Açores mostram risco de instabilidade política no Continente

Politólogos afastam extrapolações mas apontam sinais: se a AD ganhar as legislativas sem maioria absoluta terá de governar "à Guterres". PS forçado a viabilizar para travar "ameaça" do Chega.

Os resultados eleitorais dos Açores, que deram uma vitória relativa à Aliança Democrática (AD), coligação que junta PSD, CDS e PPM, não devem ser diretamente extrapolados para as legislativas de 10 de março, mas dão pistas sobre os riscos crescentes de instabilidade governativa no Continente. Se o PSD ganhar sem maioria absoluta ou aceita a mão do Chega ou acordos pontuais com o PS ou outros partidos. Por outro lado, a diabolização do partido de extrema-direita, feita pelos socialistas, dão pouca margem a Pedro Nuno Santos para não viabilizar um Governo minoritário da AD, segundo vários politólogos consultados pelo ECO.

A AD ganhou as eleições antecipadas deste domingo, provocadas pelo chumbo do Orçamento para 2024, mas ficou a três deputados da maioria absoluta. A coligação conseguiu 26 deputados, já o PS perdeu pela primeira vez, desde 1996, as eleições legislativas regionais, ao eleger 23 deputados, o Chega garantiu cinco deputados, enquanto o BE, a IL e o PAN ganharam um deputado cada.

“A um mês da campanha eleitoral e tendo em conta as especificidades dos Açores, é difícil fazer um paralelismo entre o que aconteceu na região autónoma e o que pode vir a acontecer no Continente”, defende Paula Espírito Santo. Contudo, “é possível fazer algumas leituras, nomeadamente sobre a indefinição do futuro Governo, sobre a instabilidade política, uma vez que é quase certo que o novo Executivo não terá maioria absoluta”, indica a professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP).

Ou seja, ainda que o líder do PSD, Luís Montenegro, tenha afirmado, no rescaldo dos resultados eleitorais açorianos, que a vitória da AD é “uma inspiração” para 10 de março, não se deve concluir que no Continente a coligação de direita tem agora mais hipóteses de vencer.

A AD nos Açores vai precisar de acordos com outros partidos, para conseguir alguma estabilidade governativa, uma vez que não conseguiu maioria absoluta. Resta saber se a AD irá, tal como em 2020, estabelecer um acordo de incidência parlamentar com o Chega, que subiu de dois para cinco deputados, tornando-se na terceira maior força política na assembleia legislativa, ainda assim aquém das projeções de crescimento de várias sondagens.

O líder do PSD, Luís Montenegro, já afastou entendimentos com o Chega, mas o partido, nos Açores, goza de autonomia. No último dia de campanha eleitoral, o líder do PSD Açores, José Manuel Bolieiro admitiu que “não tem problemas” com a extrema-direita. E este domingo à noite, logo após conhecer os resultados das eleições, abriu a porta a entendimentos com todos os partidos: “Dialogo com todos, não faço cercas sanitárias, sou um conciliador e não aceito chantagens, mas um diálogo que reconheça esta maioria de governação”. Questionado se admite entendimentos com o PS, Bolieiro respondeu: “Não excluo, claro está”.

Ou seja, e em última análise, a AD pode governar “à Guterres”, negociando diploma a diploma com o Chega, o PS ou outro partido. José Adelino Maltez lembra que “a democracia está cheia de apoios cruzados” entre PS e PSD. “A nível nacional, o PSD apoiou o PS em alguns orçamentos, na adesão Euro, por exemplo”, reforça. Por isso, e no pós-legislativas de 10 de março, o politólogo não afasta acordos pontuais ao centro entre a AD e PS, nomeadamente se a coligação de direita vencer sem maioria absoluta.

Contra a vontade do líder do PS, Pedro Nuno Santos, já há vozes socialistas próximas do secretário-geral, como Francisco Assis ou Pedro Delgado Alves que defendem que o partido, nos Açores, deve ajudar a viabilizar o Governo de Bolieiro para travar Ventura.

“Com esta subida do Chega, o PS deve preparar-se para governar em minoria com acordos com PSD e CDS”, afirmou em entrevista ao podcast “O Mistério das Finanças”, do ECO, o também cabeça de lista pelo círculo do Porto. “O PS tudo fará para contribuir para a estabilidade”, defendeu, na SIC Notícias, Pedro Delgado Alves, secretário nacional do partido e do núcleo mais restrito de Pedro Nuno Santos.

Este posicionamento deixou o PS em polvorosa e o secretário-geral socialista veio logo demarcar-se: “É muito difícil, praticamente impossível viabilizar um governo da direita”.

Para André Azevedo Alves, “o PS, perante o discurso que tem, de considerar o Chega uma grande ameaça, de ser um papão omnipresente, não pode fechar a porta à viabilização de um Governo minoritário da AD”. O professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica reconhece que “essa decisão depois terá impactos no Continente”. Assim, e “num cenário idêntico, a nível nacional, o PS está obrigado a viabilizar um Governo da AD”.

“O PS começa a estar refém das suas posições e da campanha que tem feito contra o Chega. Como é que o eleitorado vai reagir se agora o PS se juntar ao Chega para inviabilizar um Executivo da AD?”, atira André Azevedo Alves.

A agitação em torno do Chega mostra que “o partido de André Ventura teve uma dupla vitória no arquipélago: subiu em número de deputados e tornou-se determinante para uma maioria de direita estável”, sublinha André Freire.

O professor catedrático de Ciência Política no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa considera que “os resultados não são traduzíveis para a realidade nacional, até porque no Continente os partidos mais pequenos têm mais peso”, mas “há sinais, indicadores” do que pode acontecer a nível nacional.

“O PS está a falar a duas vozes sobre viabilizar ou não o programa do governo dos Açores. Se viabilizar, depois isso vai fazer ricochete no Continente”, alerta André Freire. “O PS precisa de ser coerente. Se não quer ser um partido de suporte a nível nacional, também não o pode ser nas ilhas”, defende.

Nas legislativas de 10 de março, os eleitores não deverão dar a maioria absoluta a PS ou AD, forçando a acordos e entendimentos à direita, à esquerda ou mesmo ao nível do bloco central.

Num cenário em que o PS ganhe o sufrágio com maioria relativa, o mais provável é uma reedição da geringonça com Bloco de Esquerda (BE), PCP, Livre e PAN. Aliás, a coordenadora bloquista, Mariana Mortágua, já defendeu um acordo para a legislatura com Pedro Nuno Santos. Mas tudo vai depender do xadrez que sair das eleições de 10 de março.

(Artigo atualizado pela última vez às 19h22)

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Açores mostram risco de instabilidade política no Continente

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião