Bancos obrigados a reforçar almofada de capital em 2026

O Banco de Portugal aperta o "cerco" através da ativação da reserva contracíclica pela primeira vez desde 2016, obrigando os bancos a reter mais lucros a partir de 1 de janeiro de 2026.

Os bancos preparam-se para acomodar mais uma almofada financeira (buffer) no seu balanço, por indicação do Banco de Portugal. O regulador do setor revela esta segunda-feira que reviu o enquadramento metodológico da reserva contracíclica de fundos próprios, preparando-se para ativar este instrumento macroprudencial pela primeira vez desde a sua implementação em 2016.

A medida, que deverá entrar em vigor a 1 de janeiro de 2026 e que já foi comunicada informalmente à Associação Portuguesa de Bancos, vai obrigar os bancos a constituir uma reserva adicional de capital correspondente a 0,75% da exposição ponderada pelo risco (RWA) que os bancos e todas as instituições de crédito (inclusive sucursais de bancos estrangeiros) possuem em crédito a particulares e empresas no território nacional.

Esta revisão representa uma mudança significativa na abordagem do regulador. Até agora, o Banco de Portugal só previa ativar a reserva contracíclica em períodos de acumulação excessiva de risco sistémico.

Considerando as contas dos cinco maiores bancos nacionais, esta medida terá implicações entre 50 milhões e 200 milhões de euros em fundos próprios principais de nível 1 (CET1) de cada uma das instituições, segundo os mais recentes resultados dos bancos.

Com o novo enquadramento, a entidade liderada por Mário Centeno passa a poder exigir esta almofada adicional de capital mesmo quando o risco é considerado “neutro”, ou seja, nem está em fase de acumulação nem de materialização.

Isto significa que o Banco de Portugal passa a adotar uma postura mais conservadora na aplicação desta reserva de capital para poder ativar a reserva contracíclica na fase em que o risco sistémico cíclico se encontra num nível neutro.

Esta alteração surge na sequência das lições retiradas da crise pandémica e do atual contexto de fragmentação geoeconómica, justifica o supervisor, notando a necessidade das autoridades macroprudenciais reforçarem a resiliência do sistema financeiro face a crises originadas fora do próprio setor.

A decisão agora anunciada foi tomada no conselho de administração do Banco de Portugal da semana passada e está desde esta segunda-feira em consulta pública até 19 de novembro. Posteriormente, haverá uma análise por parte dos técnicos do Banco de Portugal para que o supervisor possa anunciar a sua aplicação até ao final do ano.

Impacto nas contas dos bancos

A ativação da reserva contracíclica terá um impacto direto na gestão do capital dos bancos. Com a taxa a passar de 0% para 0,75%, as instituições terão de reter mais lucros ou captar capital no mercado para cumprir este novo requisito regulatório.

Para um banco com 20 mil milhões de euros em posições em risco de crédito junto de empresas e particulares, por exemplo, a reserva contracíclica de 0,75% implicará a constituição de uma almofada adicional de 150 milhões de euros em fundos próprios principais de nível 1 (CET1).

Considerando as contas dos cinco maiores bancos nacionais, esta medida terá implicações entre 50 milhões e 200 milhões de euros em fundos próprios principais de nível 1 de cada uma das instituições, segundo os mais recentes resultados dos bancos. Todavia, esses números serão diferentes quando a medida entrar em vigor, a 1 de janeiro de 2026, em função também da alteração da carteira de crédito dos bancos durante este período de dois anos.

É importante notar que esta nova exigência vem somar-se a outros buffers de capital já existentes no quadro regulatório português e europeu. Atualmente, os bancos estão sujeitos a várias camadas de requisitos de capital como, por exemplo:

  • Requisitos de Pilar 1: Constituem o mínimo regulamentar e incluem um rácio de CET1 de 4,5%, um rácio de Tier 1 de 6% e um rácio de capital total de 8%.
  • Requisitos de Pilar 2: São requisitos adicionais específicos para cada banco, determinados pelo supervisor com base na avaliação individual de riscos.
  • Reserva de conservação de capital: Uma almofada fixa de 2,5% dos ativos ponderados pelo risco, aplicável a todos os bancos.
  • Reserva para outras instituições de importância sistémica (O-SII): Aplicável aos bancos considerados sistemicamente importantes, podendo variar entre 0,25% e 1% dos ativos ponderados pelo risco.
  • Reserva para risco sistémico: Esta medida visa prevenir e/ou reduzir o nível de risco sistémico não abrangido por outros instrumentos macroprudenciais da Diretiva e do Regulamento dos Requisitos de Capital do supervisor. Foi nesse sentido que, recentemente, o Banco de Portugal introduziu uma reserva para risco sistémico setorial de 4%, aplicável a instituições que utilizam o método de notações internas (IRB — Internal Ratings Based), “sobre o montante das posições ponderadas pelo risco da carteira de particulares garantidas por imóveis destinados a habitação localizados em Portugal.”

Com a introdução da reserva contracíclica de 0,75%, os bancos nacionais aumentarão o seu requisito combinado de reservas de fundos próprios. Isto poderá condicionar a política de dividendos nos próximos anos, uma vez que terão de reter mais lucros para cumprir este novo requisito.

