Mesmo com inflação díspar entre países da Zona Euro, BCE mantém olho no corte de juros em 2024

Já há oito Estados-membros com uma inflação abaixo de 2% em dezembro. Membros do BCE discordam de calendário para corte nos juros. Lagarde admite baixa só no verão.

A inflação na Zona Euro estava numa trajetória de abrandamento nos últimos meses, mas, em dezembro, acabou por voltar a acelerar. Entre os países que usam o euro, o cenário é bastante díspar, com os preços em alguns países ainda a desacelerar e já abaixo dos 2%, enquanto noutros o ritmo da subida de preços voltou a aumentar. Este comportamento desigual pode complicar as decisões do Banco Central Europeu (BCE) relativamente à altura em que vão começar a cortar os juros. Christine Lagarde atira essa possibilidade para neste verão, mais tarde do que os mercados esperavam.

Segundo os mais recentes dados do Eurostat, a inflação na Zona Euro acelerou em dezembro para 2,9%, face aos 2,4% registados em novembro. Apesar de ser uma subida, quebrando a série de sete meses de abrandamento, é inferior ao esperado pelos analistas, de 3%.

É de notar ainda que a inflação subjacente – que não inclui os preços mais voláteis, da energia, dos alimentos, do álcool e do tabaco – arrefeceu no mês passado, sendo este também um indicador seguido pelo BCE.

Mas a evolução foi bastante diferente entre os vários países que usam o euro. Na Alemanha, a inflação situou-se em 3,8% em dezembro, uma aceleração forte face aos 2,3% verificados em novembro, de acordo com uma estimativa divulgada na quinta-feira. Em França, o IPC saltou para 4,1% em dezembro, uma subida ligeira dos 3,9% do mês anterior. Em ambos os casos, os preços da energia ajudaram a aumentar a taxa global de inflação.

Em Portugal, a inflação tem estado a cair e já ficou mesmo abaixo dos 2% nos últimos dois meses. Em novembro fixou-se em 1,8% e em dezembro, segundo a estimativa preliminar, em 1,4%. Na Bélgica já se tinha verificado deflação, isto é, os preços a cair face ao período homólogo, nos meses de outubro e novembro. No entanto, em dezembro taxa de variação do IHPC foi de 0,5%.

Já existem oito países que registaram uma variação do índice harmonizado de preços ao consumidor (IHPC), o indicador utilizado para permitir a comparação europeia, abaixo dos 2%, a meta do BCE. No entanto, há outros ainda muito acima, como a Eslováquia (6,6%) e a Áustria (5,7%).

Dando precisamente o exemplo de Portugal e da Alemanha para ilustrar as disparidades existentes na zona euro, Lagarde explicou a sua prudência, em entrevista à Bloomberg, com “o risco” de avançar “demasiado depressa” e depois ter “de voltar atrás a um maior aperto, porque isso seria desperdiça todos os esforços que todos têm feito nos últimos 15 meses”, disse a presidente do BCE.

Esta disparidade na evolução dos preços “tem a ver com a evolução da estrutura e dos mercados nacionais”, explicou ao ECO o economista João César das Neves. “O que interessa é o padrão de fundo, se virmos os valores a curto prazo e por região, as diferenças são visíveis, mas irrelevantes“, defende.

Membros do BCE discutem calendário, mas Lagarde admite corte no verão

Do lado do banco central, é ainda incerto como serão vistos estes dados díspares, mas nos últimos dias vários membros do conselho de governadores têm estado envolvidos num “bate boca” público, com os “falcões” e as “pombas” em confronto. Inicialmente, a presidente do BCE não se quis comprometer mas, esta quarta-feira, acabou por admitir a possibilidade de um corte nos juros este verão — data que é, no entanto, mais tarde do que os mercados antecipavam.

Christine Lagarde sinalizou numa entrevista na sexta-feira passada que só desce juros quando for claro que a inflação caiu para 2%, a meta a médio prazo do banco central. “Penso que os juros, se não existirem novos choques ou dados inesperados, não vão continuar a subir. E se vencermos a luta contra a inflação, e se tivermos certeza de que a inflação estará de facto em 2%, nesse momento os juros começarão a cair”, disse Lagarde. No entanto, esta quarta-feira, a líder do banco central disse, numa entrevista em Davos, que era provável um corte nos juros ainda este verão.

Mas há membros que defenderam que o corte poderia já nem acontecer este ano. Para Robert Holzmann, governador do banco central da Áustria, “a ameaça geopolítica aumentou porque o que estamos a ver com os huthis [rebeldes do Iémen], não parece estar a acabar, pode ser o início de algo muito maior, que vai ter impacto no Canal do Suez e fazer aumentar os preços”. Assim, não se deve “contar com uma descida das taxas de juro para 2024”, reitera Holzmann, em entrevista em Davos, à Bloomberg.

Por outro lado, membros como o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, apontam que o BCE “não tem de esperar até maio” para tomar decisões. “Os desenvolvimentos mais recentes sobre a inflação e economia claramente trouxeram o momento de alívio [dos juros] para mais perto”, apontou o governador português, numa entrevista à The Economist.

Centeno explicou que o BCE se encontra à espera, “no próximo trimestre”, da confirmação de que a inflação está no caminho da convergência para 2% no médio prazo e, embora diga que seja apropriado manter as taxas neste momento, o banco central irá “decidir quando cortar as taxas mais cedo do que pensava até recentemente”. Já em Davos, o governador do Banco de Portugal defendeu que o “BCE tem de estar preparado para discutir cortes de taxas”, em resposta às declarações dos “falcões”.

Lagarde foi questionada sobre se poderia haver um apoio maioritário para a descida dos juros no verão, dado que já vários responsáveis sinalizaram essa janela temporal. “Diria que também é provável”, disse Lagarde. “Mas tenho de ser reservada, porque também estamos a dizer que estamos dependentes de dados, e que ainda existe um nível de incerteza nalguns indicadores que não estão ancorados no nível onde gostaríamos de os ver”, precisou a presidente do BCE.

Para o economista João César das Neves, o BCE tem consciência das diferenças da evolução dos preços entre os países e “sabe que só o padrão de fundo interessa”.

Algumas estimativas mais otimistas apontavam para cortes nos juros já em março, mas há também quem diga que este alívio apenas deverá ocorrer depois de junho. Um inquérito aos analistas da Reuters aponta que deverão existir cerca de quatro descidas dos juros este ano — ainda que esteja tudo dependente da evolução dos dados.

Christine Lagarde rejeitou a perspetiva de que o BCE irá reduzir as taxas diretoras no curto prazo, o que, em conjunto com a ideia de que “há um nível de incerteza e alguns indicadores que não estão ancorados no nível” em que o BCE gostaria de os ver, contribuiu para retirar uma boa dose de otimismo ao mercado, que está a ser espelhado por uma generalidade correção dos principais índices acionistas europeus e por uma subida das yields dos títulos soberanos da Zona Euro.

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