Portugueses menos dispostos a pagar transição energética do que a média
Portugal deverá investir cerca de 75 mil milhões de euros até 2050 na transição energética, indica a Accenture. Mas os portugueses assumem menor disponibilidade para pagar custos do que média global.
Os investimentos na transição energética são “colossais”, alerta a Accenture, num estudo partilhado com o ECO/Capital Verde. Esses mesmos investimentos terão como consequência provável “aumentos transitórios nas tarifas da eletricidade”, embora num horizonte de 10 anos a tendência seja de estabilização ou até de redução dos custos associados à transição. Portugal, embora seja o país onde uma maior fatia dos cidadãos demonstrem interesse na transição energética, os mesmos assumem uma menor disponibilidade para pagar um “extra” em função desta mudança, face à média global.
Globalmente, no curto-prazo, ou seja nos próximos cinco a dez anos, a Accenture prevê que exista um “aumento temporário de custos” da transição, devido a investimentos iniciais em infraestruturas, renováveis e digitalização, os quais “provavelmente levarão a aumentos transitórios nas tarifas de eletricidade”, indica em declarações ao ECO/Capital Verde Nuno Pignatelli, vice-presidente da Accenture Portugal responsável pelo Grupo de Clientes de Recursos, no qual se incluem as indústrias de Energia, Utilities, Químicos e Recursos Naturais.
Os investimentos necessários para a transição energética podem mais que duplicar os custos da eletricidade em percentagem dos rendimentos dos agregados familiares, lê-se no estudo. A Accenture não partilhou uma estimativa desta evolução para Portugal em particular. No entanto, no médio e longo prazo (num horizonte de 10 a 30 anos), “verificar-se-á a estabilização e redução de custos”, dada pela maturação das tecnologias renováveis e economias de escala, continua o vice-presidente da Accenture Portugal. O mesmo indica que “a chave será equilibrar os custos imediatos com benefícios futuros, maximizando o uso de financiamentos externos e políticas redistributivas para proteger as famílias”.
A chave será equilibrar os custos imediatos com benefícios futuros, maximizando o uso de financiamentos externos e políticas redistributivas para proteger as famílias.
Outra das conclusões do estudo aponta que um em cada três agregados familiares já tiveram dificuldades em pagar as respetivas contas da eletricidade nos 12 meses que antecederam o estudo, realizado em 2024. “Torna-se fundamental adotarem-se medidas de inclusão social, através de definição de políticas que permitam assegurar que os consumidores mais vulneráveis não sejam excluídos e possam partilhar os benefícios da transição”, defende o mesmo responsável.
Interesse em alta, disposição para pagar nem tanto
Os consumidores nacionais demonstram maior interesse na transição energética do que a média global, com 91% a mostrarem-se interessados, face aos 81% a nível global. Portugal é ainda o país que mais valoriza o papel das pessoas na transição energética e tem uma particularidade: é o único dos países analisados que valoriza mais o papel das pessoas do que o das empresas, neste processo de transição.
Contudo, no que afeta a carteira, os portugueses são menos disponíveis. Apenas 39% dos cidadãos nacionais estão dispostos a pagar um montante adicional para apoiar a transição energética, sendo que “os consumidores portugueses dão maior importância à poupança na fatura energética do que a média da amostra europeia“, afirma Nuno Pignatelli.
Globalmente, 46% dizem-se dispostos ou são capazes de pagar mais de forma a apoiar iniciativas neste âmbito, superando a fasquia portuguesa. Aqueles que estão mais dispostos a estes gastos são descritos como mais jovens, de salários mais elevados, e habitantes de áreas urbanas. Já os consumidores menos disponíveis pertencem à geração dos baby boomers, nascidos entre 1946 e 1964, vivem em zonas suburbanas ou rurais e possuem rendimentos baixos. No entanto, também dois em cada cinco consumidores de baixos rendimentos estão dispostos a pagar mais pela transição, o que, na ótica da Accenture, sugere que os rendimentos não são de facto o único fator a influenciar esta predisposição.
Em Portugal, “o interesse na transição energética é transversal a todas as classes de rendimento mas, curiosamente, são os consumidores com rendimentos mais baixos que têm uma maior aceitação a suportar custos associados à transição energética“, indica Nuno Pignatelli.