O não cumprimento da reserva contracíclica (que pode variar entre 0% e 2,5% e obriga a que os bancos a adotem até 12 meses após a sua divulgação pelo Banco de Portugal), assim como das outras reservas mencionadas, implica sempre restrições à distribuição de dividendos e a elaboração de um plano de conservação de capital.

Ao exigir que os bancos constituam almofadas de capital adicionais mesmo em fases neutras do ciclo, o Banco de Portugal procura reforçar a resiliência do sistema financeiro face a choques futuros.

Esta abordagem em “camadas” visa garantir que os bancos mantenham níveis adequados de capital para absorver perdas potenciais e continuar a apoiar a economia real, mesmo em períodos de stress.

O Banco de Portugal defende ainda que o aumento gradual das reservas no contexto de níveis elevados de capitalização e rendibilidade da banca, como sucede atualmente, mitiga também os custos para a atividade económica no presente e facilita a adaptação dos bancos ao novo requisito de reserva contracíclica — recorde-se que, no ano passado, os bancos apresentaram níveis de rendibilidade historicamente elevados.

A implementação da nova abordagem seguirá um calendário faseado. O Banco de Portugal prevê anunciar a percentagem da reserva contracíclica até ao final deste ano, conferindo aos bancos um período de adaptação longo para que os bancos possam constituí-la a 1 de janeiro de 2026. Até lá, a reserva contracíclica manter-se-á em 0%, como tem acontecido desde a sua introdução em 2016 e a sua revisão continuará a ser feita numa base trimestral.

Na última decisão sobre esta matéria, a 30 de setembro, o Banco de Portugal manteve a taxa a zero para o quarto trimestre de 2024, considerando que os indicadores não justificavam a sua ativação.

Portugal não está sozinho no contexto europeu

Com a ativação da taxa de reserva contracíclica a partir de 2026, Portugal junta-se a um grupo crescente de países europeus que têm ativado esta reserva, mesmo em fases neutras do ciclo financeiro. Desde a pandemia de Covid-19, 15 países ativaram este instrumento para níveis superiores a zero.

Entre os países que já implementaram a reserva contracíclica está a Dinamarca (2,5%), a Noruega (2,5%), a Suécia (2%), os Países Baixos (2%), a Irlanda (1,5%), a Bélgica (1%) e mais 15 países. O Banco de Espanha anunciou também este ano, em maio, uma revisão do enquadramento metodológico da reserva contracíclica como está agora a fazer o Banco de Portugal, com o intuito de instaurar uma taxa de 1% que será aplicada em duas fases em 2025 e 2026.

Os mesmos passos foram também dados pelo Banco Central da Polónia que, em março, por decisão do Comité de Estabilidade Financeira, decidiu atingir a taxa objetivo em duas fases: numa primeira fase, fixando este buffer de capital à taxa de 1% e aumentando-o posteriormente para 2%. Seguir-se-á a Grécia, que está neste momento a ponderar elevar a taxa de reserva contracíclica para 0,5%.

E alguns destes países já chegaram inclusive a libertar a reserva contracíclica durante a crise pandémica, demonstrando a flexibilidade deste instrumento. Foi o que sucedeu, por exemplo, na Alemanha, na Bélgica e em França.

A decisão de ativar a reserva contracíclica baseia-se numa análise quantitativa de vários indicadores macroeconómicos e financeiros, e que se manterão na revisão metodológica.

O Banco de Portugal justifica o timing desta decisão com o contexto europeu e a fase atual do ciclo financeiro em Portugal, que proporcionam as condições adequadas para aumentar as reservas de capital dos bancos, em particular a reserva contracíclica de fundos próprios, segundo a análise do regulador.

A decisão de ativar a reserva contracíclica baseia-se numa análise quantitativa de vários indicadores macroeconómicos e financeiros, e que se manterão na revisão metodológica. Entre estes, destaca-se o chamado “desvio de Basileia”, que mede a diferença entre o rácio do crédito face ao PIB e a sua tendência de longo prazo.

No primeiro trimestre de 2024, segundo dados do regulador, o desvio de Basileia situava-se em -38,7 pontos percentuais, enquanto a medida adicional do desvio do rácio crédito/PIB atingia -18,7 pontos percentuais. Estes valores negativos indicam que não há, de momento, sinais de crescimento excessivo do crédito.

No entanto, o Banco de Portugal nota que a taxa de variação anual dos empréstimos bancários a particulares tem aumentado desde o início de 2024, atingindo 1,2% em junho. Já os preços da habitação, apesar de desacelerarem, continuam a crescer em termos reais.

A ativação da reserva contracíclica para 0,75% a partir de 1 de janeiro de 2026 representa uma mudança de paradigma na supervisão macroprudencial em Portugal. Ao exigir que os bancos constituam almofadas de capital adicionais mesmo em fases neutras do ciclo, o Banco de Portugal procura reforçar a resiliência do sistema financeiro face a choques futuros, sejam eles originados dentro ou fora do setor bancário.

Da parte dos bancos, caberá às suas administrações encaixarem mais um buffer no seu balanço, com implicações sobre a gestão e a estratégia da sua operação.

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