O que são carry trades, o “fator mais crítico” na queda das bolsas?
Pedir onde está barato e aplicar onde o retorno é maior. A estratégia é sagaz, mas o problema é quando o barato fica caro, como aconteceu agora com o iene, e obriga a vender os ativos mais rentáveis.
Apesar de ser uma estratégia bastante comum nos mercados globais, não há uma tradução específica do termo ‘carry trade‘ para português. ‘Negócio transportado’ pode ser uma tentativa improvisada, mas até acaba por não ficar muito longe da explicação de como funciona esse tipo de operação, que segundo os analistas foi um dos maiores fatores, senão o principal, pelas recentes quedas nas bolsas.
“Consiste em contrair um empréstimo numa moeda que tenha juros baixos e depois investir esse valor em ativos que geram rendimentos altos“, explica ao ECO Ricardo Evangelista, diretor na corretora ActivTrades. “Por exemplo, o iene japonês tem sido uma moeda disponível com juro muito baixo devido à política ultra-acomodatícia do banco central, e os traders têm aproveitado esse juro muito baixo para pedirem empréstimos em iene e que depois utilizam para comprar ativos que geram a renda mais alta”.
Esses ativos podem ser dólares ou euros, moedas com taxas de juro mais altas, ou ações de setores com alta rentabilidade, adianta, dando como exemplo recente o da tecnologia nos Estados Unidos.
João Queiroz, head of trading do Banco Carregosa, sublinha ao ECO que “esta estratégia pode ser bastante lucrativa, sobretudo, em tempos de estabilidade económica e baixa volatilidade cambial sendo as mais habituais com base em divisas como o iene japonês ou o franco suíço, para aquisição de dívida soberana dos EUA em que as yields de curto prazo superavam os 5%”.
Mas há o lado reverso da moeda, neste caso a japonesa, como se viu nas fortes quedas nas bolsas acionistas globais nas sessões de sexta-feira e segunda-feira.
O fator mais crítico – e potencialmente negligenciado – com impacto na estabilidade financeira global é a decisão do Banco do Japão, na semana passada, de aumentar a sua taxa de juro diretora.
“Na nossa opinião, o fator mais crítico – e potencialmente negligenciado –, com impacto na estabilidade financeira global, é a decisão do Banco do Japão, na semana passada, de aumentar a sua taxa de juro diretora“, refere Gregor Hirt, global CIO multi-asset, da Allianz Global Investors, numa nota de análise.
João Queiroz salienta que as correções registadas pelas bolsas podem ter sido influenciadas por vários fatores, incluindo alterações na política monetária do Japão e a apreciação do iene, como também reajustes de carteiras de ativos com redução de exposição e significativa compra daquelas divisas de carry para liquidação de financiamentos, conduzindo às respetivas apreciações.
“Assim, as mudanças de sentimento podem ter estimulado à reversão dos ‘carry trades’ e aumentado a aversão ao risco entre os investidores, resultando em vendas de ativos de maior risco e uma queda nos preços das ações e outros ativos financeiros”, acrescenta.
Segunda subida em 17 anos
O Banco do Japão tem mantido há décadas uma política de controlo da curva de rendimentos, visando manter as taxas de juro de longo prazo baixas. A alteração da política monetária que deu o tiro de partida para a reversão dos carry trades, o ‘unwinding’ em inglês, ocorreu no último dia de julho.
Ricardo Evangelista, da ActivTrades, refere que o banco central japonês não anunciou uma subida muito grande dos juros, foi apenas para cerca de 0,25% face ao intervalo anterior de 0% a 0,1%, mas foi apenas a segunda subida em 17 anos.
“A primeira [subida] tinha sido em março e isso só por si foi um pouco um choque. Depois foi o guidance que foi deixado a alertar para a possibilidade de mais subidas”, sublinha. “E o que é que aconteceu? Muitos traders que estavam com posições noutros ativos que tinham comprado utilizando os empréstimos contraídos em iene, de repente viram que para pagar esses empréstimos, devido à valorização, iam ter que disponibilizar ainda mais dinheiro do que tinham pedido emprestado”.
“Portanto, o que eles [os traders] fizeram foi quietamente começaram a fechar as posições que tinham abertas noutros ativos de maior rentabilidade para imediatamente pagarem de volta os empréstimos em iene”, explica.
Resultados dececionantes das tecnológicas americanas, dados fracos da criação de emprego nos EUA ou tensões geopolíticas. Evangelista diz que todos estes fatores contribuíram para o sell-off de sexta e segunda e é difícil atribuir o peso relativo de cada, mas sublinha que “com certeza a reversão dos carry trades foi muito importante”.
4 biliões em ‘trades’, metade foram revertidos
O diretor da ActivTrades diz que a sua equipa de gestão de risco não quantificou ainda a dimensão da estratégia, mas adianta que “olhando para o que está disponível na Bloomberg, por exemplo, estima-se que o valor global do carry trade seja de aproximadamente 4 biliões de dólares, e estima-se que destes, entre 50% e 60% entretanto tenham sido fechados até ao fim de segunda-feira.
“Ou seja, mais ou menos metade ainda estará dentro do mercado”, adianta. O ‘unwinding’ irá então continuar? “Vamos ver, mas potencialmente poderá continuar, embora eu acredite que se continuar será a um ritmo agora já mais lento”.
A continuação do ‘unwinding’ “dependerá de vários fatores como a prossecução da política monetária do Banco do Japão: se continuar a sinalizar uma alteração na sua política de controlo da curva de rendimentos e/ou um aumento nas taxas de juro, tal conduziria a um maior ‘unwinding’”.
João Queiroz, do Carregosa, explica que calcular a escala exata dos carry trades é complexo devido à natureza das estratégias e opacidade das operações, apenas podendo contabilizar mediante a obtenção das estatísticas nos próximos meses observando os relatórios de balanças de pagamentos e fluxos de investimentos fornecidos por instituições como o Banco de Compensações Internacionais (BIS), complementados com dados do mercado de futuros e opções sobre divisas.
Adianta que a continuação do ‘unwinding’ “dependerá de vários fatores como a prossecução da política monetária do Banco do Japão: se continuar a sinalizar uma alteração na sua política de controlo da curva de rendimentos e/ou um aumento nas taxas de juro, tal conduziria a um maior ‘unwinding’”.
“Adicionalmente os dados económicos fracos ou dececionantes, especialmente nos EUA e na Europa, podem aumentar a aversão ao risco e acelerar a reversão“, conclui Queiroz.
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