Representante dos trabalhadores no ‘board’ da TAP de saída. Na CGD pede-se para adotar modelo

O Governo, no seu programa, abre a porta a que, além do caso da TAP, mais representantes dos trabalhadores integrem os conselhos de administração das firmas do setor empresarial do Estado.

Embora não seja uma prática muito comum em Portugal, em alguns países europeus é regra geral ter representantes dos trabalhadores no conselho de administração (CA) das empresas. Por cá, esta posição existe na TAP desde 2021, e foi assumida por um trabalhador da empresa, João Pedro Duarte. Findo o mandato, este afirma que não pretende recandidatar-se, embora possam existir novas eleições para ocupar esta posição. Em paralelo, a Comissão de Trabalhadores da Caixa Geral de Depósitos já apelou ao ministério das Finanças que uma posição semelhante fosse criada na próxima administração do banco público, e uma alínea do programa do Governo adensa esta expectativa. O ministério das Finanças, contudo, não se pronuncia para já.

Desde junho de 2021 que João Pedro Duarte é administrador não executivo na TAP, em representação dos trabalhadores. Uma posição que foi criada por iniciativa de Pedro Nuno Santos, secretário-geral do Partido Socialista, e na altura ministro das Infraestruturas de António Costa. O mandato da atual administração terminou no final de 2024, mas mantém-se em funções enquanto não é decidida a próxima composição. Apesar de disponível para se manter no cargo durante este compasso de espera, João Pedro Duarte indica ao ECO/Capital Verde que não pretende recandidatar-se, “porque não se devem prolongar no tempo alguns cargos [no sentido de serem assumidos continuamente pela mesma pessoa] e por questões pessoais”. “Quero voltar à posição que tinha”, afirma, referindo-se às funções como chefe de cabine da transportadora aérea. Já o cargo de representante dos trabalhadores em si, João Pedro Duarte entende que deveria manter-se parte da estrutura do Conselho de Administração da companhia aérea.

De acordo com António Rebelo de Sousa, membro da direção da Ordem dos Economistas, “existem expectativas” de que o governo deseje repetir o modelo na TAP, e replicar noutras empresas, “designadamente na CGD, que também terminou o seu mandato em dezembro de 2024”. Até porque faz parte do programa do Governo. No programa , que data de abril do ano passado, lê-se entre as “medidas tendentes a resolver as atuais insuficiências e aumentar a eficiência” no setor empresarial do Estado, a seguinte: “Nas empresas de maior dimensão, à semelhança das empresas privadas, introduzir membros independentes e representantes dos trabalhadores como administradores não executivos“.

Nas empresas de maior dimensão, à semelhança das empresas privadas, introduzir membros independentes e representantes dos trabalhadores como administradores não executivos.

Medida do programa do Governo

O coordenador da Comissão de Trabalhadores (CT) da Caixa Geral de Depósitos, Jorge Manuel Canadelo, indica ao ECO/Capital Verde que enviou, esta quarta-feira, dia 19 de fevereiro, uma carta dirigida ao ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, a apelar a que o modelo em vigor na TAP seja replicado no banco público. O objetivo, indica, é que os trabalhadores passem a estar mais informados sobre o caminho que está a ser traçado para a empresa ao nível da administração. Sobre candidatos, a CT não tem nenhum específico na calha e assume que este não teria de ser, necessariamente, membro desta comissão. Ressalva ainda que a representação dos trabalhadores na administração pode não estar restrita a um único lugar – admite sentar até três representantes dos trabalhadores no órgão máximo de chefia.

Contactado sobre a manutenção de um representante dos trabalhadores na administração da TAP e sobre a criação deste papel na CGD, o ministério das Finanças optou por não se pronunciar.

Na perspetiva da CIP — Confederação Empresarial de Portugal, uma eventual representação dos trabalhadores “terá sempre de assumir uma natureza voluntária”, não devendo ser imposta pela lei, “mas sim adotada livremente por cada empresa, de acordo com a sua realidade e estratégia”. No entanto, reconhece que existe legislação que determina que as empresas devem ter representação escolhida pelos trabalhadores nos Conselhos de Administração ou de Supervisão em treze países europeus.

