O lado b do discurso de António Costa: riqueza, investimento e educação

Na mensagem de Natal, o primeiro-ministro destacou conquistas que escondem pontos críticos como o baixo PIB per capita, o fraco investimento público ou as más notas dos alunos portugueses.

O primeiro-ministro demissionário, António Costa, aproveitou a mensagem de Natal desta segunda-feira para destacar os feitos dos seus últimos oito anos de governação, num discurso de autoelogio ao seu legado que também aponta para o futuro, para as eleições de 10 de março e para uma desejável vitória do PS de Pedro Nuno Santos, sem a mencionar, porque ainda há “muito trabalho em curso que não podemos parar”.

Mas há um lado b escondido nas conquistas que o chefe do Executivo optou por ignorar: o crescimento económico ainda não é suficiente para compensar o baixo PIB per capita; a dívida pública tem caído, mas o investimento público não descola; o abandono escolar é menor e há mais estudantes a frequentar o Ensino Superior, mas as notas dos alunos portugueses degradaram-se substancialmente. Aliás, foram estes três pontos – crescimento económico, dívida pública e qualificações – que António Costa indicou como “razões fundamentais” para “confiar que Portugal está preparado para vencer os grandes desafios que enfrentamos”.

No que diz respeito às “contas certas”, António Costa afirmou que “Portugal conseguiu libertar-se de décadas de crónicos défices orçamentais, foi essa libertação que tem permitido reduzir a nossa dívida pública, mas fizemo-lo com base no crescimento económico, na valorização dos rendimentos daqueles que trabalham e daqueles que vivem das suas pensões”.

PIB per capita é 21% inferior à média da União Europeia

De facto, o PIB português registou, em 2022, um crescimento de 6,7%, bem acima dos 3,5% da Zona Euro. Contudo, a economia vai começar a abrandar, prevendo-se um impulso de apenas 2,2% este ano, e de 1,5% em 2024, segundo o Orçamento do Estado para o próximo ano, sendo que o Banco de Portugal já reviu em baixa a estimativa para o próximo ano, projetando um crescimento de 1,2%. Ainda assim, são trajetórias positivas tendo em conta que a Alemanha, a maior economia da União Europeia, está em recessão técnica.

Porém, há um outro lado da moeda deste crescimento económico: o PIB por capita em Portugal, que é a riqueza do País dividida pelo número dos seus habitantes, ainda é 21% inferior à média europeia.

Apesar de ter melhorado face a 2021, o PIB per capita medido em paridades de poder de compra no final do ano passado era de apenas 78,7% da média da União Europeia, segundo dados divulgados este mês pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).

Significa que, em média, o rendimento médio por português é 21,3% inferior à média dos 28 países que constituem a União Europeia, colocando Portugal como o 20.º país com o PIB per capita mais baixo da União Europeia e o 16.º país com o nível de rendimentos por habitante mais baixo entre os 19 países da Zona Euro.

Desvio de 6,5 mil milhões de euros no investimento público nos últimos oito anos

António Costa destacou ainda, na sua mensagem de Natal, a importância da diminuição da dívida pública: “Termos menos dívida significa maior credibilidade externa, mas significa, acima de tudo, maior liberdade para os portugueses. A liberdade de escolher como utilizar o que se poupa no serviço da dívida, a liberdade de escolher em que áreas desejamos mais investimento ou em que termos defendemos menos impostos“.

O Orçamento do Estado para 2024 mostra que a dívida pública vai conseguir baixar do patamar dos 100% do PIB, no próximo ano, passando de 103% para 98,9%. A confirmar-se esta projeção, o rácio da dívida face ao PIB, em 2024, deverá cair pelo terceiro ano consecutivo e ficar, pela primeira vez, abaixo da fasquia dos 100% desde 2009.

O primeiro-ministro defende que menos endividamento permite maior “credibilidade externa”, com impacto positivo na redução dos juros da dívida, e dá maior margem para reduzir impostos, mas nunca menciona uma aposta forte no investimento público.

Do mesmo modo, a manutenção de excedentes orçamentais, de 0,8% do PIB este ano e de 0,2% para o próximo é positivo para a manutenção das contas certas, mas refreia o investimento público.

