Contas certas, pensões, salário, habitação. Há mais a unir do que a separar PS e AD

Redução da dívida para 80% do PIB, ordenado mínimo nos 1.000 euros, baixa do IRS e Estado fiador para ajudar a comprar casa são propostas que casam socialistas com a coligação, liderada por PSD.

PS e Aliança Democrática (AD), coligação que junta PSD, CDS e PPM, são os principais adversários nas legislativas de 10 de março. Ambos disputam o eleitorado do centro, sobretudo dos trabalhadores, dos jovens, da classe média e dos pensionistas. Analisando os programas eleitorais das duas forças partidárias, é possível encontrar mais pontos em comum do que divisões.

Da política das contas certas à redução do imposto sobre o trabalho ao reforço dos rendimentos dos pensionistas, passando pelo aumento do salário mínimo até aos 1.000 euros ou por garantias públicas para ajudar os jovens a aceder a crédito para compra da primeira casa, são várias as medidas que casam propostas de PS e AD.

A contagem integral do tempo de serviço dos professores e a valorização da carreira das forças de segurança também integram as promessas eleitorais de Pedro Nuno Santos e de Luís Montenegro.

Economistas consultados pelo ECO como Ricardo Ferraz, Carlos Tavares, Jorge Bravo e Manuel Caldeira Cabral traçam as pontes e as divergências entre PS e AD.

O que os une

Existem algumas semelhanças nos cenários macroeconómicos e orçamentais dos partidos, com destaque para a dívida: apesar de ritmos de redução ligeiramente diferentes, ambos veem a dívida pública a chegar aos 80% do PIB em 2028. PS quer baixar o rácio para 80,1% do PIB, no final da legislatura, enquanto a AD projeta uma dívida em 80,2%. Ou seja, uma diferença de apenas uma décima.

Quanto ao saldo orçamental, a AD prevê excedentes todos os anos, atingindo um superávite de 0,2% do PIB em 2028. Já o PS prevê chegar ao final da legislatura em pleno equilíbrio, sem excedente ou défice. “A política de contas certas é um princípio que está plasmado nos dois programas eleitorais e bem”, defende Jorge Bravo, professor de Economia e Finanças na Universidade Nova de Lisboa, em declarações ao ECO.

Para o membro do observatório da Segurança Social e Demografia da SEDES – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social, “Portugal não se pode dar ao luxo de divergir dos indicadores de equilíbrio orçamental da União Europeia”. “Até porque em momentos de recessão, é importante ter margem, folga para usar estabilizadores automáticos, isto é, aumentar os apoios ao emprego e às empresas”.

O professor de Economia da Universidade do Minho, Manuel Caldeira Cabral, defende que “é bom que haja um consenso nesta matéria, porque não se pode gastar mais do que aquilo que se tem, sobretudo com o cenário de guerras no exterior, e aumento das taxas de juros, que podem trazer muitas incertezas para o futuro”.

O também ex-ministro da Economia do primeiro Governo de António Costa, mas sem cartão de militante do PS, considera que “PS e AD são prudentes e sensatos ao manterem a trajetória de descida da dívida e de equilíbrio das contas para terem margem para enfrentar cenários adversos”.

“Na redução do IRS, os dois programas são parecidos, com um enfoque nos jovens, com o IRS Jovem, e na classe média”, salienta Caldeira Cabral. De facto, tanto PS como AD defendem a atualização dos escalões em linha com a inflação e redução das taxas marginais.

Pedro Nuno Santos defende uma redução das taxas para a classe média e um alargamento do IRS Jovem, independentemente do nível de escolaridade. Mas Luís Montenegro é um pouco mais ambicioso e concreto, garantindo que vai diminui as taxas entre 0,5 e 3 pontos percentuais (p.p.) até ao oitavo escalão e criar uma taxa de 15% para jovens até aos 35 anos, exceto os que se encontrem no último escalão.

Ainda no âmbito do IRS, de destacar que o PS quer aumentar a dedução das despesas com rendas para habitação própria permanente de 600 para 800 euros, enquanto a AD quer isentar a atribuição de prémios de produtividade até ao limite de um salário. Pedro Nuno Santos prevê ainda uma nova dedução, que também irá beneficiar quem não paga imposto, relativa à devolução do IVA com bens alimentares essenciais.