Existem diversos modelos de representação dos trabalhadores no conselho de administração, mas o mais utilizado, nomeadamente na Alemanha, Áustria, França ou Irlanda, é a eleição direta de trabalhadores, pelos trabalhadores, para administradores não executivos, com todos os direitos e obrigações dos outros administradores não executivos, resume António Rebelo de Sousa. Desde que se garanta que pelo menos uma parte (um terço, segundo o código de governo das sociedades) dos não executivos seja independente, os outros podem representar acionistas e outras partes interessadas, acrescenta o presidente do Instituto Português de Corporate Governance, João Moreira Rato.

O limite de dimensão (em termos do número de trabalhadores) em que é necessária a representação de trabalhadores a nível dos conselhos de administração ou supervisão varia de 25 na Suécia e 35 na Dinamarca a 1.000 no Luxemburgo e em França, aponta a CIP. Nos Países Baixos, aponta Rebelo de Sousa, desde última década que, nas empresas com mais de 500 trabalhadores, públicas ou privadas, o conselho de administração tem um terço dos administradores não executivos como representantes dos trabalhadores, outro terço são representantes da sociedade civil e o restante terço constitui-se com representantes dos acionistas. Na Alemanha, acrescenta Duarte Júlio Pitta Ferraz, sócio da consultora de governança Ivens Governance Advisors, empresas com mais de 2000 colaboradores têm de ter 50% dos membros do conselho de administração nomeados pelos trabalhadores, excluindo alguns setores.

Melhor alinhamento, mas vantagens não são claras

António Rebelo de Sousa, como membro da direção da Ordem dos Economistas, que irá promover uma conferência com a temática da representatividade dos trabalhadores nos conselhos de administração, esta quinta-feira, enquadra esta discussão numa altura em que “a função-objetivo das empresas nas economias de mercado evoluídas está a passar a ser a maximização do lucro ao longo do tempo de vida do projeto empresarial”, mas sujeita a uma restrição: o bem-estar das partes interessadas, o que dita “a necessidade de uma parceria entre empresários, trabalhadores e clientes que se estende até aos fornecedores. “A existência de uma adequada cultura de diálogo social poderá constituir um vetor de inegável importância”, concede a CIP.

O objetivo do direito de representação no CA, continua Rebelo de Sousa, gira em torno de dar aos trabalhadores o poder de influenciar o desenvolvimento estratégico da empresa através da participação direta nas decisões ao nível da administração. Na visão de Duarte Júlio Pitta Ferraz, sócio da Ivens Governance Advisors, os países que legislam no sentido de promover esta representatividade procuram mais a proteção de empregos e estabilidade laboral no país do que a melhoria do desempenho das empresas.

Outro desígnio é melhorar o fluxo de informação: “vai ajudar sempre a uma melhor integração das perspetivas dos trabalhadores mais operacionais nas decisões”, defende Duarte Júlio Pitta Ferraz. Neste sentido, acrescenta Duarte Pitta Ferraz, também sócio na mesma consultora, “há naturalmente potencial para melhor alinhamento entre a gestão e os colaboradores”, o que pode contribuir para a motivação e compromisso dos trabalhadores para com a empresa.

um trabalhador é mais bem pago e enfrenta menos riscos relacionados com o salário se estiver empregado numa firma que tenha um representante dos trabalhadores no Conselho de Administração, mas não pela influência do representante em si.

National Bureau of Economic Research

Olhando a casos práticos, Duarte Pitta Ferraz assinala que a representação de trabalhadores no board da Volkswagen ajudou a que durante períodos de crise económica, como o de 2008, a empresa desse prioridade a soluções como redução de horas em vez de despedimentos coletivos. Também na Scania, na Suécia, a influência dos representantes dos trabalhadores incentivou o investimento em inovação em vez da aposta em despedimentos, de forma a maximizar custos imediatos.

De acordo com um estudo do americano National Bureau of Economic Research, um trabalhador é mais bem pago e enfrenta menos riscos relacionados com o salário se estiver empregado numa firma que tenha um representante dos trabalhadores no Conselho de Administração, mas não pela influência do representante em si: os benefícios são sentidos porque estas empresas geralmente são maiores e têm sindicatos fortes. Já a Harvard Business Review afirma, com base num levantamento da teoria científica, que “a representação de trabalhadores nos boards não é nem extremamente positiva nem negativa para o desempenho da empresa”.

Lealdade, agilidade e formação: três dificuldades

Apesar das vantagens, existem também vários “senãos”. “A dificuldade é que os representantes das partes interessadas sejam realmente representativos da parte interessada e não passem a representar-se a si próprios”, aponta João Moreira Rato, presidente do Instituto Português de Corporate Governance. E há o risco de serem “capturados” por outros interesses ideológicos ou políticos, em vez de zelarem pela criação de valor sustentável para a empresa. “Pode passar a ser um jogo de faz de conta. Mas se forem realmente um veículo transparente de representação faz sentido”, conclui.

Outra dificuldade está relacionada com o dever de lealdade, “que é um dos pilares da governança corporativa”, e que obriga os administradores a agir de acordo com o maior interesse da instituição, e não em benefício de um grupo específico, indica Pitta Ferraz. A experiência portuguesa no pós 25 de abril, quando se viveu um período de “forte envolvimento dos trabalhadores na administração das empresas”, evidenciou “desafios significativos”, aponta Duarte Pitta Ferraz. “Nessa altura, a preparação das pessoas nos CA era muito fraca”, dos representantes dos trabalhadores em particular, afirma. Isto porque estes atuavam como veículo de transmissão da posição dos sindicatos, e isso levou a questões de conflitos de interesse e quebras de confidencialidade, na medida em que temas discutidos em conselho eram “indevidamente” partilhados com sindicatos e trabalhadores, explica o também professor de Governança Corporativa.

No caso da TAP, conta o próprio representante dos trabalhadores, João Duarte não tinha qualquer ligação aos sindicatos quando foi eleito. “Para mim, foi sinal de que os colegas gostariam de alguém independente”, recorda. No início do mandato, contudo, contactou com todos os sindicatos e disponibilizou-se para ouvir as suas posições no futuro, e reuniu com os mesmos duas vezes por ano, mantendo em aberto a possibilidade de se dirigirem a si se entendessem necessário.

A maior dificuldade para João Duarte foi gerir as expectativas dos trabalhadores quanto ao seu papel, em particular no que diz respeito à partilha de informação. “O equilíbrio não é fácil. Mas atentando à lei, gerindo a expectativa dos colegas com diálogo e partilhando as limitações deste cargo, senti que acabei por ser compreendido”, afere.

Para ser representante de trabalhadores no board, não tenho de ser empregado na empresa.

Duarte Pitta Ferraz

Sócio da Ivens Governance Advisors

Na Alemanha e países nórdicos, os representantes dos trabalhadores têm códigos de conduta e mitigação de conflitos de interesse que têm de seguir. Além disso, “para ser representante de trabalhadores no board, não tenho de ser empregado na empresa”, continua o especialista. Há administradores não executivos nestas regiões cuja profissão é ser administrador não executivo em representação dos trabalhadores, o que “torna as pessoas adequadas para o cargo”, entende. Para Pitta Ferraz, nomear um trabalhador com uma ligação forte a um sindicato ou à Comissão de Trabalhadores “não é a forma correta” de efetivar a representação no conselho de administração.

No setor financeiro existem mecanismos de salvaguarda que não se estendem a todo o setor empresarial do Estado. Na banca, a nomeação de administradores está dependente de uma análise do respetivo perfil técnico e de conduta do candidato, que os supervisores avaliam antes da entrada em funções do mesmo. No setor empresarial do Estado, a solução pode passar por esta avaliação ser feita por uma comissão dentro do CA, defende Duarte Pitta Ferraz.

A existência de representantes de partes interessadas dotados de conhecimentos de gestão e do dinamismo inerente aos mercados constitui elemento nuclear. As empresas são julgadas pelos mercados de acordo com a sua gestão e estratégias e não pelos seus ideais ou agendas políticas”, remata a CIP, sublinhando que a representação deve ser assegurada por pessoas altamente qualificadas. Novamente, no caso da TAP, João Duarte acabou por ingressar num programa de gestão para executivos na Universidade Católica, entre 2021 e 2022, e procurou partilhar experiências com representantes de empresas em França e na Suécia.

Por fim, sobretudo quando a representação dos trabalhadores no board é mais alargada, provoca “uma maior dinâmica de negociação” na tomada de decisão, pelo que esta deverá ser mais demorada, e torna-se mais difícil mudar o status quo, diz Duarte Júlio Pitta Ferraz. Dá como exemplo a discussão que decorre, sobretudo na Alemanha, sobre a transformação do setor automóvel, “que até já vai atrasada”, e na qual os grandes fabricantes europeus têm de “negociar arduamente com os trabalhadores este tipo de conversões”. Em oposição, esperam-se decisões menos extremadas em função dos interesses de cada uma das partes, indica.

(Notícia atualizada com a informação de que o representante dos trabalhadores da TAP deseja que a posição que deixa à disposição continue a existir)

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