O Orçamento do Estado para 2024 prevê que “o investimento público ascenderá a 3,3% do PIB em 2024, representando um aumento de 24,2% face à estimativa para 2023”. Contudo, a execução acaba por ficar sempre aquém do previsto. Na realidade, o investimento público não tem descolado dos 2%.

Desde que o Governo PS assumiu funções, no final de 2015, a média do peso do investimento público na economia é de 1,8%. Entre janeiro e setembro deste ano, esse esforço no investimento público aumentou para 2,1%, segundo o INE.

Analisando a execução dos valores previstos, no final de 2023, e em termos acumulados, o desvio no investimento público da responsabilidade dos executivos de António Costa deverá já superar os 6,5 mil milhões de euros.

A comparação é feita entre o investimento projetado a cada exercício orçamental com aquele que é efetivamente realizado – ou aquele que o Ministério das Finanças prevê que seja realizado, no caso de 2023. E a conclusão é a de que todos os anos foram marcados por desvios, estando os maiores concentrados em 2022 e 2023. Estes dois anos iniciais da execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) deverão terminar com uma diferença face às metas de investimento público superior a 2,7 mil milhões de euros. São quatro em cada 10 euros de investimento que os executivos recentes do PS planearam e não executaram.

O reduzido investimento público tem impactos sociais relevantes. O novo barómetro da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), divulgado no mês passado, revela que o baixo investimento público em habitação é o primeiro fator que contribui para a atual situação do mercado imobiliário.

“Numa escala de um (mais importante) a seis (menos importante), o fator que mais inquiridos consideram que explica a atual situação do mercado imobiliário é o baixo investimento público em habitação (22,4%)”, referiu a FFMS, com base nos resultados do inquérito para o primeiro barómetro, centrado no tema da crise da habitação em Portugal.

Alunos de 15 anos com más notas a Matemática

No que diz respeito à educação, o primeiro-ministro defende que “o nosso nível de qualificações aproxima-se dos melhores padrões europeus”. “Enquanto o abandono escolar precoce caiu para valores claramente abaixo da média europeia, o número de jovens no ensino superior ultrapassou essa média europeia. No conjunto da população ativa, em duas décadas, triplicamos o número das pessoas que concluíram o ensino secundário”, disse António Costa, durante a sua mensagem de Natal.

Mais uma vez, esta vitória tapa uma derrota: alunos portugueses de 15 anos pioraram o desempenho nos testes internacionais de Matemática e Leitura, segundo o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) de 2022, divulgado este mês.

O PISA voltou a analisar os conhecimentos a Matemática, Leitura e Ciência de alunos de todo o mundo – em 2022 participaram cerca de 690 mil alunos de 81 países e economias – e o retrato do desempenho dos estudantes releva “uma quebra sem precedentes”, em que Portugal não foi exceção.

Os quase sete mil alunos de 224 escolas portuguesas que realizaram as provas de 2022 obtiveram piores resultados do que os seus colegas em 2018, colocando Portugal entre os países que mais baixaram de pontuação a Matemática, refere o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

Os estudantes obtiveram 472 pontos a Matemática, ou seja, menos 20,6 pontos do que nas provas realizadas em 2018. Já em comparação com os resultados das provas de 2012, as notas desceram 14,6 pontos.

Portugal surge assim na lista dos 19 países que baixaram mais de 20 pontos a Matemática, sendo que as notas desceram entre os alunos mais carenciados, mas também entre os mais privilegiados. Três em cada 10 alunos não conseguiram demonstrar ter conhecimentos mínimos a Matemática, ou seja, não atingiram o nível dois numa escala de seis valores.

A condição socioeconómica é um dos fatores que mais influencia os resultados académicos e, em Portugal, os estudantes portugueses de famílias mais privilegiadas tiveram uma pontuação média de 522 pontos, ou seja, 101 pontos acima da média dos alunos mais carenciados.

Repetindo 11 vezes a palavra “confiança”, na mensagem de Natal, António Costa mostrou-se um “otimista irritante” – o cognome que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, um dia lhe atribuiu –, deixando entreaberta a porta para um futuro no Conselho Europeu a partir das eleições europeias do próximo ano.

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