Habitação, empresas e tabaco. Confira as últimas mexidas no Orçamento do Estado antes da aprovação final

No último dia de votações foram aprovadas mais meia centena de propostas de alteração, das quais 42 do PS e 12 da oposição. Socialistas acabaram por rejeitar a abertura de 150 salas no pré-escolar.

Na reta final para a aprovação final global do Orçamento do Estado (OE) para 2024, garantida pela maioria absoluta socialista, o PS viabilizou, esta terça-feira, cerca de meia centena de propostas de alteração, entre as quais 42 do PS e 12 da oposição. Os trabalhos demoraram quase cinco horas: arrancaram às 15h e terminaram pelas 19h45.

Habitação, recuo na tributação dos cigarros eletrónicos, apoios às empresas, imposto sobre sacos de plástico e medidas de cariz social marcaram este último dia de maratona de votações.

A tarde desta terça-feira arrancou com a aprovação por unanimidade de uma proposta do Livre – que tinha sido adiada – e que obriga o Governo a inscrever, anualmente, no Orçamento do Estado, verbas para a linha nacional para a prevenção do suicídio.

Medidas para Habitação

Mas as medidas de maior impacto centram-se na habitação como o alargamento para 2024 do fim da penalização do resgate dos Planos Poupança Reforma (PPR) para pagamento das prestações da casa ao banco ou para a amortização antecipada do crédito à habitação, uma proposta do PS.

No caso das amortizações antecipadas dos empréstimos para compra de habitação própria e permanente, o valor do resgate mais do que duplica de 12 vezes o Indexante dos Apoios Sociais (IAS), o que corresponde a 5.765,16 euros, tendo em conta que aquele indexante está nos 480,43 euros, para 24 IAS, passando para 12.245,28 euros, uma vez que o IAS vai aumentar para 510,22 euros no próximo ano.

“Durante os anos de 2023 e 2024 é permitido o reembolso parcial ou total” do valor dos planos poupança-reforma (PPR), dos planos poupança-educação (PPE) e de planos poupança reforma/educação (PPR/E) “para pagamento de prestações de contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre imóvel destinado a habitação própria e permanente do participante, bem como prestações do crédito à construção ou beneficiação de imóveis para habitação própria e permanente, e entregas a cooperativas de habitação em soluções de habitação própria permanente, sendo dispensadas da obrigação de permanência mínima de cinco anos para mobilização sem penalização”, de acordo com o projeto dos socialistas.

Foi ainda aprovada uma proposta do PS que permite recuperar o IRS pago pelas mais-valias geradas pela venda de casa nos casos em que não tenha conseguido adquirir habitação nova nos 36 meses posteriores à alienação do imóvel. Mas, para isso, o contribuinte tem de apresentar uma declaração de substituição do IRS, até ao final de 2024, que comprove que entretanto comprou casa.

O texto dos socialistas indica que os contribuintes “têm a faculdade de apresentar uma declaração de rendimentos de substituição do ano em que foi concretizado o reinvestimento, ou do ano em que foi efetuada a alienação no caso do objeto do reinvestimento se ter verificado nos 24 meses anteriores, devendo esta declaração de substituição ser apresentada até ao final do ano de 2024 nas situações em que já tenha havido a tributação das mais-valias, que devem estar excluídas de tributação”.

Ainda no campo da habitação, o Parlamento deu luz verde a uma alteração dos bloquistas que limita os contratos de alojamento temporário de turismo a um por ano, por forma a libertar estes imóveis para habitação própria e permanente. O grupo parlamentar do BE considera que as empresas de gestão imobiliária “impossibilitam o arrendamento para habitação permanente, explorando licenças de alojamento local” das quais “não são proprietárias”.

A contribuição sobre o Alojamento Local (CEAL) está, para já, excluída nos Açores e na Madeira. A decisão de aplicar a taxa sobre determinados territórios das regiões autónomas será da responsabilidade das Assembleias Legislativas das ilhas, de acordo com uma proposta do PS.

Prestação de crédito fixa para PME e incentivo à capitalização

No que diz respeito aos apoios às empresas, as micro pequenas e médias empresas (MPME) vão poder fixar a prestação de crédito. É uma proposta do PS que replica a medida dirigida às famílias com crédito à habitação.

A proposta prevê então a introdução, até ao final do primeiro trimestre de 2024, das “adaptações necessárias ao regime de fixação temporária da prestação de crédito estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 91/2023, de 11 de outubro, assegurando a sua aplicação às micro, pequenas e médias empresas, nos termos definidos pelo Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de junho, empresários em nome individual, instituições particulares de solidariedade social, associações sem fins lucrativos e demais entidades da economia social”.

