Aperto de tesouraria leva empresas portuguesas a procurar alívio no factoring

Apesar do custo do financiamento estar a subir, instituições relatam ao ECO um aumento do recurso ao factoring por parte das empresas para garantir liquidez e enfrentar prazos de pagamento dilatados.

A subida acelerada das taxas de juro, o disparo da taxa de inflação, o crescimento dos prazos médios de pagamento e a instabilidade que subsiste ao nível das cadeias de produção estão a pressionar a gestão de tesouraria das empresas portuguesas e a fazer aumentar o recurso ao factoring, um mecanismo financeiro que consiste na aquisição de créditos de curto prazo (faturas) resultantes do fornecimento de bens ou serviços, permitindo uma liquidez imediata.

Depois da quebra provocada pela pandemia, este produto de crédito especializado registou crescimentos de 6% em 2021 e de 17% em 2022, atingindo o valor máximo na década, com um acréscimo homólogo na ordem dos 7,5 mil milhões de euros no apoio às empresas. No total, o factoring e o reverse factoring (confirming) superaram os 42 mil milhões de euros de créditos tomados no ano passado. Uma tendência acentuada nos primeiros sete meses deste ano, como relatam os bancos e sociedades de factoring ouvidos pelo ECO.

Luís Augusto, CEO do BNP Paribas Factor para Portugal e Espanha

Luís Augusto, CEO do BNP Paribas Factor para Portugal e Espanha, explica que “na atual conjuntura tem havido uma dilatação dos prazos de pagamento” e, por outro lado, algumas indústrias estão a ter “dificuldades em passar os maiores custos de produção para os seus clientes, gerando um impacto na margem” que as leva a pedir ajuda na gestão de tesouraria. Tanto a jusante, como a montante. “No factoring podemos adiantar os valores que têm a receber dos clientes finais; e no reverse factoring (confirming) também ajudar a dilatar um bocado os prazos para os pagamentos a fornecedores”, resume o gestor.

No atual contexto, está igualmente a aumentar a procura das empresas pela componente do serviço: o outsourcing na gestão das cobranças e o recurso aos seguros de crédito para assegurarem o risco de incumprimento. “Neste período de maior instabilidade que estamos a viver agora, é natural que seja bastante procurado porque os clientes querem continuar a vender, mas também continuar a receber”, completa Luís Augusto, que é também presidente da Associação Portuguesa de Leasing, Factoring e Renting (ALF).

As empresas de factoring não têm aumentado os valores cobrados. O que tem havido é o aumento da Euribor que serve de base aos contratos de factoring. Apesar de não ter havido um aumento dos spreads praticados, o valor cobrado e, por consequência, o custo do financiamento acaba por aumentar.

Luís Augusto

Presidente da Associação Portuguesa de Leasing, Factoring e Renting (ALF)

Como estão a evoluir os valores cobrados às empresas portuguesas? “Na verdade, as empresas de factoring não têm aumentado os valores cobrados. O que tem havido é o aumento da Euribor que serve de base aos contratos de factoring. Com este aumento, e apesar de não ter havido um aumento dos spreads praticados, o valor cobrado e, por consequência, o custo do financiamento acaba por aumentar”, reconhece o especialista, calculando que, em termos de volume, o BNP Paribas Factor conta crescer “à volta de 20%” em 2023, face ao ano anterior, em que progrediu ao mesmo nível.

José Gonçalves, diretor de Marketing de Empresas do Novobanco, corrobora que esta é “uma solução de financiamento cada vez mais procurada pelas empresas portuguesas, contribuindo para o reforço da liquidez e da tesouraria da atividade do dia-a-dia”, acrescentando que “em 2023, a tendência de crescimento continua de forma acelerada, caminhando para o melhor ano de sempre ao nível da faturação tomada”.

Em 2023, a tendência de crescimento continua de forma acelerada, caminhando para o melhor ano de sempre ao nível da faturação tomada.

