“Que o voto não sirva para tirar direitos”. Função Pública exige aumentos salariais, de olho nas urnas

Ganhe a direita ou a esquerda, sindicatos da Função Pública deixam claro que o salário deve ser prioridade. Também revisão das carreiras é destacada pelos sindicatos, que ameaçam com "verão quente".

A poucos dias da ida às urnas, os sindicatos da Administração Pública deixam claro que, ganhe quem ganhar, a valorização dos salários deve ser uma prioridade na próxima legislatura. E há mesmo quem defende que o acordo plurianual celebrado com o Governo de António Costa deve ser cumprido, ainda que a direita venha a conseguir a vitória, já que o entendimento foi feito com o Estado enquanto empregador.

“Está a discutir-se muito pouca política. O grande centro da campanha é qual é que vai ser o resultado, mais do que as propostas. É uma inversão absoluta“, começa por atirar Sebastião Santana, coordenador da Frente Comum, em conversa com o ECO.

O sindicalista entende que, para o Governo que resultar das eleições de 10 de março, a subida dos salários, bem como o reforço dos serviços públicos devem ser prioritários, apelando, por isso, a que os trabalhadores da Administração Pública usem o voto para defender o seu trabalho.

“Que o voto não sirva para lhes tirar direitos“, sublinha o sindicalista, que defende que é preciso “ter memória” isto é, não esquecer as políticas dos partidos que têm estado no poder nas últimas décadas (PSD, CDS e PS) e o seu impacto nas condições dos trabalhadores, nomeadamente as carreiras e os ordenados.

Também José Abraão, da Federação de Sindicatos da Administração Pública (FESAP), frisa que a valorização salarial de todos os trabalhadores do Estado deve ser uma das prioridades do novo Governo. “O acordo [em 2022 com o Governo de António Costa] que celebramos garantia isso. É preciso continuar esta valorização. Não aceitamos retrocessos“, afirma o sindicalista.

O referido entendimento previa que, em todos os anos da legislatura — que acabou por ser interrompida –, os funcionários públicos teriam aumentos salariais de 52 euros.

Ora, José Abraão — que tem, importa notar, uma ligação histórica ao PS, e é o número seis na lista desse partido ao círculo eleitoral de Coimbra — destaca que só o PS garantiu até agora que cumprirá esse acordo celebrado com duas das três grandes estruturas sindicais (a Frente Comum ficou de fora).

Já os demais partidos, nomeadamente a Aliança Democrática (AD), “não se comprometeram” até agora, assinala o mesmo. Isto ainda que, segundo José Abraão, faça sentido que venham a cumprir o acordo, até porque este foi feito com o Estado enquanto empregador, e não com um partido em particular.

No seu programa eleitoral, a AD diz apenas que as despesas com pessoal devem crescer 4.5% por ano entre 2025 e 2028. Tal não quer isto dizer que a coligação de direita se compromete com aumentos de 4,5% para os funcionários públicos. Essas despesas incluem, além de aumentos, a revisão de carreiras e as naturais progressões e promoções. Ou seja, a AD não detalha o que quer aplicar aos salários da Função Pública, nem refere o acordo assinado em 2022.

Esse entendimento contou com o “sim” da FESAP, mas também do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE). Ao ECO, a dirigente Maria Helena Rodrigues diz agora que é preciso dignificar e valorizar aqueles que trabalham, tanto no público, como no privado.

E no que diz respeito especificamente ao emprego no Estado, a sindicalista sublinha que há “um conjunto de funções na Administração Públicas desenvolvidas por trabalhadores cada vez mais qualificados“, que devem ser remuneradas de forma condizente, declara.

“Ficou muito por fazer” nas carreiras

José Abraão, secretário-geral da Federação de Sindicatos da Administração Pública (FESAP), em entrevista ao ECO - 13SET23

Outro tema prioritário para a próxima legislatura para os sindicatos que representam os trabalhadores da Administração Pública é a revisão das carreiras, tema sobre o qual “muito pouco se tem falado“, reconhece o líder da FESAP.