Foi ainda aprovada uma proposta da bancada socialista que aumenta a dedução em IRC, no âmbito do incentivo à capitalização das empresas. Em concreto, a dedução em IRC duplica, dos dois milhões, como constava na proposta do Orçamento do Estado, para os quatro milhões.

As empresas que reforcem os capitais próprios vão ter um aumento nas vantagens fiscais, podendo deduzir ao lucro tributável uma importância correspondente à aplicação de uma taxa base que fica definida como a Euribor a 12 meses acrescida de 1,5 pontos (2 pontos se for micro, PME ou small mid cap) ao montante dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis. Atualmente a taxa está fixada em 4,5% (ou 5% para as micro, PME e small mid cap).

Incentivo ao abate de veículos ligeiros e à renovação de frota do transporte de mercadorias

O Parlamento deu luz verde ao “programa de incentivo ao abate de veículos ligeiros visando a melhoria da segurança rodoviária e da qualidade do ambiente”, proposto pelo PS. “O veículo ligeiro abatido tem como incentivo um valor pecuniário a atribuir pelo Fundo Ambiental, nos termos a definir por despacho do membro do Governo responsável pela área do ambiente e da ação climática”, de acordo com o mesmo texto.

Sob proposta do PS foi ainda aprovado um incentivo à renovação da frota do transporte de mercadorias. No OE, apenas podiam beneficiar do incentivo o transporte de pesados de passageiros, categoria D do IUC. O PS alarga a medida ao transporte de mercadorias, da categoria C do IU.

PS suaviza agravamento do imposto sobre o tabaco eletrónico e isenta sacos de plástico com materiais recicláveis

Relativamente ao imposto sobre tabaco, foi aprovada uma alteração do PS que suaviza a tributação dos cigarros eletrónicos com líquido. Esta alteração surge depois de a Associação Portuguesa de Vaporizadores (APORVAP) ter alertado que, tal como está a proposta do OE, os aumentos propostos iriam colocar Portugal seis vezes ou 592% acima da média europeia.

A mesma proposta alivia ainda o impacto da subida do imposto sobre as cigarrilhas. A proposta do OE determina que o agravamento iria duplicar logo em 2024, ao indexar a cigarrilha ao cigarro. Mas a alteração introduzida pelos socialistas permite um faseamento do aumento: de 50% em 2024; de 75% em 2025; e de 100% em 2026.

A iniciativa visa ainda corrigir o imposto sobre as bebidas menos alcoólicas, fixando a subida da tributação em 10%, tal como está previsto para as cervejas convencionais, com cerca de cinco graus de álcool. Sem esta alteração, bebidas com teor alcoólico até 3,5% iriam ser severamente penalizadas. “Enquanto o aumento para as cervejas, ditas normais, com 5 ou 6 graus de álcool, será de 10%, o agravamento para as cervejas com menos álcool como a Super Bock Sky, que tem 3,3 graus, pode oscilar entre 38% e 286%”, revela ao ECO o fiscalista da Deloitte, Afonso Arnaldo.

O Orçamento de Estado estabelece algumas isenções na aplicação da taxa sobre os sacos de plástico, mas o PS aprovou uma proposta de alteração que visa alargar o seu âmbito a embalagens que incorporem 25% de materiais reciclados.

“Estão isentas do pagamento da contribuição”, de 0,30 euros ou mais, “as embalagens de utilização única que: […] sejam em monomaterial e que incorporem, em média, pelo menos 25% de materiais reciclados e sejam totalmente recicláveis, obedecendo às exigências de segurança alimentar”, de acordo com o texto da iniciativa.

Mantém-se contudo a proposta do Governo, inscrita no Orçamento, de cobrar quatro cêntimos por saco leve e ultraleve de plástico.

PS dá pequenos-almoços grátis mas nega abertura de salas no pré-escolar

Houve ainda várias propostas de cariz social aprovadas pelos deputados. De destacar a gratuitidade dos pequenos-almoços para alunos carenciados que frequentem os ensinos pré-escolar, básico e secundário.

Aos alunos enquadrados no “escalão da ação social escolar correspondente ao 1.º escalão de rendimentos para atribuição de abono de família é ainda assegurado o fornecimento de pequeno-almoço”, de acordo com o texto da iniciativa do grupo parlamentar socialista.

Esta medida aplica-se “às crianças e aos alunos que frequentem a educação pré-escolar e os ensinos básico e secundário em estabelecimentos de ensino públicos, ou particulares e cooperativos em regime de contrato de associação”, de acordo com o respetivo decreto-lei.

Para beneficiar quer do almoço quer do pequeno-almoço gratuito, os alunos terão de estar enquadrados no escalão A da ação social escolar, que corresponde ao primeiro patamar do abono de família. Isto significa que os rendimentos anuais do agregado familiar não podem ultrapassar os 3.102,4 euros, ou 221,6 euros a 14 meses.

