Caso BES. Auditora diz que tese de erro nas contas nunca foi justificada pelo grupo
Ouvida como testemunha no sexto dia do julgamento do BES/GES, Inês Viegas Neves revelou que entre o final de 2013 e meados de 2014 “foi identificada uma subavaliação significativa do passivo” do GES.
A tese de erro nas contas do Grupo Espírito Santo (GES) inicialmente avançada para explicar o buraco nas contas nunca foi justificada pelos administradores, disse uma das auditoras que integrava a KPMG aquando do colapso do GES.
Ouvida como testemunha no sexto dia do julgamento do processo BES/GES, no Juízo Central Criminal de Lisboa, Inês Viegas Neves revelou que entre o final de 2013 e meados de 2014 “foi identificada uma subavaliação significativa do passivo” do GES, muito por força da exposição à sociedade ESI, a holding do grupo para as áreas financeira e não financeira.
Questionada pelo procurador do Ministério Público (MP) César Caniço se, após o GES ter apontado para a existência de um erro nas contas, foi entregue algum documento que suportasse as razões desse erro, Inês Neves negou que tal tivesse ocorrido e contou que o ‘commissaire aux comptes’ (contabilista) Francisco Machado da Cruz apenas lhe devolveu um papel com a palavra “erro” escrito à mão com letras maiúsculas.
A revisora oficial de contas descreveu a evolução da situação financeira do GES antes do colapso e referiu que a KPMG tinha feito em novembro de 2013 uma revisão limitada à ESI, num contexto em que decorria o ETRICC, o exercício transversal de revisão da imparidade da carteira de crédito que cobria os oito maiores grupos financeiros portugueses (entre os quais o GES).
Logo nessa altura surge a informação de que o passivo ascenderia a 6,3 mil milhões de euros (MME), denunciando “um aumento muito significativo da dívida”. Referiu então que transmitiu a informação ao então diretor de supervisão do BdP, Luís Costa Ferreira, que se terá mostrado “muito surpreendido com a dimensão” do passivo e que indicou que iria mandatar a ESFG “para uma consolidação pró-forma das contas e uma auditoria ao nível da ESI”.
Inês Neves esclareceu que, como a ESI não tinha até então as contas auditadas, este procedimento iria demorar demasiado tempo, pelo que em alternativa se avançaria para uma revisão limitada e uma perceção do balanço das contas a 30 de setembro de 2014.
“A nossa preocupação era a ESI e perceber se os ativos estavam bem valorizados e se podiam fazer face aos passivos”, afirmou. Mais tarde, já em 2014, foi enviada uma carta para o BdP, porque tinham “tomado conhecimento de uma série de acontecimentos” que levavam à “necessidade de rever a imparidade de exposição ao GES”.
“No final de 2013, o BES não tinha exposição nenhuma à ESI e tinha uma exposição muito pequena a outras entidades”, indicou, continuando: “Só que a 30 de junho deparámo-nos com uma alteração muito grande de circunstâncias: a primeira coisa era que tinha havido um aumento muito da grande da exposição da ESFG à ESI – no primeiro semestre de 2014 aumenta a sua exposição de 1,3 MME para 2,2, 2,3 ou 2,4 MME”.
Esclareceu que já tinha sido delineado um conjunto de medidas no final de 2013 para fazer face à situação financeira do GES, mas que “não se cumpriram”, e que a própria tesouraria da ESFG (sociedade financeira do grupo) “estava muito fraca e provavelmente iria incumprir até final do ano”.
A testemunha vai continuar a responder às questões do MP durante a tarde e irá regressar na terça-feira a tribunal para responder às defesas e aos assistentes.
O antigo presidente do BES, Ricardo Salgado, é o principal arguido do caso BES/GES e responde em tribunal por 62 crimes, alegadamente praticados entre 2009 e 2014.
Além de Ricardo Salgado, estão também em julgamento outros 17 arguidos, nomeadamente Amílcar Morais Pires, Manuel Espírito Santo Silva, Isabel Almeida, Machado da Cruz, António Soares, Paulo Ferreira, Pedro Almeida Costa, Cláudia Boal Faria, Nuno Escudeiro, João Martins Pereira, Etienne Cadosch, Michel Creton, Pedro Serra e Pedro Pinto, bem como as sociedades Rio Forte Investments, Espírito Santo Irmãos, SGPS e Eurofin. Segundo o MP, a derrocada do GES terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.
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