O acordo celebrado com o Governo de António Costa previa esse processo, mas a interrupção antecipada do mandato veio colocar esses compromissos sob ameaça. No entanto, para José Abraão, este deve ser um dos primeiros dossiers do próximo Governo, no que diz respeito à Função Pública.

Ficou muito por fazer” do acordo celebrado com o Governo de António Costa, assinala, na mesma linha, a dirigente do STE, referindo-se, nomeadamente, à falta de revisão de algumas das carreiras, o que está a afetar a motivação dos trabalhadores, alerta.

“Desejamos que os trabalhadores da Administração Pública tenham carreiras dignas. É com trabalhadores motivados e carreiras dignas que se presta o melhor serviço aos cidadãos“, realça Maria Helena Rodrigues, que salienta que a campanha eleitoral “tem sido rica em temas”.

“A carreira docente está desfeita”

Mário Nogueira, Secretário-geral da Fenprof, em entrevista ao ECO - 04SET23

A Função Pública como um todo não tem sido um dos temas mais marcantes da campanha eleitoral, mas o mesmo não pode ser dito da educação Tem sido um dos temas “quentes” desta campanha eleitoral, com os partidos a concordarem que o setor enfrenta uma grave falta de professores e peca na atratividade da carreira.

E já há um consenso generalizado sobre a recuperação integral do tempo de serviço dos professores — ao contrário do que sucedeu em 2019, cujo tema chegou a desencadear uma crise política –, ainda que os moldes para lá chegar divirjam.

“Temos um grave problema de falta e atratividade de professores”, resume o secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), notando que esta circunstância “está a afastar cada vez mais os jovens que se candidatam ao ensino superior da profissão“, bem como aqueles que “são professores e que ao fim de algum tempo acabam por abandonar”.

Atualmente, o ensino público conta com cerca de 130 mil professores. No entanto, face ao crescente número de aposentações, que não “compensam” as novas entradas e que este ano poderão ficar “muito próximas das 5 mil”, é preciso contratar mais de 30 mil professores até 2030.

O défice tem levado a que milhares de alunos fiquem sem aulas a determinadas disciplinas. Por isso, os sindicatos defendem que é “urgente” uma revisão da carreira. “A carreira docente está desfeita porque não é contado o tempo de serviço e os professores são travados na sua progressão normal, mesmo quando têm uma ótima avaliação, quer pelas quotas, quer pelo acesso a determinados patamares da carreira”, alerta Mário Nogueira, em declarações ao ECO.

Para aumentar a atratividade da carreira é preciso aumentar os salários, nomeadamente nos “patamares de ingresso”, que “são extremamente baixos”, defende o líder da maior organização sindical dos professores, notando que como são normalmente os mais jovens que são colocados mais longe de casa “acabam, muitas vezes, por não ir porque o salário não é suficiente para pagar não só as deslocações como principalmente os custos da habitação”.

Por outro lado, o setor queixa-se também das condições laborais, nomeadamente da elevada carga burocrática, que conduz a que ultrapassem o horário laboral estabelecido de 35 horas semanais e que levam ao “desgaste dos profissionais e muitas a situações de stress e burnout“.

Além disso, ao ECO, Mário Nogueira diz ainda que é preciso que a escola pública se adapte às exigências atuais, nomeadamente ao facto de haver um número crescente de alunos estrangeiros. “As escolas têm que ter professores para a língua portuguesa não materna, mas não têm. Nem sequer há uma disciplina. São os outros professores de português que tentam ver como é que conseguem ajudar”, explica, defendendo ainda a contratação de assistentes operacionais, assistentes sociais, psicólogos e terapeutas para apoiarem os alunos com necessidades específicas.

Falta de médicos deixa SNS em crise

Com o SNS sob pressão, a saúde é também um dos temas que mais tem marcado esta campanha eleitoral. E se há consenso entre os partidos de que esta área enfrenta uma crise, esquerda e direita dividem-se nas soluções, com a presença dos privados o grande fator de separação.

Para os dois maiores sindicatos representantes dos médicos, os problemas já estão identificados e prendem-se, sobretudo, com a falta de médicos no SNS e a pouca capacidade que o sistema público tem de os reter, nomeadamente devido às grelhas salariais e às condições laborais.

“Há uma carência gritante de médicos no SNS. E, por isso, desde logo, a nossa principal reivindicação é a valorização salarial“, afirma o secretário geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), ao ECO.

Jorge Roque da Cunha lembra, que, apesar do orçamento do SNS ter aumentado 72% entre 2015 e 2024, este aumento não se refletiu numa subida dos salários destes profissionais, dando como exemplo que neste período “o aumento salarial do primeiro grau da carreira médica se quedou em 19,5%”.

Além disso, “a inflação acumulada aproximou-se dos 23%”, a que acresce “o aumento da carga fiscal que se verificou”, nota o responsável, lembrando que o acordo intercalar que entrou em vigor este ano e que estipulou aumentos de até cerca de 15% não é suficiente para recuperar o poder de compra perdido nos últimos anos.

Continuam a faltar médicos em todas as áreas“, corrobora a presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), ao ECO, sublinhando que isso reflete-se nos 1,7 milhões de cidadãos sem médicos de família, na “lista de espera monstra” para consultas e cirurgias e nos constrangimentos das urgências, onde a ginecologia-obstetrícia e a pediatria são das mais afetadas.

Para além da revisão das grelhas salariais, os sindicatos representantes dos médicos apontam que é “fundamental” melhorar as condições laborais. Em linhas gerais, defendem, por isso, a reposição das 35 horas de horário de trabalho semanal (equiparando-os à restante Função Pública), a reposição das 12 horas de serviço de urgência face às atuais 18 horas, a reposição dos médicos internos na carreira e apoios para a formação dos médicos.

Por outro lado, querem ainda que o próximo Governo invista em equipamentos e instalações e que essas verbas não fiquem no “papel”.

Enfermeiros também colocam foco nos salários

O número de enfermeiros tem aumentado desde a governação de António Costa, mas Portugal surge entre os dez países da OCDE com menos enfermeiros por habitantes, apresentando um rácio de 7,1 enfermeiros por mil habitantes. Por isso, o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) quer que o próximo Governo reveja a carreira, com a “necessária valorização da grelha salarial” e “a compensação do risco e da penosidade através da aposentação mais cedo”.

Os sindicatos dos médicos e dos enfermeiros gostariam ainda de voltar a discutir com o próximo elenco governativo alguns diplomas que já foram publicados pelo atual Executivo. No que respeita à dedicação plena, o secretário-geral do SIM considera que são necessários “alguns ajustes”, nomeadamente quanto ao obrigatoriedade das 250 horas extraordinárias, à “obrigatoriedade dos médicos abandonarem o seu local de trabalho para as urgências metropolitanas” e à obrigatoriedade de os médicos trabalharem, pelo menos, uma vez por mês ao sábado.

Também a FNAM, que pediu ao Tribunal Constitucional uma fiscalização do diploma, partilha das mesmas reivindicações e diz que está ainda contra a jornada de trabalho de nove horas e a perda do direito compensatório para quem faz noite. Já o SEP, lamenta que este diploma não tenha sido negociado “negociado com nenhum dos sindicatos dos enfermeiros” e que não haja “qualquer mecanismo de compensação” para estes profissionais, mas insiste na dedicação exclusiva para todos os profissionais de saúde.

E se o SIM considerou como o ” ponto positivo” do atual Governo a generalização das USF modelo B –, em que os profissionais ganham mediante critérios de desempenho –, FNAM e SEP querem voltar a negociar o diploma. “Estes incentivos não valorizaram devidamente os enfermeiros e mantêm a discriminação” entre a classe, remata José Carlos Martins.

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