Empresas portuguesas são das que têm maior dificuldade em reter e atrair trabalhadores
Mais de metade dos diretores de recursos humanos portugueses consideram que o recrutamento é o principal problema das empresas. Portugal está na pior posição entre nove países estudados.
As empresas portuguesas não são as únicas que têm tido dificuldade em atrair e reter trabalhadores, mas por cá o desafio tem sido bem maior do que noutros países. O cenário é traçado num novo estudo da empresa de formação CEGOC, a que o ECO teve acesso em primeira mão, e é explicado pelos salários oferecidos em Portugal, pelo envelhecimento da população nacional, bem como pela carga fiscal.
A “Radioscopia aos departamentos de recursos humanos” teve por base as respostas de 5.052 trabalhadores, 554 decisores da área de recursos humanos, e organizações do setor privado e público em nove países (França, Alemanha, Itália, Espanha, Reino Unido, Portugal, Chile, México e Brasil).
Ora, de acordo com esse estudo, em termos globais, 45% dos decisores da área de recursos humanos apontam a atração e recrutamento de talento como o principal problema das organizações para a qual trabalham, sendo esse o principal desafio estratégico. Segue-se a retenção de trabalhadores, problema que foi realçado por 41% dos diretores de recursos humanos ouvidos.
Contudo, em Portugal, o cenário é ainda mais crítico: mais de metade (55%) dos decisores de recursos humanos identifica o recrutamento de trabalhadores como o principal problema das organizações. Portugal é mesmo o país com o pior desempenho neste ponto. Em Espanha, por exemplo, só 40% dos responsáveis ouvidos realçam essa questão.
Além disso, 47% dos decisores de recursos humanos mencionam dificuldades na retenção da mão de obra em Portugal, o que também supera a média global, ainda que não seja o pior registo entre os vários países (é o segundo pior, sendo ultrapassado por Espanha e pela Alemanha).
Desde que arrancou a recuperação pós pandemia que os empregadores nacionais se têm queixado sobre a escassez de trabalhadores, revelando dificuldade em encontrar as mão certas. Portugal não está, portanto, sozinho nesse desafio, mas por cá a dificuldade é maior do que noutros países. Mas o que explica esse cenário?
“Por um lado, temos o acelerado envelhecimento da população, maior que na maioria dos países europeus, que nos deixa numa situação especialmente critica quando se pensa na injeção de ‘sangue novo’ nas organizações, à medida que as reformas forçam a necessidade do mesmo”, identifica Gonçalo de Salis Amaral, head of people & culture consulting da CEGOC, em declarações ao ECO.
Temos as próprias condições oferecidas, em termos de compensação e benefícios, carga fiscal e até condições de trabalho, o que leva os jovens, e por vezes outros não tão jovens, a procurar oportunidades noutros mercados.
Outro fator, observa o responsável, são as condições oferecidas aos trabalhadores, em termos de salário, benefícios, carga fiscal, “e até condições de trabalho”. “Isto numa sociedade onde o custo de vida não difere muito face a outros países europeus, nomeadamente, em componentes básicas como a habitação, o que leva os jovens, e por vezes outros não tão jovens, a procurar oportunidades noutros mercados mais atrativos e muito acessíveis, face à quebra de fronteiras também no mercado de trabalho”, salienta Gonçalo de Salis Amaral.
O head of people nota ainda que os profissionais portugueses têm boas qualificações, o que facilita esse encontro de alternativas e dificulta, à boleia, “a vida das organizações” nacionais.
Questionado sobre o que podem fazer, então, as empresas portuguesas para lutar contra este problema, Gonçalo de Salis Amaral atira que os outros países “onde a situação não é tão grave têm uma combinação de fatores que permitem a oferta de melhores condições, algo que não depende só das organizações, mas também dos governos e da economia em geral”.
“Achar-se que bastaria aumentar os ordenados e teríamos o problema resolvido é uma abordagem altamente simplista e fora da realidade“, argumenta. Como recomendação aos empregadores, este empregador deixa, então, a indicação de que é preciso apostar no crescimento e rentabilidade para posterior investimento no capital humano.
“Esta é a única forma sustentável de terem ofertas mais competitivas. Mais uma vez, não é fácil, numa economia dominada por pequenas, muito pequenas e médias empresas; mas é possível, mediante a inovação, a transformação digital e agilização dos modelos e processos de negócio, na contínua aposta na formação e desenvolvimento, acompanhada por uma visão estratégica e de mercado mais global”, assevera.
Menos formação, mas mais redes sociais
Num mercado de trabalho em mudança, os diretores e gestores de recursos humanos também têm sido obrigados a adaptar as suas competências. E 62% dos inquiridos a nível global garante que o faz através de ações de formação.
Em Portugal, contudo, a fatia de decisores de recursos humanos que aposta em soluções formativas é inferior: 48% contra os tais 62%. É o pior registo dos nove países estudados. Em Espanha, mais de 64% dos diretores e gestores de recursos humanos participam em ações de formação.
Portugal sai mal na fotografia (isto é, abaixo da média) também na formação através de recursos disponíveis online (56% contra 59%), na participação em eventos do setor (52% contra 53%), na participação em associações profissionais (24% contra 29%) e até na leitura de revistas profissionais (5% contra 8%).
Aliás, Portugal só consegue superar a média global num dos pontos estudados, quanto às vias utilizadas pelos decisores de recursos humanos para desenvolverem as suas competências: o uso de redes sociais. Por cá, 52% dos diretores e gestores revelam que se mantêm atualizados através das redes sociais o que compara com os 46% da média global.
“O facto de lermos menos jornais não significa que ficamos menos informados sobre a atualidade. Passamos é a usar um diferente mix de formatos e fontes que nos ajudam a obter a informação que precisamos ou a desenvolver as competências necessárias. O que é importante é assegurarmos a qualidade dessas fontes e formatos“, comenta Gonçalo de Salis Amaral, quando confrontado com o peso das redes sociais na formação dos decisores de recursos humanos portugueses.
De modo global, o estudo a que o ECO teve acesso mostra que, do ponto de vista dos trabalhadores, os decisores de recursos humanos devem ter, acima de tudo, ética e respeito pelos outros, escutar e ter inteligência relacional e cumprir os compromissos. Já as principais críticas deixadas pelos trabalhadores ouvidos são a falta de empatia (25%), a falta de consideração do fator humanos (20%), e a falta de envolvimento com as equipas (23%).
Do lado dos próprios decisores, entre as principais dificuldades no trabalho do dia a dia está à cabeça o gastar “muito tempo a reagir e a resolver emergências” (70%).
“A gestão do dia-a-dia não deixará de existir, assim como a reação a emergências. No entanto, deverá ser controlada mediante um maior e melhor planeamento e antecipação de situações possíveis, mas também no garantir tempo de qualidade para pensar futuro, não deixando que essa gestão do dia-a-dia e das emergências absorva toda a atuação das equipas“, recomenda o head of people da CEGOC.
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