Crescimento dos salários adia corte de juros do Banco Central Europeu

O BCE vai continuar paciente, esperando pelos dados dos salários e confirmação de descida da inflação antes de cortar os juros. Taxa dos depósitos só deve baixar em junho.

Com a economia da Zona Euro estagnada e a inflação a manter uma trajetória de alívio, o Banco Central Europeu (BCE) vai anunciar esta quinta-feira a manutenção das taxas de juro no nível mais elevado de sempre. Será o sexto mês em que a taxa dos depósitos permanece em 4%, sendo expetável que continue neste patamar pelo menos mais três meses. As taxas de juro aplicáveis às operações de refinanciamento (4,5%) e de cedência de liquidez (4,75%) também vão ficar estáveis.

No final do ano passado, muitos investidores e analistas apontavam para que o BCE iniciasse em março o ciclo de descida das taxas de juro. Contudo, desde então, a inflação moderou de forma mais suave do que o previsto e a economia da Zona Euro, apesar de persistir com um fraco desempenho, continua distante de uma recessão pronunciada.

Entre outubro de 2023 e fevereiro deste ano, a inflação da Zona Euro baixou apenas três décimas. O indicador subjacente, que exclui alimentos e energia, recuou 1,1 pontos percentuais mas permanece acima dos 3%. Depois de ter contraído 0,1% no terceiro trimestre, o PIB da Zona Euro registou um crescimento nulo nos últimos três meses de 2023. Os últimos indicadores continuam a apontar para uma atividade económica estagnada.

A evolução destes dados económicos deu força para os responsáveis do BCE persistirem com uma abordagem paciente, transmitindo uma mensagem cautelosa com a alteração da política monetária. Com a inflação a manter-se substancialmente acima da meta dos 2%, não chegou ainda a altura de o banco central sinalizar uma redução de juros para breve.

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Acresce que os responsáveis do BCE têm destacado uma preocupação crescente com o impacto da evolução dos salários nas pressões inflacionistas. Os dados referentes ao quarto trimestre foram classificados de “encorajadores” por Christine Lagarde, mas a presidente do BCE salientou que será necessário esperar pelos números do primeiro trimestre (já incluem uma fatia considerável dos acordos salariais para 2024) para ter uma visão mais firme.

Os salários na Zona Euro registaram um crescimento homólogo de 4,5% no último trimestre de 2023, no primeiro abrandamento desde junho de 2022. Os dados dos primeiros três meses de 2023 não estarão disponíveis a tempo da próxima reunião de 11 de abril, daí que a generalidade dos economistas esteja agora a apontar 6 de junho como a data mais provável para o primeiro corte de juros na Zona Euro.

O BCE calcula que o ritmo de crescimento dos salários tem de moderar para 3% por forma a inflação aliviar para a meta dos 2%. Acresce que o mercado de trabalho da Zona Euro continua bastante resiliente, com a taxa de desemprego na região a baixar para um mínimo histórico de 6,4% em janeiro.

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A reunião desta quinta-feira será também marcada pela atualização das projeções macroeconómicas do staff do BCE, o que poderia representar uma oportunidade para o banco central dar mais um passo em frente em direção à remoção da política monetária restritiva. Isto porque os economistas aguardam que o BCE reduza as estimativas para o crescimento do PIB e evolução da inflação.

O Goldman Sachs espera que o BCE baixe a projeção do PIB para um crescimento de 0,6% em 2024 (0,8% em dezembro) e reduza a estimativa da inflação deste ano em quatro décimas para 2,3%, com o indicador atingir a meta dos 2% em 2025. A Capital Economics está mais pessimista, apontando para um crescimento de apenas 0,5% no PIB este ano, uma previsão que classifica de otimista.

Resistir à tentação

Na habitual sondagem publicada pela Reuters antes da reunião de política monetária do BCE, cerca de dois terços dos economistas estimam que o primeiro corte de juros vai acontecer em junho. O inquérito conduzido pela Bloomberg também aponta para junho, com os economistas a concordarem que seria um erro mais grave o BCE agir de forma precipitada, face a esperar demasiado tempo para aliviar a política monetária.

O líder do banco central da Alemanha tem efetuado declarações neste sentido, alertando que o BCE deve resistir à tentação de cortar os juros antes de aceder a dados chave que só serão conhecidos no segundo trimestre. “Apesar de parecer muito tentador, é demasiado cedo para cortar juros”, disse Joachim Nagel, acrescentando que “só vamos receber dados mais detalhados sobre como estão as pressões inflacionistas no segundo trimestre”. Só depois “poderemos contemplar um corte de juros”.

Deverá ser esta a tónica do discurso que será adotado esta quinta-feira por Christine Lagarde, com os economistas a admitirem apenas ligeiros ajustes na comunicação da líder do BCE que podem reforçar a probabilidade de cortes de juros em junho.

“Esperamos que Lagarde destaque que as projeções [para a inflação] são encorajadoras, que o Conselho do BCE permanece dependente dos dados, mas que necessita de mais confiança de que a inflação regressará a 2% de forma atempada e sustentável”, refere o Goldman Sachs, admitindo que Lagarde vai utilizar a terminologia “mais alguns meses” para que os juros possam baixar.

A Capital Economics espera alterações ligeiras no conteúdo do comunicado que será emitido pelo BCE, qualificando a tendência descendente da inflação, mas reiterando a indicação de que “as taxas de juro do BCE estão num nível que, se forem mantidas por um período suficientemente longo, darão um contributo substancial” para atingir as metas de inflação.

O nível persistente da inflação subjacente, especialmente nos serviços, a incerteza relativamente à evolução dos salários e a confiança inesgotável numa recuperação económica na Zona Euro impedem o BCE de reduzir os juros. Em junho o banco central já terá disponíveis dados suficientes, que vão confirmar se a besta da inflação foi realmente domesticada, ou se existe uma nova pressão ascendente sobre os preços.

Carsten Brzeski, Global Head of Macro do ING

O ING também aguarda alterações “subtis” no comunicado do BCE que abram caminho para um corte de juros em junho. O nível “persistente da inflação subjacente, especialmente nos serviços, a incerteza relativamente à evolução dos salários e a confiança inesgotável numa recuperação económica na Zona Euro impedem o BCE de reduzir os juros” agora, refere o economista Carsten Brzeski, salientando que em junho o banco central já terá “disponíveis dados suficientes, que vão confirmar se a besta da inflação foi realmente domesticada”, ou se existe “uma nova pressão ascendente sobre os preços”.

Por outro lado, “qualquer revisão em baixa do perfil de crescimento e sinais de que a inflação poderá atingir os 2% antes do terceiro trimestre do próximo ano abrem a porta a cortes antecipados nos juros”. Neste caso, segundo o ING, o BCE teria de incluir no seu comunicado que o Conselho do BCE teve “uma primeira discussão sobre as condições prévias para cortes de juros”, ou que “foi decidido iniciar esta discussão na próxima reunião” de abril.

Um cenário pouco provável, uma vez que até os economistas que aguardavam descidas de juros em abril estão agora a deslocar a estimativa para junho. É o caso do Goldman Sachs e da Capital Economics, que também reduziram o número de descidas esperadas para 2024.

O Goldman Sachs espera cortes consecutivos de 25 pontos base a partir de junho, com o ciclo a terminar nos 2,25% em 2025. Ou seja, cinco baixas na taxa dos depósitos em 2024 (antes estimava seis) e mais duas no próximo ano. A Capital Economics aponta para apenas quatro cortes este ano (total de 100 pontos base), mas também estima uma taxa terminal de 2,25% em meados de 2025.

Os responsáveis do BCE “têm dito que estão à espera dos dados dos salários do primeiro trimestre antes de decidirem cortes de juros. Mas estes dados devem evidenciar apenas uma pequena redução da taxa de crescimento anual”, pelo que “apesar de junho ser a reunião mais provável para o primeiro corte de juros, existe uma hipótese significativa de tal não acontecer antes de julho ou setembro”, alerta Andrew Kenningham, Chief Europe Economist da Capital Economics.

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