José Gonçalves

Diretor de Marketing de Empresas do Novobanco

“Temos vindo a apostar nesta solução de financiamento de curto prazo, (…) com crescimento transversal em todos os produtos: no factoring, apoiamos a antecipação dos recebimentos de clientes, com mais de 1,3 mil milhões de euros de créditos tomados (+9% vs. 2022 e +20% vs. 2021); no confirming, reforçamos o apoio à antecipação do pagamento a fornecedores, com +9% vs. 2022 e +8% vs. 2021 ao nível dos créditos tomados”, contabiliza o gestor.

Contactada pelo ECO, fonte oficial do Millennium BCP remeteu apenas para o relatório e contas relativo ao primeiro semestre, onde reportou “5.000 milhões de euros de faturação tomada até junho de 2023”, recusando prestar mais “pormenores comerciais”. Já o BPI assegura que tem registado “crescimentos em linha com o mercado”, notando que além de empresas de produção industrial e exportadoras – para quem são também relevantes os serviços adicionais de cobrança ou cobertura de risco de crédito –, este é um produto “muito procurado por empresas fornecedoras de grandes superfícies ou que trabalhem com o setor público”.

Além de empresas de produção industrial e das exportadoras, este produto é muito procurado por empresas fornecedoras de grandes superfícies ou que trabalhem com o setor público.

Fonte oficial do BPI

Segundo dados da ALF, Portugal é atualmente o segundo país europeu com maior nível de penetração de mercado no factoring, medido pelo valor dos créditos tomados em função do PIB, equivalente a cerca de 20%, em que é apenas superado pelo Reino Unido (22%). Luís Augusto contextualiza que, por um lado, os prazos médios de pagamento são “muito alargados” em Portugal e, por outro, “a componente de serviço está muito intrínseca”, seja no outsourcing das cobranças, seja no seguro de crédito, sobretudo para a exportação, que “também está muito enraizado”.

Além da “maior agilidade, eficiência e segurança” nos recebimentos de clientes e nos pagamentos a fornecedores, o diretor do Novobanco destaca a vantagem da diversificação de fontes de financiamento, reduzindo a dependência exclusiva de empréstimos bancários de médio e longo prazo. “O factoring constitui uma fonte alternativa de acesso ao financiamento bancário, tendo por base o risco da carteira de devedores, sendo, por isso, uma solução muito procurada pelas empresas que tipicamente não têm tanta facilidade no acesso ao financiamento bancário.

Reportagem na fábrica Arch Valadares - 10MAI23
As indústrias transformadora e extrativa, a agricultura e a construção estão entre os setores que mais recorrem ao factoring.Ricardo Castelo/ECO

Ao nível dos setores de atividade, José Gonçalves aponta que o factoring é uma solução mais indicada para setores B2B (Business to Business), como a indústria transformadora, a indústria extrativa, a agricultura ou a construção, enquanto o confirming é mais transversal, sendo uma solução que permite antecipar o pagamento a fornecedores nos diversos setores de atividade. No que toca à dimensão, para algumas micro e pequenas empresas podem não ser a solução adequada, uma vez que tipicamente são exigidos volumes mínimos de faturação, acabando por não lhes compensar.

na componente dos fundos comunitários, aquela que era uma das barreiras à utilização deste instrumento acaba de ser levantada. É que, se no Portugal 2020 o confirming não era reconhecido como produto elegível para reembolsos de despesas que envolvessem pagamento a fornecedores, no regulamento do Portugal 2030 esta solução passou a ser reconhecida. É “crucial para uma maior abrangência do produto junto do tecido empresarial português e para mitigação de risco, uma vez que assegura o pagamento ao fornecedor dos investimentos no projeto com fundos europeus”, destaca o porta-voz do Novobanco.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Aperto de tesouraria leva empresas portuguesas a procurar alívio no factoring

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião