Portugal só deu “resposta marginal” no PRR a recomendação de Bruxelas de apoiar emprego
Agenda do trabalho digno focou-se nos direitos laborais e não no apoio ao emprego e à sua preservação, dando apenas "resposta marginal" a recomendação de Bruxelas, refere o Tribunal de Contas Europeu.
Bruxelas recomendou que Portugal apoiasse o emprego e desse prioridade às medidas que preservem os postos de trabalho, mas o país deu apenas uma “resposta marginal” a essa indicação nas reformas definidas no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). A conclusão é do Tribunal de Contas Europeu (TCE), que fez uma auditoria à eficácia das reformas promovidas pelos Estados-membros com o financiamento da “bazuca”.
As políticas de emprego são da responsabilidade de cada Estado-membro, mas, durante o semestre, o Executivo comunitário propõe e o Conselho Europeu aprova recomendações específicas por país.
Ora, com o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (no âmbito do qual, cada Estado-membro criou um PRR), Bruxelas ligou, pela primeira vez, o financiamento dos países a reformas económicas e sociais, estabelecendo que os fundos só seriam transferidos se os países prometessem realizar uma série de investimentos e reformas guiadas, nomeadamente, pelas referidas recomendações.
No caso de Portugal, uma das indicações de Bruxelas tinha sido “apoiar o emprego e atribuir prioridade às medidas que visem preservar os postos de trabalho“.
A resposta do país foi a Agenda de promoção do trabalho digno, pacote de mudanças à lei do trabalho desenhado pelo Governo anterior (liderado por António Costa) para combater a segmentação do mercado de trabalho, promover a negociação coletiva e proteger os direitos dos trabalhadores.
Esta sub-recomendação recebe apenas uma resposta marginal, uma vez que a reforma correspondente (a Agenda de promoção do trabalho digno) se centra nos direitos laborais e não no apoio ao emprego ou na sua preservação.
Na auditoria agora divulgada, o Tribunal de Contas Europeu considera que a recomendação de Bruxelas recebeu “apenas uma resposta marginal” com esta reforma, uma vez que a Agenda do trabalho digno se centrou nos direitos laborais, e não no apoio ao emprego ou na sua preservação.
Em contraste, a Roménia, por exemplo, deu resposta a 100% à recomendação de Bruxelas para “assegurar a fixação do salário mínimo com base em critérios objetivos, coerentes com a criação de emprego e a competitividade“.
“No seu PRR, a Roménia incluiu uma reforma que visa criar um mecanismo de fixação do salário mínimo em consonância com estes critérios. O Tribunal conclui que a reforma foi concebida de forma a dar uma resposta total à sub-recomendação“, é sublinhado na auditoria.
Portugal não foi, porém, o único Estado-membro a responder apenas “ao de leve” às recomendações de Bruxelas. Aliás, a nova auditoria deixa claro que nenhum país adotou reformas no âmbito da “bazuca” que procurassem resolver todas as indicações sobre o mercado de trabalho, e só quatro (Grécia, Espanha, Croácia e Finlândia) endereçaram essas recomendações quase na totalidade.
Como Portugal, outros 17 países deram apenas respostas marginais às recomendações nas reformas que ficaram definidas nos PRR. Já noutros quatro países (Dinamarca, Irlanda, Hungria e Eslováquia) as reformas não abordaram de modo algum as indicações de Bruxelas.
Agenda do trabalho digno com “resultados limitados”
Na sua nova auditora, o Tribunal de Contas Europeu assinala que, além de não ter respondido na íntegra à recomendação de Bruxelas, a Agenda do trabalho digno teve também resultados limitados.
“Até à data, os dados do Eurostat mostram apenas uma diminuição limitada da percentagem global de trabalhadores temporários entre o segundo trimestre de 2023 e o segundo trimestre de 2024 (ou seja, 1,9 pontos percentuais, de 17,9% para 16%). Além disso, as autoridades não conseguiram fornecer elementos de prova sobre em que medida os trabalhadores das plataformas contribuíram para essa alteração. Por conseguinte, o Tribunal considera que os resultados desta reforma são limitados”, é realçado na auditoria agora divulgada.
As regras do trabalho nas plataformas digitais foram um dos temas quentes da revisão da lei do trabalho, que entrou em vigor em maio de 2023.
Neste âmbito, abriu-se a porta a que um estafeta seja reconhecido como trabalhador dependente das plataformas, desde que sejam reconhecidos indícios de subordinação. Nos tribunais, não tem havido, porém, consenso, sendo que este era um dos pontos que o atual Governo sinalizou que seria para revisitar na lei do trabalho.
Com a queda do Executivo de Luís Montenegro e a antecipação das eleições legislativas, essa reflexão fica, contudo, pelo caminho.
Em contraste, o Tribunal de Contas Europeu destaca que em Espanha a regulamentação do trabalho dos entregadores ao domicílio das plataformas digitais conseguiu cumprir o seu objetivo principal: regular as condições de trabalho desses estafetas, estabelecendo uma presunção legal de uma relação laboral entre o condutor e a empresa.
“Durante o primeiro ano de aplicação, o número de trabalhadores reconhecidos como funcionários duplicou de 5.464 para 10.980“, observa a auditoria.
Milhões da “bazuca” não resolvem todos os problemas
Apesar dos milhões da “bazuca”, os problemas nos mercados de trabalho da União Europeia persistem. “Em certos países, alguns dos problemas estruturais que mais afetam as pessoas continuam sem solução“, observa o Tribunal de Contas Europeu, referindo, a título de exemplo, a integração de grupo vulneráveis no mercado de trabalho e a diminuição dos impostos sobre o trabalho em contrapartida a aumentos noutras áreas.
Além de muitas das recomendações terem ficado sem resposta nas reformas do Mecanismo de Recuperação e Resiliência ou com resposta pela rama, até agora, não há provas de que metade das reformas tenham conseguido “resultados que se vejam ou mudado alguma coisa nos mercados de trabalho dos países“, sublinha a auditoria.
Assim, o Tribunal de Contas Europeu alerta que é difícil avaliar o efeito das reformas, porque, muitas vezes, não há indicadores convenientes. E ainda defende que a Comissão Europeia deve criar “um quadro para avaliar os resultados, garantir que os países dão uma resposta adequada aos principais problemas e verificar que os marcos e as metas do MRR cobrem todas as partes essenciais das reformas”.
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