EUA voltam a vetar resolução que exigia cessar-fogo humanitário imediato em Gaza
A resolução, da autoria de Argélia e com amplo apoio dos países árabes, recebeu 13 votos a favor, um voto contra (Estados Unidos) e uma abstenção (Reino Unido) no Conselho de Segurança da ONU.
Os Estados Unidos vetaram esta terça-feira um projeto de resolução proposto pela Argélia no Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) que exigia um cessar-fogo humanitário imediato em Gaza. É a terceira vez, desde o início da guerra, que os EUA bloqueiam uma resolução sobre Gaza.
A resolução, da autoria de Algéria e com amplo apoio dos países árabes, recebeu 13 votos a favor, um voto contra (Estados Unidos) e uma abstenção (Reino Unido).
O veto norte-americano não apanhou o Conselho de Segurança da ONU de surpresa, uma vez que a embaixadora dos EUA, Linda Thomas-Greenfield, já havia anunciado no domingo que iria votar contra o texto da Argélia, argumentando que a proposta apoiada pelos países árabes poderia interferir nos esforços em prol de um acordo que resultaria na libertação de todos os reféns detidos pelo movimento islamita palestiniano Hamas.
Linda Thomas-Greenfield informou ainda que os Estados Unidos irão propor a sua própria resolução que pede um cessar-fogo temporário e “assim que possível” no enclave. Antes da votação, o representante da Argélia, Amar Bendjama, advogou que o “Conselho de Segurança não se pode dar ao luxo de ser passivo” face a um cessar-fogo em Gaza e afirmou que um voto contra a sua resolução implicaria um apoio à violência brutal e punição coletiva do povo palestinianos.
O embaixador israelita nas Nações Unidas voltou a apontar duras críticas à atuação das agências da organização no atual conflito no Médio Oriente, afirmando que “em Gaza, o Hamas é a ONU e a ONU é o Hamas”. Gilad Erdan, que falava na sessão do Conselho de Segurança da ONU, criticou as recentes palavras do coordenador humanitário da ONU, Martin Griffiths – de que o Hamas não é um grupo terrorista, mas um movimento político –, argumentando ser do conhecimento “de todos” que o grupo islamita palestiniano “se trata de uma organização terrorista”.
O diplomata israelita também criticou Philippe Lazzarini, chefe da agência da ONU para os refugiados palestinianos (UNRWA, na sigla em inglês), por dizer que os ataques de 7 de outubro contra Israel não foram um exemplo de antissemitismo, uma vez que não foram cometidos contra judeus por causa da sua religião, mas contra os israelitas pela ocupação da Palestina. Em relação à própria UNRWA, Erdan declarou mesmo que “12% dos funcionários [da agência] são membros do Hamas, e pelo menos 236 deles são terroristas ativos” naquela organização.
“O que prova que a UNRWA faz parte da máquina de terror do Hamas, o que faz dela uma organização terrorista”, acusou o diplomata, reforçando: “Em Gaza, o Hamas é a ONU e a ONU é o Hamas”. A retórica de Israel contra a ONU está a aumentar, após ter apelado à demissão do secretário-geral da organização, António Guterres, e ter desqualificado o trabalho das suas agências, como a ONU-Mulheres ou o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), supostamente por serem parciais com os palestinianos e nunca reconhecerem os pontos de vista das autoridades israelitas.
Por outro lado, Erdan reafirmou que o seu país não aceitará um cessar-fogo em Gaza, exceto “se o Hamas se render” e também libertar todos os reféns em seu poder. Numa sessão do Conselho de Segurança da ONU onde todos os países pediram de uma forma ou de outra um cessar-fogo em Gaza – temporário no caso dos Estados Unidos e definitivo nos restantes –, Erdan dedicou o seu discurso a atacar a própria ideia do fim das hostilidades.
“Um cessar-fogo alcança apenas uma coisa, que é a sobrevivência do Hamas (…), um cessar-fogo é a sentença de morte para Israel, um cessar-fogo significa impunidade para assassinos de bebés e violadores. Com um cessar-fogo em vigência, o Hamas irá reagrupar-se e armar-se”, argumentou.
