Os bastidores da defesa de Manuel Pinho, pelo seu advogado Sá Fernandes
O advogado Sá Fernandes lança o livro "O caso de Manuel Pinho" em que conta todas os pormenores do processo judicial contra o ex-ministro, que culminou na sua condenação a 10 anos de prisão.
Em junho de 2017, Manuel Pinho bateu à porta do advogado Ricardo Sá Fernandes. Fora convocado para ir à Polícia Judiciária. “Falava-se de corrupção. Começava a pressão mediática que o assola até hoje. Eu respondi à chamada, como amigo e como advogado”. Ricardo Sá Fernandes, advogado conhecido dos holofotes mediáticos, lança o livro “O Caso Manuel Pinho”, que esta semana estará nas livrarias. Uma obra lançada antes de ser conhecida a decisão de recurso que está desde agosto nas mãos do Tribunal da Relação de Lisboa
Em quase 700 páginas, o advogado (e amigo de infância) do ex-ministro da Economia – que o acompanha desde 2017 no caso que culminou numa condenação, em dezembro do ano passado – reúne conteúdo da maior parte das peças processuais do chamado caso EDP e tenta explicar em que é que Pinho errou (pouco) mas também explana a forma como foi “perseguido” pelas autoridades judiciárias portuguesas e pela comunicação social, que terão ajudado a uma “falsa perceção” de um Pinho corrupto. Certo é que o ex-ministro de Economia de José Sócrates – também este arguido mas no âmbito da Operação Marquês – foi o primeiro arguido a ser punido em Portugal por corrupção no exercício das suas funções públicas.
Precisamente sete anos depois do dia em que Pinho pediu ajuda a Sá Fernandes, viria a ser condenado a dez anos de prisão efetiva por dois crimes de corrupção passiva para ato ilícito, um crime de fraude fiscal e um crime de branqueamento de capitais. Um processo – que viria a ser chamado de EDP – em que ‘dividiu’ o banco dos arguidos com Ricardo Salgado e que decorreu do processo principal dos CMEC que envolve António Mexia, João Manso Neto e João Conceição.
A condenação de Manuel Pinho ficou a dever-se, no essencial, a um pacto corruptivo celebrado com Ricardo Salgado, que presidia ao BES e ao GES. A troco de benefícios ilegítimos, Manuel Pinho teria passado a funcionar como uma espécie de “agente infiltrado” do ex-homem forte do BES – e mais tarde, no âmbito da Federação Portuguesa de Golfe, na comissão executiva
da candidatura de Portugal à Ryder Cup – para conceder vantagens indevidas ao BES e ao GES. “Este foi o cenário criado, mas que não corresponde à realidade”, diz Sá Fernandes.
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“Aqui, falarei dos factos, dos argumentos e das provas que me levam a afirmar que Manuel Pinho não praticou o crime de corrupção pelo qual foi condenado. Caberá ao leitor ajuizar se tenho razão”, diz o advogado na obra que vai estar nas livrarias nos próximos dias.
Ricardo Sá Fernandes admite que o seu cliente cometeu o que chama de “dois erros censuráveis” e que, “sem subterfúgio, reconhece e lamenta”. E que esta “assunção de responsabilidades ficou clara desde a primeira hora em que foi chamado
à justiça. Tanto perante mim, como seu advogado, como perante as autoridades judiciárias e tributárias”.
O primeiro erro – explica Sá Fernandes – foi partilhado com dezenas de outros administradores, funcionários, colaboradores e parceiros do Grupo Espírito Santo (GES) ao aceitar receber, desde que ingressou no BES em 1994, parte das suas remunerações e prémios de desempenho em contas sediadas no estrangeiro, sem ter incluído esses rendimentos nas suas declarações fiscais. Segundo a obra – um argumento aliás repetido ao longo do julgamento- esta era uma prática instituída no GES desde a privatização do Banco Espírito Santo, “por razões que não cumpre aqui debater, mas obviamente errada, ilícita e indesejável”.
O segundo erro foi o ter assumido um cargo ministerial sem revelar ao Tribunal Constitucional que possuía um património financeiro relevante não declarado fiscalmente, tendo, além disso, créditos pendentes sobre o GES, que igualmente
viria a receber por aquela via durante o tempo em que foi ministro. O recebimento de tais quantias nesses termos constituía um ilícito fiscal, punível, como crime de fraude fiscal, pelo Regime Geral das Infrações Tributárias. Porém, “aproveitando a oportunidade facultada pelo Regime Excecional de Regularização Tributária (RERT III), aprovado em 2011, durante o Governo de Passos Coelho – em linha com os RERT I e II, aprovados durante os Governos de José Sócrates –, Manuel Pinho regularizou a sua situação fiscal em 2012 relativamente aos rendimentos auferidos até 2010”, escreve o advogado.
Por outro lado, em 2013, fazendo declarações de substituição do IRS, “saneou as suas faltas fiscais referentes aos anos de 2011 e 2012. A partir daí, não mais deixou de participar fiscalmente aquilo que lhe competia declarar”. Avisando que, regularizado esse passado, “deixou de poder ser punido em matéria fiscal (o que, de resto, o Ministério Público e o tribunal também aceitam, com exceção do IRS referente a 2011, já depois de ter cessado as suas funções públicas)”.
