Citrinos, hortícolas e vinha serão as culturas mais afetadas pelos cortes de água no Algarve

Os agricultores do Algarve rejeitam os cortes e desvalorizam o impacto das ajudas do Governo. Para o setor, é fundamental criar medidas para aumentar a disponibilidade de água.

Os agricultores acusam o Governo de ter falta de “visão” e “carinho” pelo setor agrícola, alertando que a decisão de impor uma meta de redução de 25% nos consumos de água vai levar a um abandono da atividade e a uma perda de competitividade face a outros mercados. Culturas de regadio, como os citrinos, hortícolas e a vinha serão as mais impactadas pelas restrições, e nem as compensações anunciadas pelo Governo deverão suficientes para cobrir os prejuízos. “Não pretendemos compensações. Queremos água“, frisa Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP).

De acordo com os ministérios do Ambiente e da Agricultura, a situação de seca no Algarve tem vindo a agravar-se nos últimos 20 anos, e hoje já não se exclui a possibilidade de vir a ser decretado um estado de calamidade.

“Não podemos escamotear que temos muito pouca água e, se nada fosse feito, iríamos chegar a meio deste ano e não iríamos ter água. Corríamos o risco de chegar ao final do verão e não termos água para o abastecimento público”, indicou Maria do Céu Antunes em entrevista à Renascença, divulgada esta sexta-feira.

Questionada sobre se admite a declaração do estado de calamidade na região do Algarve, a ministra afirma que “se isso trouxer água ou soluções às pessoas, nos fá-lo-emos”. No entanto, aponta que o Governo está a fazer “é encontrar soluções para o imediato”.

Os agricultores partilham da mesma opinião, mas rejeitam que essas soluções passem pelo corte de água. Ao ECO/Capital Verde, o secretário-geral da CAP– Confederação dos Agricultores de Portugal considera que os cortes que foram decretados pelo Governo na passada quinta-feira, são “desproporcionais” e refere, a título de exemplo, que apesar de a rede de abastecimento no Algarve perder anualmente, em média, 30% da água que por lá passa, só será obrigada a reduzir em 15% o abastecimento público.

“Os que estão a desperdiçar 30% que façam as obras. [O setor] tem 40 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência para acabar com estas perdas e esse trabalho não está a ser feito, está a ir a um ritmo muito lento. Entretanto cortam-nos a nós [agricultores] a água”, acusa Luís Mira.

Igualmente morosos estão os planos para se criarem transvases de água do Norte para o Sul para combater seca. “Estamos há 50 anos a tentar decidir um novo aeroporto. As ligações entre barragens a partir do Alqueva ou do Douro para o Alentejo e Algarve estão na gaveta há 70 anos. Somos indecisos a definir as obras estruturantes para o país e este Governo não tem a visão e o carinho que o setor [agrícola] merece“, acusa o diretor-geral da Associação dos Jovens Agricultores de Portugal (AJAP), Firmino Cordeiro, ao ECO/Capital Verde.

De acordo com os agricultores, os cortes de 25% na utilização de água são, no entanto, “uma mera operação de cosmética“, alertando que, em alguns casos, a redução pode chegar a 50%, como está previsto acontecer no perímetro hidroagrícola do Sotavento.

Segundo a Comissão para a Sustentabilidade Hidroagrícola do Algarve (CSHA), formada por 120 produtores, agricultores e associações regantes do Algarve, o corte de 25% engloba uma redução de 15% da utilização da água subterrânea e um corte entre 44% e 50% para a utilização da água superficial. A CSHA fez as contas e estima que a água subterrânea representa 75% da água utilizada pelo setor e a água superficial representa 25% desses consumos.

Ademais, recordam que os cortes dos anos de 2022 e 2023 ainda vigoram quer na água subterrânea, quer na água superficial dos perímetros de rega do Alvor e Silves, Lagoa e Portimão, e consideram que as previsões de 35 hectómetros de chuvas até abril estão longe de serem alcançadas.

Com esta quantidade de água disponível e se não chover, não teremos condições de fazer produção em grande parte das áreas instaladas“, estima a CSHA, numa nota enviada às redações esta quinta-feira

Abacates e estufas também não escapam aos impactos

Segundo a AJAP, as produções de citrinos, abacates, hortícolas, a vinha e as estufas serão as culturas mais afetadas por dependerem de um sistema de rega conta-gotas e esta realidade, além de contribuir para uma quebra de competitividade levará “inevitavelmente” a um abandono da atividade.

“Falamos de culturas muito apreciadas lá fora. Este país não tem tanta fonte de rendimento quanto isso para não proteger o setor e a agricultura que tem dado cartas – temos excelentes agricultores”, defende Firmino Cordeiro. “Não temos necessidade de nos queixar. Queixamo-nos quando deixamos de ser competitivos face a Espanha“.

Mas a verdade é que nem os agricultores no sul de Espanha escapam às restrições face à situação de seca que se verifica em toda a bacia do Mediterrâneo. De acordo com o Canal Sur, a barragem de Bornos, em Cádis, uma das principais fontes de rega para o setor na região de Andaluzia, está a 10% da sua capacidade e quanto ao consumo humano cerca de 50 municípios andaluzes já avançaram com restrições.

Independentemente disso, a perda de competitividade é certa. “Se [os produtos] não vierem de Espanha, vêm de outro país. A economia gasta divisas e fica com uma pegada carbono muito grande. Mas aí já não há problema. O grande problema é o impacto de um transvase do Norte para o Sul”, ironiza Luís Mira.

Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), em entrevista ao ECO - 20DEZ23
Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

 

E nem as compensações deverão ser suficientes para atenuar os prejuízos – ou atender à satisfação dos produtores que pedem que se encontrem por “soluções para encontrar água”, como a dessalinizadora de Albufeira, que só estará operacional em 2026.

O Governo já admitiu que estão a ser estudadas possibilidades de apoio financeiro para o setor agrícola, mas para os operadores as regras impedem que a distribuição das verbas seja feita de forma equitativa. O diagnóstico feito pelos profissionais é claro: “Há muitos que ficam de fora e os que recebem ajudas, recebem pouco“, critica Firmino Cordeiro, acrescentando que nos últimos meses os preços de mercado foram “ajustados” o que permitiu que algumas culturas “voltassem a ganhar algum dinheiro”.

“As margens estão melhores, o que quer dizer que vai haver perdas de rendimentos. Nunca vai ouvir os agricultores dizer que estão satisfeitos com as compensações”, diz o diretor-geral da AJAP.

O inevitável, dizem os agricultores, é que, tanto o agravamento da seca, potenciado pelas alterações climáticas, como as restrições governamentais, levem a um abandono, em particular da parte dos pequenos produtores. Isto numa altura em que a atividade tem, ainda assim, conseguido valorizar-se. Segundo os dados do Banco de Portugal, em 2022, o volume de negócios do setor superou os 68 milhões de euros, uma subida face ao ano anterior (55 milhões).

“O preço de compra por um hectar para produzir é muito alto no Algarve, e mesmo para quem aluga é alto. As pessoas não estão na agricultura para passar o tempo, precisam de pagar contas, e no Algarve há muitos agricultores que não vão aguentar e vão desistir”, alerta Firmino Cordeiro.

 

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