Após a sessão do Conselho de Segurança, o porta-voz de Guterres, Stéphane Dujarric, reagiu às declarações do representante israelita e avaliou que “este tipo de declarações incendiárias não é útil para o trabalho humanitário” que a UNRWA tenta fazer em Gaza e em outras partes do Médio Oriente.
“A UNRWA é a espinha dorsal do trabalho humanitário que vem sendo feito em Gaza, com um grande custo para os seus próprios trabalhadores. A UNRWA continua a ser a espinha dorsal não só do trabalho humanitário, como também do trabalho de desenvolvimento socioeconómico e educacional para refugiados palestinianos (…). Pedimos novamente aos doadores que apoiem o trabalho crítico que a UNRWA desenvolve”, apelou Dujarric, numa conferência de imprensa em Nova Iorque.
Em relação ao veto norte-americano, o porta-voz de Guterres recordou que sempre que um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança – China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia – usa o seu poder de veto, terá de prestar explicações à Assembleia-Geral da ONU, pelo que Washington também o terá de fazer.
“A mensagem do secretário-geral tem sido pedir repetidamente um cessar-fogo humanitário em Gaza. O secretário-geral continua a esperar que o Conselho de Segurança encontre forma de falar a uma só voz sobre esta questão”, frisou. “É importante recordar que uma séria de resoluções já foram aprovadas desde 7 de outubro (data do ataque do Hamas a Israel), e é importante que os membros do Conselho e a comunidade internacional continuem os seus esforços para avançar na implementação das resoluções já aprovadas”, reforçou Dujarric.
Face a este novo veto, o representante da Palestina junto à ONU, Riyad Mansour, admitiu a possibilidade de levar a resolução a votos na Assembleia-Geral, onde é praticamente certo que seria aprovada. Contudo, ao contrário das resoluções do Conselho de Segurança, as resoluções da Assembleia-Geral não são vinculativas.
“Temos todas as opções em aberto. Retomar uma sessão de emergência da Assembleia-Geral seria uma das opções a considerar seriamente. Vamos decidir como fazê-lo e ver se usaríamos a mesma linguagem (usada na resolução proposta pela Argélia) ou uma linguagem diferente”, disse Mansour em declarações à imprensa no final da reunião do Conselho de Segurança. “Mas não vamos ceder até alcançarmos um cessar-fogo”, sublinhou.
A embaixadora norte-americana junto à ONU, Linda Thomas-Greenfield, justificou o seu veto com o argumento de que o texto da Argélia “colocava em risco as delicadas negociações” em curso pela libertação de todos os reféns e por uma pausa de seis semanas nos combates. De acordo com a diplomata, um cessar-fogo imediato “daria ao Hamas a cobertura de não libertar os reféns”.
Por outro lado, Thomas-Greenfield anunciou que os Estados Unidos irão propor a sua própria resolução que pede um cessar-fogo “temporário” e “assim que possível” no enclave palestiniano. Além disso, o texto de Washington opõe-se também a uma ofensiva terrestre em Rafah, no sul do enclave.
“Estamos ansiosos por continuar a trabalhar com o Conselho nesta proposta: uma que prevê um cessar-fogo temporário assim que possível, com base na fórmula da libertação de todos os reféns. E que colocaria a ajuda nas mãos dos palestinianos que dela necessitam tão desesperadamente”, defendeu a diplomata norte-americana em declarações à imprensa no final da sessão.
O conflito em curso entre Israel e o Hamas, que desde 2007 governa na Faixa de Gaza, foi desencadeado pelo ataque do movimento islamita em território israelita em 7 de outubro. Nesse dia, 1.139 pessoas foram mortas, na sua maioria civis mas também perto de 400 militares, segundo os últimos números oficiais israelitas. Cerca de 240 civis e militares foram sequestrados, com Israel a indicar que 134 permanecem na Faixa de Gaza.
Em retaliação, Israel, que prometeu destruir o movimento islamita palestiniano, bombardeia desde então a Faixa de Gaza, onde, segundo o governo local liderado pelo Hamas, já foram mortas mais de 29.000 pessoas – na maioria mulheres, crianças e adolescentes – e feridas cerca de 70.000, também maioritariamente civis. Cerca de 8.000 corpos permanecem debaixo dos escombros, de acordo com as autoridades locais.
(Notícia atualizada pela última vez às 20h35)
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