Conselho de Finanças Públicas pede reforma urgente do fundo de reserva da Segurança Social

Depois dos vários alertas do Tribunal de Contas, agora é a vez do Conselho de Finanças Públicas alertar para uma reforma e reforço do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.

O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) teve um desempenho histórico em 2023, fechando o ano com uma rendibilidade anual, líquida de transferências, de 9,1% e quase 30 mil milhões de euros de ativos sob gestão. Tratou-se do melhor resultado alcançado pela gestão desde 2014 e numa dotação recorde.

No entanto, esses feitos não servem para apagar uma série de problemas na gestão e estrutura do FEFSS, apontados tanto pelo Tribunal de Contas, como por muitos outros especialistas, como Nazaré da Costa Cabral e Noémia Goulart, presidente e vogal do conselho superior do Conselho de Finanças Públicas (CFP), respetivamente.

Um dos pontos críticos apontado pelas autoras de um estudo publicado esta terça-feira denominado de “O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social” assenta na falta de precisão na legislação e regulamentação aplicáveis ao FEFSS, especialmente no que se refere aos objetivos genéricos do fundo, que tem permitido uma ampla gama de usos e decisões discricionárias pelo Governo, sem claras diretrizes quanto ao seu acionamento e propósito específico, e que tem potenciado que a “almofada” da Segurança Social tenha sido utilizada muitas vezes como arremesso político por diferentes Governos ao longo dos seus 35 anos de existência.

“Verifica-se que o FEFSS se encontra fracamente blindado do ponto de vista jurídico-financeiro, o que abre a porta a utilizações espúrias, para fins outros que não os de salvaguarda de pagamento de pensões em caso de necessidade financeira futura, em resultado de um desequilíbrio duradouro do sistema previdencial-repartição”, escrevem Nazaré da Costa Cabral e Noémia Goulart.

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As autoras do estudo referem também que a governação do FEFSS apresenta uma forte dependência da entidade gestora, o Instituto de Gestão dos Fundos de Capitalização da Segurança Social (IGFCSS), relativamente ao poder político, que se reflete na gestão e nas opções de investimento do fundo.

Tal situação é evidenciada, por exemplo, na composição da reserva estratégica, que é constituída por investimentos considerados estratégicos pelo Estado Português e que “não trouxeram, até à data, ganhos [financeiros] relevantes para o sistema da segurança social”, notam as autoras do estudo, sublinhando também que “ao longo dos últimos 20 anos, a gestão do fundo tem vindo a reduzir esta reserva, por vezes com menos-valias assinaláveis, como sucedeu com a venda das ações da PT (Zon) Multimédia ou da Finpro, empresa que entrou em processo de insolvência”.

A afirmação da vocação estrutural do IGFCSS ao serviço da sustentabilidade das pensões em Portugal implica a proteção da (autonomia) da sua gestão face a tentativas de o instrumentalizar na promoção de outros fins políticos que, por muito salutares que sejam (e.g. política de habitação), podem prejudicar aqueloutro.

Nazaré Costa Cabral e Noémia Goulart

O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social

Recorde-se que a reserva estratégica pode concentrar até 5% da carteira do FEFSS, mas desde 2018, após a venda das ações da Pharol, tem permanecido em valores residuais.

No final de 2002, segundo o último relatório e contas publicado do FEFSS, representava apenas 0,03% da carteira do fundo, o equivalente a 7,3 milhões de euros, fruto da manutenção no portefólio de unidades de participação dos sub-fundos Imomadalena, Imoaveiro e Imoresidências do Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado (FNRE), gerido pela Fundiestamo.

A afirmação da vocação estrutural do IGFCSS ao serviço da sustentabilidade das pensões em Portugal implica a proteção da (autonomia) da sua gestão face a tentativas de o instrumentalizar na promoção de outros fins políticos que, por muito salutares que sejam (e.g. política de habitação), podem prejudicar aqueloutro”, escrevem Nazaré Costa Cabral e Noémia Goulart.

Gestão do FEFSS muito exposta às vontades políticas

Apesar de criticável a intromissão política nos investimentos da reserva estratégica, essa situação acaba por ter pouco impacto nos resultados do FEFSS, por representar uma fração praticamente residual do bolo do investimento. O problema é que essa não é a única situação em que o FEFSS está exposto aos “humores” dos Governos, como notam as autoras do estudo do Conselho de Finanças Públicas.

E isso é bastante visível na gestão de toda a carteira do FEFSS, desde logo com a exposição do fundo “a formas de repressão financeira, mais ou menos visíveis, como o atesta o peso dominante ‘forçado’ de títulos de dívida pública no seu portefólio” que, no final de 2022, se traduziu em 5,6% da totalidade da dívida da República a encontrar-se estacionada na carteira do FEFSS – foi o valor mais elevado desde 2016.

Recorde-se que, segundo as normas do FEFSS, pelo menos 50% do capital do FEFSS tem de estar alocado em títulos de dívida pública da República ou em outros títulos que sejam garantidos pelo Estado português. “Este peso beneficia dos incentivos que o efeito de ‘consolidação de contas’ dão ao Estado para que este coloque os recursos sobre os quais detém poder de controlo ao serviço da dívida pública, contribuindo para manter os custos de emissão baixos e, bem assim, o saldo global do setor”, lê-se no estudo do Conselho de Finanças Públicas.

Mas Nazaré Costa Cabral e Noémia Goulart vão mais longe: “A utilização do FEFSS como veículo de repressão financeira, incluindo os anos mais recentes, mostra que o mesmo tenha sido persuadido a comprar dívida para lá dos limites regulamentares, o que amplifica, portanto, o risco associado, como também pode afetar.”

Peso de cada ativo na carteira do FEFSS

Mas a forte concentração da carteira do FEFSS em títulos de dívida pública não “ajuda” apenas os Governos a fazerem política, mas revela-se numa situação que acaba por não beneficiar os contribuintes, que um dia podem vir a beneficiar dos recursos do FEFSS. “A excessiva concentração de risco num ativo predominante, ele próprio não inteiramente ausente de risco (como a crise das dívidas soberanas o mostrou) acarreta uma vulnerabilidade na gestão do fundo”, destacam Nazaré Costa Cabral e Noémia Goulart.

Assim, quer seja por uma possível intromissão política como por uma distorção da alocação de ativos face ao horizonte de investimento para o qual o FEFFS está orientado, Nazaré Costa Cabral e Noémia Goulart consideram que justifica-se uma redução (ainda que gradual) da exposição do FEFSS à dívida pública portuguesa, lembrando que “a diversificação do risco acaba por favorecer, no longo prazo, um bom equilíbrio entre o efeito taxa de juro e efeito preço do ativo na composição e rentabilização da carteira de investimentos do FEFSS.”

Urgem reformas para garantir a sustentabilidade do FEFSS

Além de uma alocação mais equilibrada dos ativos do fundo de reserva da Segurança Social, as autoras do estudo do Conselho de Finanças Públicas apontam também para a discriminação atualmente existente no financiamento do FEFSS entre contribuintes continentais e contribuintes das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.

“A alocação de receitas fiscais ao orçamento da segurança social (e por esta via ao FEFSS) tem sido feita, até à data, apenas com base nos recursos fiscais cobrados no continente, não se verificando nesta sede a participação das regiões autónomas no seu financiamento”, lembram Nazaré Costa Cabral e Noémia Goulart, destacando que “o sistema de segurança social é um sistema nacional e único, e o FEFSS é um fundo financeiro de reserva para pagamento de pensões relativas a todos os beneficiários do território português, incluindo pensionistas insulares, não se vislumbrando, pois, qualquer razão jurídica ou técnica para que fiquem de fora do seu financiamento pela via de consignação destas várias receitas fiscais.”

Além dessa situação, o estudo do Conselho de Finanças Públicas alerta para a necessidade de uma reforma e reforço do regime jurídico do FEFSS, tanto nas fases de acumulação quanto de desacumulação de capital.

Nazaré Costa Cabral e Noémia Goulart defendem, entre outras medidas, a definição expressa das condições e termos para a utilização do fundo, visando “a fixação expressa de condições e termos para a utilização do fundo, prevenindo a discricionariedade e o (mau) arbítrio.”

Esta medida, segundo as autoras, visa reforçar a transparência, a governação e a sustentabilidade a longo prazo do sistema de segurança social, mitigando riscos futuros de desequilíbrio previdencial resultantes de mudanças demográficas.

Para esse efeito, o Conselho de Finanças Públicas sugere uma possível redenominação do fundo para alinhar a sua nomenclatura com as suas funções mais estruturais, aproximando-o de padrões internacionais, enfatizando a sua importância como um pilar de sustentabilidade para o sistema de pensões, com Nazaré Costa Cabral e Noémia Goulart a não deixarem de sublinhar a necessidade de, no futuro, ser necessário promover uma série de outras reformas, não apenas sobre o FEFSS, mas sobre todo o sistema da Segurança Social.

A expressão do desequilíbrio do nosso sistema de segurança social que se antevê para as próximas décadas (e que importa conhecer com a maior exatidão e precocidade) ditará a necessidade de adoção de medidas mais ou menos estruturais de reforma, seja pelo reforço da diversificação das fontes de financiamento do sistema público, seja pelo reforço de soluções de complementaridade numa base de capitalização (envolvendo até alguma inovação financeira), não sendo de descartar a combinação de ambas”, concluem as autoras.

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