

Em oposição, Lídia Pereira indica que em Portugal poderão haver aumentos de preço como consequência da aplicação desta lei e riscos para a segurança alimentar.

No entanto, vários eurodeputados destacam que é cedo para avaliar os impactos em Portugal, pois serão os governos nacionais a definir os seus planos, “adaptados às características e necessidades específicas de cada país”, explica Marisa Matias.

Na ótica da WWF, uma das emendas que põe Portugal em xeque é a possibilidade de degradação em casos de instalação de renováveis, “uma vez que o governo português está bastante empenhado em expandir as renováveis, e esta expansão tem vindo a ser feita sem um planeamento adequado”.

Ainda há várias etapas do percurso legislativo que terão de ser percorridas. Agora vai ser negociado um acordo entre o Parlamento Europeu, o Conselho Europeu e a Comissão Europeia, sendo que esta última terá o papel de mediadora. Depois, esse acordo provisório será votado no seio do Comité para o Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar (ENVI). Só de seguida é que volta a plenário para a votação final.

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