A gratuitidade dos pequenos-almoços para os alunos mais carenciados é uma reivindicação antiga do Bloco de Esquerda. Durante o primeiro Governo de António Costa, apoiado por uma geringonça parlamentar à esquerda, formada por PS, PCP e BE, foi lançado, em 2017, um grupo de trabalho contra a pobreza, constituído por representantes socialistas e bloquistas, técnicos e elementos do Executivo, que propôs, precisamente, a oferta da primeira refeição da manhã a estudantes com dificuldades económicas.

Contudo, e à última hora, o PS decidiu corrigir o sentido de voto, de favorável para contra, de uma proposta do PCP, o que acabou por a inviabilizar. Em causa está a abertura de 150 salas de aula no ensino pré-escolar da rede pública.

“Em 2024 o Governo assegura a abertura de, pelo menos, 150 novas salas de educação pré-escolar da rede pública, em articulação com os municípios e de acordo com as respetivas Cartas Educativas, visando garantir progressivamente a universalidade do acesso à educação pré-escolar a todas as crianças a partir dos três anos”, de acordo com a proposta dos comunistas que tinha sido aprovada anteriormente pelos socialistas.

Alargamento do passe ferroviário nacional

O Livre viu ainda aprovada uma das suas medidas mais emblemáticas. Este ano, conseguiu que o Governo avançasse com o passe ferroviário nacional mas apenas para os comboios regionais. Agora, conseguiu ir mais longe com a aprovação do alargamento desse título de transporte aos comboios urbanos, interregionais e intercidades, até ao final do primeiro trimestre de 2024. A proposta frisa que “o valor mensal do passe ferroviário nacional não pode ser superior a 49 euros por mês”, que é o seu preço atual.

Para além disso, “o alargamento do passe ferroviário nacional é acompanhado do reforço do serviço ferroviário e do investimento na renovação e aquisição de material circulante”, de acordo com a proposta.

Entretanto, o Governo já tinha anunciado que, no próximo ano, o preço dos passes de transportes públicos navegante/andante municipal, de 30 euros, e navegante/andante metropolitano, de 40 euros, iria ficar congelado pelo segundo ano consecutivo.

Ora a manutenção dos valores dos passes em anos de inflação elevada significa que o Estado terá de compensar mais as empresas de transportes públicos. Por isso, o PS aprovou, sob sua proposta, o reforço em 50 milhões de euros as transferências previstas de 360 milhões de euros, totalizando 410 milhões.

“Para assegurar a manutenção dos preços vigentes em 2023 dos passes de transportes públicos, como medida excecional de mitigação dos efeitos da inflação, a consignação de valores […] para o programa «Incentiva +TP» será acrescida de 50.000.000 euros”, segundo o texto da iniciativa.

E como era de esperar, a proposta do PSD para a reposição do tempo de serviço dos professores foi chumbada com os votos contra do PS. Os sociais-democratas pretendiam que o Governo iniciasse, em 2024, o processo de reposição da contagem do tempo de serviço dos professores, à razão de 20% ao ano, assegurando a reposição integral no prazo de cinco anos.

Governo ignora contagem do tempo de serviço dos professores. BE fala em “bloqueio à saúde”

O debate da manhã desta terça-feira, que durou cerca de 3h15, já antevia a decisão de o PS chumbar a reposição do tempo de serviço dos docentes. Perante as críticas à direita, o secretário de Estado da Educação, António Leite, preferiu ignorar as reivindicações dos docentes e lembrar que foram os Governos do PS que descongelaram a carreira dos professores, retomaram a contagem do tempo de serviço, recuperaram uma parte do tempo de serviço e aprovaram o acelerador de carreiras. “Aprovámos o apoio à renda para os professores deslocados para Lisboa e Vale do Tejo e Algarve”, frisou.

A Saúde foi outro dos temas que dominaram a discussão. A ministra dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, pediu aos partidos da oposição para se deixarem de “falsas lágrimas” pelo SNS, ainda que tenha reconhecido as dificuldades. No final, enalteceu o trabalho feito, garantindo que o SNS tem respondido aos portugueses “com mais investimento e mais profissionais”.

Em contra-ataque, deputado bloquista Pedro Filipe Soares disse que “o bloqueio da saúde fica como cadastro desta maioria da saúde” e lamentou ainda que o Executivo não tenha resolvido os problemas da escola pública. Por outro lado, à direita, e numa crítica mais abrangente, Rodrigo Saraiva da IL considerou que a marca que fica do PS “é a degradação do poder de compra, dos serviços públicos e das instituições”.

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