“Gestão ineficiente” das escolas contribui para falta de docentes
Em dez anos, as escolas públicas perderam 117 mil alunos, mas ganharam nove mil docentes. Hoje, porém, sente-se falta de professores e a "gestão ineficiente" das escolas está a agravar essa situação.
A “gestão ineficiente” dos recursos humanos das escolas públicas portuguesas está a contribuir para a falta de professores sentida, neste momento, a nível nacional. O aviso consta de um novo estudo do think tank EDULOG, da Fundação Belmiro de Azevedo, que aponta a organização da oferta escolar como um dos grandes fatores que justificam o défice de docentes.
“Existe uma elevada discrepância na distribuição dos alunos“, alertam os especialistas, que referem que, neste momento, cerca de 40% das escolas de Portugal continental têm menos de 15 alunos e 26% têm menos de dez anos distribuídos pelos diferentes anos dos ciclos de escolaridade.
“No caso do terceiro ciclo do ensino básico, em particular, identifica-se uma tendência para o aumento do número de escolas com menos de 15 alunos — nomeadamente, cinco alunos por ano de escolaridade — decorrente da quebra demográfica. Relativamente ao ensino secundário, o cenário é ainda mais alarmante, com cerca de 50% das ofertas de cursos profissionais das escolas públicas a registarem menos de 15 alunos, o que representa um desperdício de recursos, sobretudo de professores e dinheiros públicos“, detalha o EDULOG.
David Justino, membro do conselho consultivo do referido think tank, salienta ao ECO que a tendência demográfica descrita “é inequívoca”, mas o problema é que as escolas não estão a saber ajustar a gestão dos recursos humanos a essa realidade. “É necessário que a gestão dos recursos humanos e da rede seja feita de forma mais racional“, defende.
É necessário que a gestão dos recursos humanos e da rede seja feita de forma mais racional.
O especialista e ex-ministro da Educação nota, aliás, que a oferta até aumentou nos últimos anos (há hoje mais professores e mais turmas, afirma), mas desadequou-se face à procura, o que ajuda a explicar o cenário atual de escassez de docentes em muitas disciplinas e escolas.
Em resposta, o EDULOG recomenda, nomeadamente, uma melhor organização e a aposta na complementaridade entre as escolas do mesmo município ou de municípios vizinhos.
As situações teriam, porém, de ser analisadas caso a caso, uma vez que seria preciso garantir disponibilidade dos transportes públicos. “Não se pode traçar as coisas com régua e esquadro. Tem de se ter em conta a realidade”, assinala David Justino.
Outra das recomendações do EDULOG é a integração do primeiro e segundo ciclo um único ciclo, o ensino primário, de modo a “atenuar a dispersão da oferta de ensino“, tal como já acontece noutros países.
Aulas mais curtas
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Com turmas muitas vezes a serem hoje constituídas com menos alunos do que está definido como mínimo pelo Ministério da Educação, o think tank EDULOG apela a maior rigor na validação, “como forma de suprir as necessidades a curto e médio prazo”.
Esse período será “indispensável para que outras medidas — como o aumento do número de alunos a frequentar cursos de formação de professores — possam atenuar o défice estimado até ao final desta década“, argumentam os especialistas.
Por outro lado, o think tank destaca a necessidade de se olhar para a organização dos tempos escolares, nomeadamente, o tempo de aula, a organização dos horários semanais, as cargas horárias e o calendário anual.
“Em particular, a variação dos tempos letivos das unidades curriculares, com durações entre 45, 50 e 90 minutos, cria desperdícios, sendo possível obter ganhos se todas as escolas adotassem unidades de 50 minutos”, observam os especialistas. No caso desta proposta ser adotada, seriam libertados 181 horários completos por cada dez mil horários de 90 minutos, estimam.
Outra das soluções propostas são a uniformização do tempo escolar obrigatório que não vá além das 25 horas, uma “ligeira alteração” ao calendário escolar, “permitindo começar um pouco mais cedo e terminar um pouco mais tarde, como forma de aliviar as cargas horárias previstas nas matrizes curriculares”, e compensar o aumento anual de horas letivas com um alívio de algumas cargas horárias semanais das disciplinas.
Discutir para lá da profissão
Face a estes dados, David Justino defende que “não basta olhar para a problemática da necessidade de professores apenas na ótica da atratividade da profissão docente e, consequentemente, da crescente dificuldade de substituição de gerações de professores”.
“O que este novo estudo nos vem demonstrar é que o problema é sistémico, e que a resposta terá de passar, também, pela criação de mecanismos que permitam rentabilizar de uma forma mais eficiente os recursos humanos“, declara, apelando a um “modelo de gestão da escola pública muito mais uniformizado e eficiente”, em complemento à melhoria das condições de trabalho dos documentos.
A resposta terá de passar, também, pela criação de mecanismos que permitam rentabilizar de uma forma mais eficiente os recursos humanos.
Ao ECO, o especialista diz, ainda assim, que a função de planeamento e perspetiva não tem sido “suficientemente valorizada” no Ministério da Educação, sendo que, neste setor, é possível começar a trabalhar “com muitos anos de antecedência”.
Este think tank enquadra-se na Fundação Belmiro de Azevedo. O seu objetivo é “contribuir para a construção de um sistema de educação de referência” e a informação das políticas públicas “para a inovação e mudança na Educação”.
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