A Economia da Dessalinização e o caso português

  • Filipe de Vasconcelos Fernandes
  • 20 Fevereiro 2024

A dessalinização pode representar um contributo muito relevante para o contexto de iminente “stress hídrico” que vem assolando o território nacional.

1. A emergência da dessalinização – breve introito comparativo

A escassez de água é um problema do nosso tempo, bem como daquele que se lhe seguirá.

As causas são muito vastas e diferenciadas, desde a volatilidade dos anos hidrológicos até à percentagem de degradação dos solos.

Assim sucede, sobretudo, em territórios onde é mais expressiva e acelerada a desertificação, como sucede nos casos da bacia do Mediterrâneo e da Península Ibérica.

A tal acresce uma circunstância particular: a água doce é um recurso cada vez mais escasso à escala planetária – em termos aproximados, apenas 3% das águas são doces – e dois terços não estão disponíveis, dado que estão em forma de gelo ou apresentam condições de inacessibilidade.

Neste contexto, há muito que a opção pela dessalinização vem pontificando em vários países, sendo exemplo mais próximo o caso de Espanha – de acordo com dados da Fundação Aquae, existe atualmente um total de 765 estruturas de dessalinização em território espanhol (360 de água do mar e 405 de água salobra) que produzem mais de 100 m³/dia.

Ainda em relação ao caso espanhol, e para os propósitos que mais gostaríamos de salientar, o número de centrais de dessalinização de maior capacidade (com capacidade para produzir entre 10.000 e 250.000 m³/dia) ascende atualmente a 99, sendo que 68 incidem sobre água do mar e as restantes 31 de água salobra.

Com relativa proximidade ao caso português, outros casos expressivos poderão ser invocados, tais como os de Marrocos ou Argélia.

Ainda à escala internacional, outros poderão ser os exemplos oferecidos, bastando considerar casos tão relevantes como os da Arábia Saudita, Austrália, Estados Unidos da América ou Emirados Árabes Unidos.

Conforme se verifica, ainda que em termos abreviados, o cenário comparado – em especial, o que mais se aproxima da geografia física nacional – evidencia uma forte tendência de crescimento do segmento da dessalinização.

Ainda assim, existem vários desafios à economia da dessalinização, de cuja ultrapassagem dependerá a sua plena utilização, a uma escala economicamente viável, inclusive em Portugal.

2. Alguns dos principais trade-off’s da economia da dessalinização

Conforme referimos anteriormente, vários são os desafios à economia da dessalinização.

Por uma questão de sistematização e brevidade, agregamos alguns dos prós e contras da economia da dessalinização (tendo por referência o caso da dessalinização de água do mar) no seguinte quadro:

Qualquer um dos contras enunciado é relevante e carece de respostas à altura, tanto no plano tecnológico como, de igual forma, na perspetiva das políticas públicas.

Ofereçamos apenas dois exemplos.

Os riscos associados ao consumo intensivo de energia podem ser mitigados justamente por força da acoplagem a vetores energéticos renováveis, de que é exemplo a energia solar fotovoltaica.

De igual forma, o impacto ambiental associado às descargas de salmoura – em nosso entender, o mais crítico e estruturante desafio à economia da dessalinização, lado a lado com a escalabilidade dos projetos em função da geografia – começa a conhecer algumas soluções de mitigação, desde o recurso à biotecnologia azul (em especial, o cultivo de cianobactérias) até ao seu reaproveitamento e valorização económica, sendo exemplos o gesso ou aplicações para fertilizantes ricos em potássio e magnésio.

Em última instância, conforme sucede noutros setores, o longo-prazo permitirá um progressivo esbatimento dos valores de CAPEX e OPEX.

3. O caso português e o futuro

Por todas as razões enunciadas, torna-se fácil compreender de que forma a dessalinização pode representar um contributo muito relevante para o contexto de iminente “stress hídrico” que vem assolando o território nacional – lado a lado com uma eficiência crescente na utilização dos recursos hídricos disponíveis, incluindo a (decisiva) dimensão do combate ao desperdício.

Como é do conhecimento público, em 2026 será criada, em Albufeira, a Estação de Dessalinização de Água do Mar do Algarve, que terá como capacidade inicial de produção cerca de 16 milhões de m3/ano, com potencial de aumento da capacidade para 24 milhões m3/ano.

Trata-se de um passo particularmente importante para a redefinição de uma (até ao momento, inexistente) reforma do planeamento hídrico em Portugal.

Precisamente pelo marco representativo que acarreta, a construção da primeira central em território continental não pode considerar-se isoladamente ou tão pouco como solução única, em especial para o problema da resiliência dos sistemas de abastecimento.

Ao invés, é justamente este o momento de perspetivas novas políticas públicas fortemente incentivadoras da coesão territorial e da justa distribuição dos custos (económicos, sociais e ambientais) envolvidos no planeamento hídrico, tais como a correta monitorização de medidas de mitigação e compensação da dessalinização, a estabilidade tarifária e, não menos importante, a sustentabilidade na respetiva utilização.

  • Filipe de Vasconcelos Fernandes
  • Assistente na Faculdade de Direito de Lisboa e counsel na Vieira de Almeida

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