As conclusões globais estão presentes no estudo “O guia para a neutralidade carbónica dos fornecedores de energia: gerir a acessibilidade para o consumidor e um sistema energético acessível”, da Accenture, que se debruça sobre como consumidores e fornecedores de energia podem enfrentar os desafios económicos durante o processo de transição energética. O estudo foi efetuado em 16 países dos quais 8 na Europa: Portugal, Espanha, França, Itália, Alemanha, Holanda, Inglaterra e República da Irlanda. Em cada um dos países foram inquiridas 800 pessoas das de diferentes gerações, áreas de residência e rendimentos, e a Accenture partilhou com o ECO/Capital Verde algumas conclusões relativas a Portugal.
Fornecedores com papel de liderança
O estudo recomenda com a recomendação de cinco eixos de ação, de forma a acomodar os impactos dos custos no consumidor. A Accenture recomenda a aposta na eficiência energética e redução do consumo, na energia renovável descentralizada, na digitalização e redes inteligentes, na adoção de novos modelos de negócio e, finalmente, na inclusão e participação dos consumidores.
Com a implementação de estratégias neste âmbito, “a transição energética pode tornar-se mais acessível para a maioria dos consumidores, afirma Pignatelli, o qual defende também que “a transição energética exige que todo o setor energético coloque os consumidores no centro das suas decisões, promovendo oportunidades para esclarecer, criar valor e atender às suas expectativas”, afirma o vice-presidente da Accenture Portugal.
Esta frase alicerça-se no “crescente interesse em novos produtos e serviços” por parte dos consumidores, que Pignatelli vê como “oportunidades” para os agentes de mercado. Ao mesmo tempo, 40% da amostra vê o seu fornecedor de energia como fonte de informação, pelo que “fornecedores focados no cliente tornam-se orientadores em escolhas energéticas“. No entender do vice-presidente da Accenture Portugal, “os principais fornecedores de energia em Portugal estão em cima do tema e a liderar este caminho”.
75 mil milhões para a transição em Portugal
Os investimentos para atingir a neutralidade carbónica no sistema energético são “colossais”, lê-se no estudo. Até 2050, vão ser precisos 115 biliões de dólares de investimentos. 53 biliões dirão respeito à geração de energia limpa, 42 biliões e transmissão e distribuição, e 20 biliões em combustíveis fósseis de transição e tecnologias alternativas.
Portugal deverá investir cerca de 75 mil milhões de euros até 2050 na transição energética, apesar de esta estimativa não ter sido recolhida no âmbito deste estudo, indica a Accenture. Em termos de energias limpas antecipam-se “fortes investimentos” em energia solar e eólica, incluindo offshore, que somam mais de 40 mil milhões de euros até 2030 e continuarão até 2050.
No que respeita à transmissão e distribuição, a modernização da rede nacional de transporte e sistemas de armazenamento de energia, com valores acima de 1,2 mil milhões de euros aprovados só até 2026 (estimando-se uma verba muito superior para anos posteriores, ainda em aprovação). Já em relação aos combustíveis de transição, através do apoio ao hidrogénio verde, biocombustíveis avançados e gases renováveis, estima-se um investimento na casa dos 10 mil milhões de euros.
No que respeita à comparação com outros países, diríamos que as vantagens de Portugal estão relacionadas com temas geográficos e com o forte compromisso político com as metas climáticas.
“No que respeita à comparação com outros países, diríamos que as vantagens de Portugal estão relacionadas com temas geográficos (localização privilegiada para energia solar, eólica offshore e exportação de hidrogénio) e com o forte compromisso político com as metas climáticas (alinhado ao Green Deal europeu)”, balança Nuno Pignatelli.
Em oposição, a Accenture realça uma elevada dependência do financiamento europeu, a menor capacidade financeira em relação a países como Alemanha ou França, assim como a necessidade de acelerar a implementação de projetos devido a atrasos burocráticos e falta de mão de obra especializada.
“Portugal tem potencial para ser um líder regional em áreas específicas, como o hidrogénio verde e as energias renováveis, mas depende de estratégias bem coordenadas para superar as limitações financeiras e técnicas”, conclui o vice-presidente da Accenture Portugal.
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