Nos salários, a proposta é semelhante: enquanto o PS quer que o salário mínimo atinja os mil euros em 2028, Montenegro chegou a apontar para valores entre 1.000 e 1.100 no final da legislatura, mas no programa ficaram inscritos os mil euros. Para o salário médio, o PS quer que a fasquia suba para os 1.725 euros, em 2026, e a AD conta com 1.750 euros, em 2030.

Jorge Bravo nota que “o PSD costumava ser mais afirmativo na indexação” daquele referencial “à produtividade e em diálogo com os parceiros sociais”. Mas, agora, decide nivelar pelo PS e atirar a retribuição mínima para 1.000 euros, no final da legislatura, em 2028, o que corresponde a um aumento 180 euros face ao vencimento mínimo atual, que está nos 820 euros.

“É surpreendente o estabelecimento de compromissos para a evolução do salário mínimo e até do salário médio (este sem que se veja por via de que instrumentos), com um horizonte de médio prazo, sem que seja ligada à evolução da produtividade e da inflação”, assinala Carlos Tavares, coordenador do observatório de Políticas Económicas e Financeiras da SEDES.

Nas pensões, os partidos focam-se no Complemento solidário para idosos (CSI). A AD propõe um aumento do valor de referência até 820 euros (atual salário mínimo) em 2028, enquanto o PS quer “excluir o rendimento dos filhos para acesso ao apoio, cujo valor deve estar em linha com o limiar da pobreza”. Questionado sobre esta possibilidade, no debate com André Ventura, Montenegro admitiu também estar aberto a “revisitar as condições de recursos da aplicação do CSI”.

Com estas promessas, PS e AD contemplam também um “aumento da despesa pública permanente”, salienta ao ECO Ricardo Ferraz, investigador no ISEG e professor na Universidade Lusófona. A perspetiva é de um aumento da despesa corrente de 4% ao ano.

Na habitação, tanto PS como AD apresentam medidas semelhantes, com ligeiras nuances. Pedro Nuno Santos quer colocar o Estado como fiador para garantir crédito bancário para compra da primeira habitação a jovens até aos 40 anos. Montenegro tem medida semelhante para jovens até 35 anos, com a particularidade que irá proporcionar financiamento bancário para 100% do valor do imóvel. De lembrar que, neste momento, é necessário dar pelo menos 10% do preço da casa como entrada para aceder a crédito à habitação.

“No domínio da Habitação, se excetuarmos as propostas relativas ao aumento da oferta pública de habitação, todas as outras são no sentido do fomento da procura, designadamente pela via da facilitação do crédito (via taxas de juro ou concessão de garantias públicas). Para além das dúvidas que algumas dessas vias colocam quanto à sua compatibilidade com as políticas monetária e macroprudencial, elas não deixariam de continuar a alimentar a subida dos preços dos imóveis, que tem, de facto, sido a principal causa das dificuldades de acesso à habitação, seja por via da aquisição, seja por via do arrendamento”, critica Carlos Tavares.

Ambas as forças partidárias defendem a fusão das várias prestações numa única e têm propostas para a contagem integral do tempo de serviço de professores (6 anos 6 meses e 23 dias), alargamento da gratuitidade das creches e pré-escolar, e valorização da carreira das forças de segurança (PSP e GNR), que têm estado em protesto para exigir o mesmo subsídio de risco que foi atribuído à Polícia Judiciária.

Quanto ao novo aeroporto da região de Lisboa, depois de terem acordado nos critérios e na forma como ia ser feita a avaliação dos locais, ambos os partido inscrevem no programa a intenção de tomar uma decisão rapidamente. O secretário-geral do PS tem sido mais claro do que Luís Montenegro e já afirmou publicamente que irá escolher a solução Alcochete, tendo em conta que foi a localização melhor pontuada pela comissão técnico independente (CTI).

