China faz pausa e tenta reorientar economia de crescimento “fictício” para “genuíno”
O período de intenso crescimento económico da China acabou, com Pequim a tentar desalavancar a economia e reorientar o investimento para ativos produtivos e estratégicos, apesar dos riscos inerentes,
A sequência de dados económicos negativos – deflação, crise imobiliária ou altas taxas de desemprego jovem — são consequência da determinação do Presidente chinês, Xi Jinping, de abandonar um modelo de crescimento assente no endividamento, que resultou numa espetacular transformação do país, mas também em muito “crescimento fictício”, observou Michael Pettis, professor de teoria financeira na Faculdade de Gestão Guanghua, da Universidade de Pequim.
“O excesso de investimento em todo o tipo de projetos de construção inflaciona o crescimento na China há vários anos”, descreveu à agência Lusa.
Na última década, a China construiu a maior rede ferroviária de alta velocidade do mundo, cerca de cem aeroportos ou dezenas de cidades de raiz, alargando a classe média em centenas de milhões de pessoas.
Guizhou, uma das mais empobrecidas províncias chinesas, por exemplo, construiu, algumas das pontes mais altas do mundo, incluindo uma travessia sobre o rio Duge Beipan, com 565 metros de altura, ou a ponte Pingtang, com 332 metros de altura, que atravessa o desfiladeiro do rio Caodu.
A dívida local é agora também das mais altas do país: 1,2 biliões de yuan (152 mil milhões de euros), ou 137% do PIB (produto interno bruto) da província.
“A maioria dos quadros [do Partido Comunista] conseguiu adaptar-se ativamente aos novos requisitos de desenvolvimento, mas alguns não estão a conseguir acompanhar”, advertiu Xi, num discurso recente. “Há quem ache que desenvolvimento consiste em lançar projetos, realizar investimentos e expandir em escala”, observou.
Na visão do líder chinês mais forte das últimas décadas, a China deve alcançar um crescimento “genuíno” e converter-se numa potência industrial e tecnológica de nível mundial, com uma economia assente na produção de bens com valor acrescentado e alocação eficiente de recursos. Xi pediu que o país se concentre em objetivos de longo prazo, “em vez de visar apenas riqueza material a curto prazo”.
“Os países ocidentais enfrentam cada vez mais problemas”, observou. “Eles não conseguem conter a natureza gananciosa do capital”.
A primeira vítima de Xi foi o imobiliário: em 2021, os reguladores chineses restringiram o acesso do setor ao crédito bancário, suscitando uma crise de liquidez. Uma das maiores construturas do país, o Grupo Evergrande, colapsou. Dezenas de outros grupos estão a negociar a restruturação das suas dívidas. O mais recente é a Country Garden, que está entre as 500 maiores empresas do mundo.
Isto acarreta “grandes riscos” para a economia do país, já que o imobiliário concentra 70% da riqueza das famílias chinesas e 40% das garantias detidas pelos bancos, segundo estimativas do Citigroup Inc. O impacto sobre a riqueza das famílias reduziu também o apetite pelo consumo, num segundo golpe para o crescimento.
Alguns dos planos de Pequim estão a correr de feição: a China ultrapassou, este ano, o Japão como o maior exportador de automóveis do mundo e a transição energética a nível global depende dos painéis solares, turbinas eólicas e baterias produzidas no país.
“Poucos parecem perceber que a China está a liderar o mundo a nível de geração de energia renovável e produção de veículos elétricos”, disse Elon Musk, que em 2019 inaugurou em Xangai a maior fábrica da Tesla fora dos Estados Unidos. “Independentemente do que se pense da China, isto é simplesmente um facto”.
Um estudo divulgado este mês pelo grupo de reflexão (‘think tank’) German Economic Institute (IW) indicou que os fabricantes chineses ocupam uma quota cada vez maior nas importações europeias de produtos industriais avançados, uma área na qual a Alemanha é tradicionalmente líder.
“Durante décadas, os produtos alemães dominaram o mercado europeu, mas os concorrentes chineses estão rapidamente a ganhar terreno”, advertiu.
Pequim estima que esta “nova economia” cresceu 6,5%, no primeiro semestre do ano, em termos homólogos, compondo agora mais de 17% do PIB. Em contraste, os gastos com construção imobiliária caíram quase 8% no mesmo período.
“É uma mistura de coisas boas e más”, resumiu Steve Hoffman, presidente executivo da Founders Space, uma das principais incubadoras e aceleradoras de ‘startups’ do mundo, à agência Lusa, numa visita recente a Pequim.
“A bolha no imobiliário está a rebentar, como rebentou no Japão, nos anos 1990, e nos Estados Unidos, em 2008”, apontou. “São fenómenos cíclicos”, observou. “Mas eu vejo a China numa posição muito forte a longo prazo, simplesmente porque tem um mercado e economia enormes e está agora a produzir bens avançados e muito competitivos”.
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