Exclusivo Continental “liberta” mais 60 milhões para investir na fábrica de pneus de Famalicão
Alemães dão “luz verde” à construção de mega armazém para automatizar carregamento de pneus na Continental Mabor. Quarta maior exportadora nacional fatura quase 1.300 milhões e emprega 2.600 pessoas.
A principal fábrica da Continental em Portugal acaba de receber “luz verde” da gigante alemã para a continuação dos projetos de investimento: a construção de um novo armazém industrial, com uma área superior a 4.000 metros quadrados e 26 metros de altura, que vai permitir o carregamento automático dos pneus em verde dentro das prensas de vulcanização. O CEO da Continental Mabor adianta ao ECO que esta “obra gigante”, avaliada em cerca de 60 milhões de euros, vai começar a funcionar em meados do próximo ano.
A garantia da multinacional que em 1993 passou a controlar a 100% a primeira fábrica de pneus em Portugal, que nos anos 1980 foi detida pelo grupo Amorim, chegou nos últimos dias, depois da reunião de preparação do orçamento para o próximo ano. Esta nova área industrial em Vila Nova de Famalicão vai ocupar um terreno que já tinha sido comprado pelo grupo que controla sete empresas e emprega mais de 3.700 pessoas no país. “É um grande projeto de automação e o maior projeto que estamos a fazer de um só passo”, descreve Pedro Carreira.
“Neste momento, esse processo de carga do pneu é feito por um operador, que, de uma fase para a outra, pega no pneu que vem da construção e o coloca dentro da prensa. E o que estamos a fazer é a construir um armazém gigante de pneus que não estão vulcanizados, para que depois o armazém decida, máquina a máquina, para onde o vai mandar, garantindo que consigo abastecer de forma bastante eficiente todas as prensas de vulcanização e baixar os stocks”, resume o responsável máximo da subsidiária portuguesa.
Desde que comprou a Mabor, a Continental calcula já ter investido um total de 1,3 mil milhões de euros neste complexo fabril com 800 mil metros quadrados de área total e onde anualmente são produzidos mais de 18 milhões de pneus. “Todos os anos vamos adicionando volume e complexidade. Já não são os mesmos pneus. Em 1990, quase 60% dos trabalhadores eram analfabetos e achavam que íamos ser uma fábrica low tech. Afastámos esse fantasma ao mostrar capacidade técnica e que éramos bem mais eficientes que os colegas que nos vinham cá ensinar. O acionista começou a ficar interessado e construímos uma reputação que faz com que continue a investir aqui”, frisa o gestor.
A unidade minhota está a concentrar-se em pneus de gama alta, em que se incluem desde há cerca de oito anos os produtos desenvolvidos especificamente para carros elétricos, com requisitos diferentes ao nível do desenho e dos compostos químicos que são utilizados. Fornece a norte-americana Tesla desde o primeiro modelo, tendo sido mesmo uma das primeiras empresas certificadas pela marca automóvel detida por Elon Musk. Entretanto, esta exportadora com vendas para mais de 70 mercados soma contratos com todas as marcas europeias que lançaram modelos elétricos e híbridos. No ano passado, mais de um milhão de pneus saíram da Continental Mabor para equipar viaturas elétricas.
Cerca de 90% da produção está agora concentrada nos pneus ligeiros. É que a fábrica de Lousado começou nos últimos anos a diversificar para outros segmentos. Quando em 2017 a Continental quis retomar a produção de pneus agrícolas, decidiu fazê-lo em Portugal, “mercê da reputação que tinha dentro do grupo como uma fábrica super eficiente e capaz de entregar os projetos”.
Dois anos depois arrancou o projeto que trouxe também para o país os chamados pneus fora de estrada (OTR). Com carcaça metálica e maior capacidade de resistência, operam em minas, nos portos ou na construção civil, pesam até 1,5 toneladas e medem até 2,20 metros de diâmetro.