O que os separa

O cenário macroeconómico da AD é mais ambicioso que o do PS: enquanto o primeiro prevê um crescimento do PIB de 3,4% em 2024, o segundo apenas vê um crescimento a rondar os 2% até ao final da legislatura. O programa económico do PS tem como base o Programa de Estabilidade, assinado por Fernando Medina, que diz ser “prudente”. Já Montenegro admite que o cenário da AD é mais arriscado, mas defende que “é ambição com realismo”.

Para Ricardo Ferraz, o PS está a seguir “mesma estratégia económica dos últimos governos socialistas”, pelo que “não deverá conduzir a resultados económicos muito diferentes daqueles que foram obtidos ao longo dos últimos anos“. Já a AD tem medidas que têm em vista “estimular a produtividade” e o que possibilite dar “um pouco de ar à nossa economia – que vive amarrada com impostos, taxas, e burocracia –, é positivo”.

Uma das grandes diferenças entre o PS e a AD é na dimensão do “choque fiscal”. A AD tem como bandeira a redução do IRC, medida que impulsionará o crescimento económico, enquanto o PS é mais contido nas medidas fiscais, sendo que Pedro Nuno Santos chegou a defender que o problema do choque fiscal defendido pela AD é o “irrealismo da proposta”.

“No caso da AD, o pilar principal do programa económico é a redução dos impostos“, salienta Ricardo Ferraz. As promessas que merecem destaque são “a redução gradual do IRC e também a isenção fiscal de prémios por desempenho até um vencimento, tendo em vista estimular a produtividade”, nota.

De salientar que a AD quer baixar o IRC de 21% para 15% ao ritmo de dois pontos percentuais ao ano, enquanto o PS apenas defende a redução em 20% das tributações autónomas sobre as viaturas.

O economista ressalva, no entanto, que se pode “questionar se esse choque fiscal em conjunto com as promessas de aumentos de salários e de pensões (que são despesa pública permanente), e que a AD também promete, serão, ou não, compatíveis com uma realidade de excedentes orçamentais importantes para a redução da enorme dívida pública que pesa nos ombros das gerações atuais e futuras”.

Existe ainda outra divergência antiga entre ambos os partidos, na área da saúde. Enquanto a AD defende o recurso a privados, ao setor solidário e a parcerias público-privadas para reforçar os serviços do SNS e garantir médicos para todos, o PS tem vindo a afastar-se deste modelo, admitindo-o apenas em caso de necessidade comprovada.

As propostas do PS na saúde passam por apostar no “investimento público no SNS e na internalização de serviços como exames de diagnóstico e recurso a médicos reformados para garantir médico de família para todos”. Existe ainda outra medida polémica para que os médicos tenham que cumprir um tempo mínimo de serviço no SNS após a especialização, mas Pedro Nuno Santos disse que tal teria de ser negociado.

A imigração é também um dossiê que separa os partidos, sendo que o PS tem em vista “agilizar os processos de legalização, das autorizações de residência e de reagrupamento familiar de imigrantes e refugiados, também como forma de combate às redes de imigração ilegal”.

Já a AD tem uma abordagem diferente, defendendo que se deve regular a imigração. O lema deverá ser que “que somos um País de portas abertas à imigração, mas não de portas escancaradas”, como se lê no programa da coligação, que prevê a definição de “objetivos quantitativos para a imigração, ponderando a dimensão da segurança, priorizando em termos de qualificações e evitando a exploração por redes ilegais e criminosas”.

Manuel Caldeira Cabral alerta que “a imigração é determinante para o nosso mercado de trabalho, tendo em conta a escassez de mão-de-obra, nomeadamente na construção, mas não só”. “Os fluxos migratórios têm sido determinantes para alimentar o turismo e a exportação de serviços informáticos”, acrescentou.

Finalmente, há ainda outro tema onde pode existir discórdia: a TAP. O programa do PS é omisso quanto ao processo de privatização, sendo que o Governo demissionário tinha assumido esta intenção. Pedro Nuno Santos quer manter uma posição estratégica na companhia aérea, mas o programa não explora essa intenção.

Já a AD quer avançar com o processo de privatização e Luís Montenegro já sinalizou que defende que esta seja feita na totalidade, ou seja, que 100% do capital passe para os privados.

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