Galp enfrenta ‘aperto’ às refinarias com aposta na energia verde

A Galp já tem na refinaria de Sines as bases de dois projetos de produção de energia verde: um de hidrogénio, que será dos maiores na Europa, e outro de combustíveis renováveis, também na "frente".

Numa altura em que as refinarias europeias se veem confrontadas com uma diminuição da procura, motivada pela transição energética e regulação, a solução é adaptarem-se – caso contrário, 30% da refinação europeia pode ter o fim à vista. A Galp está a dar passos no sentido da diversificação, com o lançamento de um projeto de combustíveis renováveis e outro de hidrogénio verde na refinaria de Sines. Os primeiros vestígios destes investimentos, que totalizam 650 milhões de euros, já estão no terreno, e a previsão é que estejam operacionais em 2026.

De acordo com a Agência Internacional de Energia, uma capacidade de refinação de até 1 milhão de barris por dia pode fechar, até 2030, devido a “desafios de competitividade”. Nas palavras de Sérgio Machado, diretor de Hidrogénio Verde e Biocombustíveis da Galp, 30% da capacidade de refinação na Europa está em risco de encerrar, tendo em conta as pressões regulatórias e o movimento de eletrificação a que se assiste.

Enquanto “hoje” 95% do setor dos transportes se movimenta a combustíveis fósseis, “amanhã” – que Machado situa algures na década de 2040 – não só deverá ser consumida menos energia, por questões de eficiência, como os combustíveis fósseis só deverão alimentar 50% do setor dos transportes, deixando uma fatia de 35% a “cargo” dos combustíveis de baixo carbono e 15% para a eletricidade. A saída para as petrolíferas? A diversificação, defende.

Nas palavras do administrador executivo com o pelouro Industrial, Ronald Doesburg, “as refinarias não devem ser vistas como relíquias do passado, mas sim catalisadores da mudança”.

Em Sines, onde a Galp gere a última refinaria do país, dão-se agora os primeiros passos para essa diversificação – e são dados à frente do setor, garante Sérgio Machado, que guiou os jornalistas numa visita ao complexo industrial, esta terça-feira. Aos terrenos da refinaria já chegaram os três reatores que vão permitir a produção de combustíveis renováveis, a partir de meados de 2026. Vão ser produzidas 270 mil toneladas de combustível sustentável para aviação (SAF) ou óleo vegetal hidrotratado (HVO), combustíveis de “baixo carbono” que servem, respetivamente, para fazer mover aviões e transportes rodoviários.

É um passo muito importante para garantir que esta indústria tem futuro“, afirmou Sérgio Machado, referindo-se à nova produção de combustíveis renováveis e à instalação de 100 megawatts de capacidade de produção de hidrogénio. Isto, esclareceu, apesar já serem produzidas atualmente 100 mil toneladas de HVO por ano na refinaria, mas em coprocessamento, ou seja, em conjugação com outros processos, explicou Sérgio Machado.

No que diz respeito ao SAF, Machado assinala que existem, para já, oito unidades em operação na Europa, uma delas da concorrente Repsol, em Espanha, ligeiramente mais pequena que aquela que é projetada pela Galp para Sines, e com uma diferença “relevante”: não tem unidade de pré-tratamento, o que confere mais flexibilidade à produção da Galp em termos das matérias-primas que pode utilizar. Neste sentido, considera que a petrolífera portuguesa não será a primeira mas está no pelotão da frente da produção de SAF.

Os três reatores que vão estar na origem dos combustíveis renováveis em SinesHugo Amaral/ECO

Os três novos reatores vão ser o berço das 270 mil toneladas atuais de novo combustível renovável. A matéria-prima já tratada – óleos e resíduos da indústria alimentar e florestal – é convertida no reator em combustível, que depois irá circular por um “emaranhado” de condutas e processos até atingir o grau de pureza desejado e ser armazenado em tanques, explica Bruno Fonseca Santos, diretor de Operações da refinaria. Um processo que deverá demorar duas a três horas.

A Galp deverá alternar entre a produção de HVO e SAF consoante o que for mais atrativo produzir em determinado momento, já que as matérias-primas são as mesmas. A grande diferença, indica Sérgio Machado, é que o SAF tem de estar preparado para aguentar muito baixas temperaturas, ao contrário do HVO. Para já, a produção de SAF apresenta-se mais competitiva, com as maiores margens.

Os dois milhões de toneladas de combustível para aviação que constituem, atualmente, a procura nacional, e a que a Galp consegue dar resposta quase na totalidade, enfrentam este ano a obrigação de incorporação de 2% de SAF. A produção da petrolífera tem como destino, essencialmente, os principais mercados da Galp, Portugal e Espanha, embora também possa viajar até outros países.

Sines ganha uma das maiores unidades de hidrogénio verde da Europa

Se no que diz respeito ao SAF a Galp se considera bem posicionada, no hidrogénio verde consegue destacar-se mais: a petrolífera portuguesa deverá deter uma das maiores unidades de produção de hidrogénio na Europa. Até à semana passada, quando foi inaugurada na Alemanha uma unidade com 54 megawatts, a maior tinha apenas 20 MW, diz Machado. A Galp está montar uma de 100 MW, num investimento de 250 milhões de euros.

Para já, estão apenas montadas as fundações onde irão assentar os eletrolisadores, a parte do processo mais demorada, garante Sérgio Machado. Estes equipamentos chegam no verão, e a eles vão-se juntar uma subestação e a estação de tratamento de água. Sobre eventuais dificuldades no fornecimento dos eletrolisadores, Machado assume que foi planeado com “muito tempo”, mas afirma que estão assegurados.

No caso do projeto de hidrogénio, ainda só são visíveis as fundaçõesHugo Amaral/ECO

A eletricidade a alimentar este projeto será 100% renovável, e está assegurada pela própria Galp, que terá uma espécie de contrato de aquisição de energia interno, explicou o responsável pela área. No que diz respeito à água não vai existir um acréscimo de consumo, já que vai ser reutilizada aquela que já era gasta na refinaria.

As cerca de 15.000 toneladas de hidrogénio verde que serão produzidas na refinaria servirão tanto para descarbonizar os combustíveis produzidos – o SAF não precisa de ser produzido com hidrogénio verde para ser sustentável, mas é um “extra” que pode ser valorizado –, como para descarbonizar a atividade da refinaria, que hoje produz e utiliza 60.000 toneladas de hidrogénio cinzento.

Quanto ao projeto de hidrogénio verde anunciado no âmbito de um consórcio que a Galp lidera com a EDP, o diretor de Hidrogénio indica que a decisão final de investimento ainda não está tomada, mas que está “a avançar”.

Operação derrapa para 2026. Expansão depende do mercado

A data inicialmente prevista para ambos os projetos, de SAF e hidrogénio verde, era final de 2025, mas Machado justifica o derrape até meados de 2026 com “ligeiros atrasos naturais numa obra desta dimensão e com esta complexidade”.

O objetivo é “ir fazendo gradualmente a introdução de combustíveis renováveis”, respondendo às necessidades do mercado e às diretivas europeias, indica Sérgio Machado, não avançando uma data para a descarbonização completa da refinaria. Para já, com o conjunto dos dois projetos agora lançados, a Galp reduz emissões equivalentes à retirada de 700.000 carros das estradas.

Já o diretor de Operações da refinaria acrescenta que ainda há capacidade para expandir a produção, pois a Galp trem uma área reservada a nascente, poente e sul, que pode vir a utilizar.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Galp enfrenta ‘aperto’ às refinarias com aposta na energia verde

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião