Inconstitucionalidade da CESE sobre renováveis deixa adivinhar nova onda de litigância

Deverão fazer eco junto da Autoridade Tributária e de tribunais novas ações contra a CESE, depois de o TC ter declarado inconstitucionalidade num caso. Mais vitórias legais são prováveis.

O Tribunal Constitucional publicou uma decisão que aponta a inconstitucionalidade da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) que recai sobre os centros produtores com fonte renovável. As sociedades de advogados contactadas pelo Capital Verde esperam que a litigância entre as empresas que pagam esta contribuição e o Estado aumente, com prováveis consequências para as contas públicas.

A decisão do TC abre a porta para que os demais produtores de energia de fonte renovável venham agora contestar a cobrança (passada e futura) da CESE”, aponta a sociedade Macedo Vitorino. “É expectável que os produtores venham agora recusar o pagamento da CESE com base na decisão de inconstitucionalidade do TC prevendo-se uma forte litigância entre os produtores e a AT [Autoridade Tributária]”.

De acordo com a Macedo Vitorino, a contestação poderá realizar-se junto da AT, pedindo uma revisão das liquidações pagas, ou reclamando judicialmente sobre o seu pagamento junto dos Tribunais Administrativos.

Na ótica da Gómez-Acebo & Pombo, as empresas a operar nos mesmos setores a que as decisões dizem respeito e que ainda não contestaram, deverão fazê-lo rapidamente. “A expectativa de poderem beneficiar desta linha jurisprudencial do TC, e verem a CESE anulada, é muito grande”.

A onda de contestação “poderá ter um certo impacto nas contas públicas, se se considerar o não pagamento futuro e a devolução dos CESE aos produtores de energia renovável desde a sua aplicação em 2019”, afirma ainda a Macedo Vitorino.

Questionados sobre as medidas que deverão ser tomadas sobre este assunto, os contactos recebidos junto da AT e o impacto esperado nas contas públicas, o ministério do Ambiente e das Finanças não responderam até ao fecho deste artigo.

“De forma imediata, a decisão do TC implica que os autores da ação não terão de liquidar o CESE que deixaram de pagar”, afere a mesma sociedade. Os autores da ação são até agora desconhecidos, apenas sendo claro que se trata de uma empresa que atua no setor renovável. Filipe de Vasconcelos Fernandes, professor Auxiliar Convidado na Faculdade de Direito de Lisboa e Counsel na Viera de Almeira (VdA) e membro da equipa que patrocinou o referido processo junto do Tribunal Constitucional, acrescenta que a entidade em causa “depois do trânsito em julgado, terá necessariamente que ser ressarcida, neste caso em relação à CESE paga no exercício de 2019”.

Esta posição é acompanhada por Nuno de Oliveira Garcia, sócio da Gómez-Acebo & Pombo, que afirma que para os casos em concreto em que as decisões foram proferidas, “a CESE que tiver sido paga pelas empresas terá de ser devolvida pelo Estado”. Acrescenta que pode colocar-se a questão de se serão devidos juros indemnizatórios. A posição tradicional do Estado, explica o advogado, é a de não pagar juros indemnizatórios em casos de decisões cuja anulação teve fundamento em inconstitucionalidade, mas esta posição “não é consensual”.

A CESE foi criada em 2014, numa altura em que Portugal se debatia com uma crise económica e financeira. Destinava-se, na altura, a promover a saúde do sistema energético através da redução da dívida tarifária, assim como financiar políticas do setor. Tem vindo a ser renovada desde então, em sede do Orçamento do Estado, e este ano deverá arrecadar 125 milhões de euros. É cobrada à EDP, REN, Galp e Endesa.

Esta segunda-feira, a REN afirmou-se convicta de que vai recuperar pelo menos parte do gasto que teve com a Contribuição Extraordinária Sobre o Setor Energético, embora prefira não fazer estimativas concretas do valor a recuperar, dada a “complexidade da questão”. “Sabemos que a certo ponto os tribunais vão dizer que estamos certos“, rematou o CEO, Rodrigo Costa, na apresentação do Plano Estratégico da empresa para os anos 2024-2027.

Na semana passada, a EDP indicou que está a aguardar os resultados da litigância que ela própria tem a decorrer em tribunal em relação a este tema. O CEO, Miguel Stilwell, defendeu que parece haver uma consolidação de que, depois de 2018, a taxa extraordinária [CESE] não é constitucional“.

Decisão não põe necessariamente toda a CESE em causa

“Esta decisão do TC pode ser o primeiro passo para a eliminação em absoluto da CESE aplicável aos produtores de energia renovável”, sendo que a decisão do TC pode passar a gozar de força obrigatória geral – ou seja, ser aplicável a todos os casos similares – caso o TC vier a declarar a inconstitucionalidade da CESE em três casos concretos, indica a Macedo Vitorino.

No entanto, no que toca a esta decisão bastar para justificar a eliminação da CESE na sua totalidade, a Macedo Vitorino avalia que “dificilmente”, pois o fundamento da decisão diz respeito unicamente aos produtores de energia renovável.

Já a equipa que moveu a ação indica que, uma vez que o TC remete para outros acórdãos que se debruçam sobre inconstitucionalidades relativas a diferentes setores, “o TC entende que existem inconstitucionalidades relevantes em mais do que um setor e que essas inconstitucionalidades têm claros pontos de contacto entre si”. Ainda assim reconhece que, “em última instância, a faculdade de revogar todo o regime cabe ao legislador”. E antecipa que tal poderá acontecer caso o legislador verifique que, em termos práticos, a parte mais significativa do regime foi declarada inconstitucional. Filipe de Vasconcelos Fernandes acredita que este cenário “tem uma forte probabilidade de vir a suceder”.

A Gómez-Acebo & Pombo entende que o Governo pode revogar integralmente a CESE, por “outras razões e argumentos para que tal venha a suceder”, mas não “como consequência destas decisões” do TC. Isto porque os motivos expostos na decisão “não são argumento suficiente para determinarem a eliminação integral da CESE”, entende o sócio.

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