Foi também em 2019 que o grupo germânico, que passou de prejuízos a lucros no primeiro semestre deste ano, arrancou com um centro de desenvolvimento de tecnologias no Porto, com funções centradas sobretudo nas áreas de eletrificação de veículos, condução autónoma, conectividade, cibersegurança, tecnologia verde e Indústria 4.0.
Há precisamente um ano, como o ECO noticiou, o Continental Engineering Services (CES) expandiu este hub para passar a prestar também serviços em áreas como consultoria financeira, auditoria interna, sustentabilidade ou recursos humanos, transversais ao grupo, duplicando a equipa na cidade Invicta para 400 pessoas.
Já este ano, a Continental inaugurou um centro de soluções em Famalicão, com especialistas das áreas de tecnologias de informação, inteligência artificial e análise aplicada, comércio eletrónico e engenharia industrial. O objetivo é apoiar a digitalização de soluções de pneus, bem como os processos de produção e as operações comerciais. Arrancou em abril com cerca de 80 colaboradores num edifício nas imediações da fábrica, prevendo a companhia duplicar também esta equipa até 2026. E é também no distrito de Braga que está instalado o centro de pesquisa e desenvolvimento de pneus agrícolas e está a ser montado outro para os pneus de bicicletas, que depois são produzidos na Alemanha, China e Malásia.
No final de 2022, a Continental Mabor somava 2.600 funcionários contratados, além dos trabalhadores temporários que são recrutados consoante os picos de produção. Atualmente, a idade média ronda os 37 anos e 99% tem, pelo menos, o 12º ano de escolaridade. Nos últimos três anos, que ficaram marcados pela pandemia de Covid-19, entraram 476 novos colaboradores para os quadros, de acordo com os dados fornecidos pela empresa industrial, que prevê acrescentar mais uma centena ao efetivo laboral no final deste ano.
Trocou fornecedores russos “de um dia para o outro”
A Continental Mabor é a principal empresa do grupo em Portugal, tendo no último exercício contribuído com quase 1,3 mil milhões de euros (crescimento a rondar 20% em termos homólogos) para o volume global de faturação no país, que totalizou 1,6 mil milhões de euros.
Pedro Carreira indica que, “se de repente não surgir alguma coisa – começamos a ter um bocadinho mais de reservas nos prognósticos, pelo que se passou nos últimos anos –, a previsão é fazer volumes idênticos aos do ano passado” em termos de vendas líquidas. “Até este momento está tudo dentro do planeado, quer a nível de produção, quer dos investimentos que estão previstos”, completa.
De um dia para o outro, por causa das sanções às exportações russas, tivemos de interromper essas importações e mudar as cadeias de fornecimento da Europa, de onde recebo as matérias-primas por camião, para passar a receber via Índia, China, Japão ou EUA, onde houvesse.
Na memória do gestor está ainda o “registo dramático durante a pandemia”, que fez recuar as vendas para níveis idênticos aos de 2014 (750 milhões de euros em 2020 vs. quase 900 milhões em 2019) e assentes sobretudo no mercado dos pneus de substituição. No início de 2022, quando os prognósticos eram “muito interessantes”, surgiu a guerra na Ucrânia. Um “impacto brutal” foi nos preços do gás: mais do que triplicou a fatura energética da Continental Mabor, que ainda está “muito para lá” daquilo que eram os custos anteriormente, sobrando a “expectativa que baixem para valores mais decentes”.
Por outro lado, embora exportasse “alguma coisa” para a Rússia, o maior problema nessa altura foi a substituição das matérias-primas que vinham da Rússia para integrar os pneus da fábrica portuguesa, que ostenta o título da mais eficiente – “por uma margem enorme” – entre as 24 locais de produção e desenvolvimento do grupo a nível mundial.
“De um dia para o outro, por causa das sanções às exportações russas, tivemos de interromper essas importações e mudar as cadeias de fornecimento da Europa, de onde recebo as matérias-primas por camião, para passar a receber via Índia, China, Japão ou EUA, onde houvesse. De repente, toda a nossa cadeia logística foi stressada para poder receber matérias-primas de outros países não europeus, com todas as consequências que isso tem”, recorda o CEO.
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