Sá Fernandes garante que o que chamou de “cenário criado” pelo Ministério Público e pelo juiz que o condenou, “não corresponde à realidade”. Porquê? Porque não é simples descortinar os factos com “olhos de ver”, tendo em conta que Manuel Pinho é, desde 2017, apresentado ao país como um caso evidente de um político corrupto. A multiplicidade de notícias e opiniões, generalizadamente da responsabilidade dos órgãos de comunicação social, foi “tão enviesada e persecutória que inquinou a opinião pública e o tribunal. Não há nada mais difícil de desfazer do que uma ideia feita, sobretudo quando essa é a ideia que a comunidade espera que se dê como provada, mesmo que não seja verdade”. Por isso, este livro não pretende discutir “a convicção íntima dos juízes que subscreveram o acórdão, mas sim o erro judiciário que praticaram”, garante.
E chama o seu cliente de “bode expiatório de um país que ilusoriamente se julga consequente na luta contra a criminalidade económica e financeira. Seja como for, isso não pode ser feito à custa da condenação de quem não tem essa culpa, mas
dá jeito que pareça que tem”.
O advogado aponta ainda mais o dedo acusando o Estado de falhar no escrutínio da justiça : do trabalho de juízes, procuradores, advogados e dos serviços que asseguram a função – e que está na raiz dos seus problemas e da sua incapacidade para se regenerar. “Fala-se do que não se conhece. Emaranha-se o acessório com o principal. Confunde-se moral e crime. Mistura-se numa amálgama a competência e a incompetência, a seriedade e a desonestidade, a dedicação e a preguiça. Generaliza-se sem atender à individualidade de cada situação. Troca-se a verdade impopular pela ficção conveniente. Prefere-se a aparência à substância. Toma-se a nuvem por Juno. Denunciar e combater este jogo de enganos será sempre a minha prioridade”, concluiu.
Os argumentos dos juízes que condenaram Pinho e o recurso que ainda não aconteceu
Em junho de 2024, Manuel Pinho foi condenado a dez anos de prisão efetiva por corrupção, fraude fiscal e branqueamento. E Ricardo Salgado condenado a seis anos e três meses por corrupção e branqueamento. Já Alexandra Pinho, mulher de Pinho, foi condenada a quatro anos e oito meses de prisão. A juíza decidiu penas superiores às pedidas pelo Ministério Público — nove anos para Pinho e seis anos para Salgado.
No acórdão de 700 páginas, a magistrada do processo EDP deu como provados “1030 factos” que considerou serem “imensos”, defendendo que o ex-ministro da Economia de Sócrates atuou sempre a favor dos interesses de Ricardo Salgado e não dos interesses públicos, usando “um cargo público, violando a lei (…) e mercadejou com o cargo, pondo em causa a confiança do cidadão no Governo.” Através de um “esquema previamente delineado”, violando deveres funcionais de ministro.
A magistrada judicial disse ainda que os três arguidos “tinham conhecimento de que ao transferir montantes para a Suíça encobriram a origem dos montantes pagos a Manuel Pinho”, acrescentou a juíza. A tese apresentada por Manuel Pinho “não convenceu o tribunal” por ser “inverosímil, incoerente e ilógica”, fazendo parte de uma espécie de “realidade virtual”.
Na lista dos factos provados, a juíza considerou que Pinho e a mulher abriram uma offshore no Panamá para ocultar dinheiro de forma ilícita e que o casal recebeu ilegalmente quase cinco milhões de euros (4 milhões e 943 mil euros). Referindo-se à relação com Ricardo Salgado, a magistrada disse: “quando foi escolhido para ocupar o cargo de ministro, Ricardo Salgado prometeu a Pinho, para beneficiar indevidamente de forma direta e indireta os interesses do BES e GES, estar sempre disponível para receber 15 mil euros por mês”. O que “ocorreu mensalmente até junho de 2012″. Adicionalmente, houve um pagamento de 500 mil euros a 11 de maio de 2005, já Manuel Pinho era ministro há dois anos, explicou a magistrada.
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Dois meses depois do acórdão de condenação, a defesa de Pinho apresentou recurso na Relação de Lisboa e espera ainda uma decisão. Alega que o tribunal cometeu “erros crassos” na análise das provas, descrevendo-os como “graves e inaceitáveis”, e refuta todos os crimes pelos quais foi condenado, nomeadamente o pacto corruptivo com Ricardo Salgado ao deixar o Grupo Espírito Santo (GES), em 2005, para entrar para o Governo. “Não existiu o pacto corruptivo imputado a Manuel Pinho e Ricardo Salgado. Esta é a grande questão destes autos e o foco da luta do arguido, que, mesmo para além da questão jurídica, não merece ser conspurcado por condenação tão infamante, que já lhe destruiu boa parte da sua vida”, lê-se no documento, que sustenta que Manuel Pinho não atuou de forma contrária aos deveres do cargo e que não agiu como “agente infiltrado” de Salgado no Governo.
O recurso reitera também o direito do antigo governante às verbas recebidas do BES/GES durante e após a sua passagem pelo Governo, como o pagamento de 500 mil euros e as transferências mensais de cerca de 15 mil euros para uma conta ‘offshore’, assegurando que “é ilógica e inverosímil a conclusão do tribunal” de que as verbas pagas fossem o resultado de um alegado suborno e não dos prémios a que teria direito na saída do BES/GES.
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