Exclusivo Cerca de 10% dos concursos lançados pelas autarquias para construir habitação acessível ficam desertos

  • Ana Petronilho
  • 22 Fevereiro 2024

Das centenas de concursos lançados para construir ou reabilitar imóveis para habitação acessível há "20 ou 30" que ficaram desertos, devido a baixos preços base e ao reduzido volume de empreitada.

  • O ECO vai divulgar 5 séries semanais de trabalhos sobre temas cruciais para o país, no período que antecede as eleições legislativas de 10 de março. Os rendimentos das famílias, o crescimento económico, a crise da habitação, o investimento em infraestruturas e os problemas da Justiça vão estar em foco. O ECO vai fazer o ponto da situação destes temas, sintetizar as propostas dos principais partidos e ouvir a avaliação dos especialistas.

O Estado está a correr contra o tempo para cumprir com a meta da Comissão Europeia de construir 32.800 fogos até 31 de dezembro de 2026. Porém, a tarefa está longe de ser bem-sucedida.

Entre as centenas de concursos públicos lançados pelas autarquias para a construção ou reabilitação de imóveis para habitação acessível do Estado, há “5% a 10%” que ficam desertos, refere ao ECO Pedro Dominguinhos, presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento (CNA) do PRR.

Isto significa que, só em 2023, contabilizaram-se “entre 20 a 30” concursos que encerraram sem que qualquer empresa se tivesse candidatado.

Pedro Dominguinhos diz ainda que, apesar de assistir a uma recente redução de concursos desertos, este é, ainda assim, um “número significativo” e que pode colocar em risco o cumprimento da meta “ambiciosa” contratada com Bruxelas.

Para o presidente da CNA do PRR, a ausência de interessados dos concursos lançados justifica-se por duas razões: por um lado, como resultado de “um preço base baixo para as condições do mercado com que os concursos foram lançados”, acabando por “não gerar procura junto das empresas”. E, por outro lado, “e em particular nos concursos para reabilitação de casas, o volume da empreitada era reduzido, o que desincentivou os empreiteiros”.

Segundo os últimos dados do IHRU com data de 9 de janeiro deste ano, há 281 municípios com projetos de habitação acessível para a construção ou reabilitação de 15.936 habitações candidatadas a verbas do PRR.

Nos últimos três meses, a equipa de peritos da comissão de acompanhamento do PRR tem feito visitas ao terreno junto das 281 autarquias com projetos em curso para a construção ou reabilitação de casas para o programa 1.º Direito, que apoia famílias carenciadas sem capacidade financeira ter uma habitação, ou com projetos de construção de casas públicas a custos acessíveis.

Neste período, Pedro Dominguinhos diz ao ECO que tem havido “uma diminuição dos concursos desertos”, quer porque “os preços-base aumentaram”, por via da reprogramação do PRR, quer também “pela agregação de várias habitações nos procedimentos concursais, que os tornam mais atrativos”.

Em jeito de aviso, o presidente da comissão de acompanhamento do PRR acentua que o ano de 2024 “é crucial” para o cumprimento da meta fixada com a Comissão Europeia porque “o volume de obra pública lançada será muito significativo” num contexto em que há “dificuldades de contratação de mão-de-obra”, sendo, por isso, “importante que a indústria da construção consiga dar resposta”, havendo ainda outros “riscos identificados”.

Desde logo a falta de “capacidade de resposta do IHRU às candidaturas apresentadas”, passando pela “concretização da obra contratualizada pelas autarquias e pelos empreiteiros”, a que se soma “uma carga burocrática associada ao início de obra” num contexto de duas guerras em curso e quando se assiste a um “aumento dos preços, das taxas de juro e à disrupção das cadeias de abastecimento”.

Lisboa, Setúbal e Oeiras são as autarquias com maior investimento

O prazo para as autarquias submeterem candidaturas ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) para ter acesso a verbas de financiamento dos projetos de habitação acessível termina a 31 de março.

Entre as 308 autarquias do país há, segundo os últimos dados do IHRU com data de 9 de janeiro deste ano, 281 municípios com projetos de habitação acessível para a construção ou reabilitação de 15.936 habitações candidatadas a verbas do PRR, tendo sido concluídas, até àquela data, cerca de 2.087 casas.

Com o aproximar do fim do prazo, o número de candidaturas das autarquias têm aumentado, refere Pedro Dominguinhos, notando que, do universo de 281 municípios com projetos, Lisboa, Setúbal e Oeiras eram, a 31 de janeiro deste ano, as Câmaras com o maior investimento já contratualizado.

No caso de Lisboa, o valor ascende a 95 milhões de euros, em Setúbal 68 milhões de euros e em Oeiras 48 milhões de euros. Mas o presidente da comissão de acompanhamento do PRR salienta ainda “investimentos relevantes” noutras zonas do país como Coimbra, Loulé, Portalegre, Peso da Régua, Braga, Cinfães, Monção.

Valores que “irão crescer nos próximos meses”, quer pela “assinatura de novos contratos no programa de acesso à habitação quer também pelos contratos de Oferta Pública de Aquisição”, procedimento que passa pela compra de casas para que sejam, posteriormente, atribuídas através do programa 1.º Direito.

No último relatório da comissão de acompanhamento do PRR, divulgado em novembro, o nível de execução do investimento nas casas para o 1.º Direito foi considerado “preocupante”.

Os peritos da comissão de acompanhamento têm registado um “o aumento, pelas autarquias, do recurso à Oferta Pública de Aquisição de fogos a serem construídos por entidades privadas”, que depois de construídos serão disponibilizados, para arrendamento. Esta modalidade tem tido “um acolhimento positivo junto do mercado, trazendo um acréscimo de confiança e de expectativas para a concretização” da meta contratualizada, diz.

O próximo balanço da execução das verbas do PRR para a habitação e dos projetos em curso só será conhecido no próximo relatório que será divulgado no início de junho.

No último relatório da comissão de acompanhamento do PRR, divulgado em novembro, o nível de execução do investimento nas casas para o 1.º Direito foi considerado “preocupante”, tendo em “atenção os riscos identificados, nomeadamente face a concursos desertos, à perspetiva de aumento de custos e à insuficiência de casas no mercado, para reabilitação” tanto da propriedade das autarquias ou do IHRU ou as que estavam disponíveis para aquisição.

Nessa altura, “das 1.081 candidaturas submetidas (mais de 11.600 habitações), 743 estão aprovadas (mais de 8 mil habitações). Das cerca de 300 que faltam, há que realçar candidaturas de municípios mais pequenos, que poderão ter menos habitações, mas que também poderão necessitar de um maior apoio durante o processo”, refere ainda o relatório.

Também o investimento nos projetos para aumentar o parque público de habitação foi considerado “preocupante” quando, apesar de estarem àquela data identificados 10 mil imóveis devolutos do Estado para serem alocados a habitações, naquela altura, ainda não estava “ultrapassada toda a fase de identificação de terrenos ou imóveis, verificação de registos, avaliação para efeitos de adequação ao uso de habitação, bem como todas as fases de projetos, concursos públicos e obra”.

Portugal é o quinto país da União Europeia em que o PRR tem maior impacto no PIB até 2026. O PRR português ascende a um total de 22,2 mil milhões de euros em subvenções e empréstimos e abrange 57 reformas e 284 investimentos.

Deste total, a maior fatia é alocada aos projetos de habitação que subiu de 2,7 mil milhões para 3,2 mil milhões de euros a fundo perdido para construir, até ao final de 2026, 32 mil fogos.

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