Exclusivo O Novobanco, um gestor e um negócio imobiliário em família sem concurso
Investigação interna do banco 'ilibou' Volkert Schmidt, denunciado por vender herdade à mulher. Havia outro investidor interessado, que se queixa de não ter tido acesso a toda informação do processo.
Uma herdade, um gestor do Novobanco e um negócio imobiliário com um desfecho… familiar. Foi o próprio Volkert Reig Schmidt quem “mencionou” um terreno no Meco ao grupo de investidores que haveria de comprar o imóvel ao Novobanco, num negócio imobiliário ao qual, mais tarde, se veio a juntar a sua própria mulher. Agora, o gestor foi denunciado por ter vendido a Herdade da Ferraria à sua cônjuge e a preço de saldo, de acordo com o jornal Público. O banco alega que se tratou de uma venda realizada num processo competitivo, mas o outro candidato interessado na aquisição da propriedade diz que não. Nem houve concurso, nem toda a informação lhe foi disponibilizada.
O caso remonta a maio de 2022, quando o GNB GA, a sociedade de gestão de ativos do Novobanco, então liderada por Volkert Reig Schmidt, decidiu vender a Herdade da Ferraria, localizada em Sesimbra, a um grupo de três investidores — Vasco Pereira Coutinho (Lince Capital), Álvaro Fernández (diretor-geral da Michael Page Portugal) e Alexandre Tilmant — por 1,5 milhões de euros, um milhão de euros abaixo das avaliações do banco.
Desde o início estava previsto a entrada de um quarto investidor, o que veio a acontecer dois anos mais tarde – logo em 2022, foi pedido à KPMG para estruturar a operação do ponto de vista financeiro e apenas o nome do quarto investidor não estava identificado do documento com o nome ‘Meco Project’.
Em junho de 2024, a esposa de Volkert Reig Schmidt, Ana Flor Argos, adquiriu uma quota de 25% na sociedade que detém o terreno localizado na mata de Sesimbra, por 400 mil euros, tornando-se sócia dos três investidores (e amigos) que compraram a herdade ao banco.
Foi nessa altura que o presidente do GNB GA comunicou internamente o negócio realizado pela sua mulher, ao abrigo das regras do banco que obrigam ao reporte de detenção de participações societárias por membros dos órgãos sociais e respetivas partes relacionadas.
De imediato, o Novobanco desencadeou uma investigação ao processo de venda da Herdade da Ferraria. Agora a instituição assegura ao ECO que “até à data, nada foi identificado que ponha em causa a integridade do processo de venda deste imóvel”.
Volkert “mencionou” herdade
Mas por que razão entrou como sócia da Herdade da Ferraria? Como surgiu esta oportunidade de negócio? Que relação tem com os outros três investidores? Apesar das insistências de contacto nas últimas semanas, nem Volkert Reig Schmidt, nem Ana Flor Argos estiveram disponíveis para prestar quaisquer esclarecimentos sobre a aquisição da sociedade Quadrante Frenético, que detém 25% da sociedade Várzea da Lagoa, que, por sua vez, é a proprietária da Herdade da Ferraria, um terreno equivalente a 257 campos de futebol.
Vasco Pereira Coutinho – que, através da Lince Capital, geria um dos principais ativos imobiliários do Novobanco, o terreno na Artilharia 1, em Lisboa, onde ia ser construída a nova sede do banco – explica ao ECO que o quarto investidor ia ser um familiar direto seu, mas este acabou por desistir “dado o tempo que passou sem qualquer desenvolvimento do projeto inicialmente previsto”. Adianta também que “o novo sócio garantiu total isenção de conflito e ilegalidades em poder fazer parte deste projeto”.
As mesmas garantias foram dadas a Alexandre Tilmant, outro dos três co-investidores iniciais. Revela que foi o próprio Volkert Reig Schmidt quem “mencionou” a Herdade da Ferraria, surgindo assim a oportunidade para, juntamente com os outros dois sócios, adquirir o terreno. Os três investidores não explicam, porém, por que razão convidaram, mais tarde, a mulher de Volkert Reig Schmidt para entrar no negócio após a desistência do familiar de Vasco Pereira Coutinho.
Dois anos e meio depois, o projeto imobiliário previsto para a Herdade da Ferraria não registou qualquer desenvolvimento no terreno, segundo o Novobanco e os investidores. “O imóvel mantém-se nas mesmas condições em que foi vendido, isto é, sem licenças de edificação, onde se inclui acesso a água (furo) e saneamento (fossa)”, nota o banco.
A instituição frisa ainda que a venda da herdade em 2022 não foi realizada a partes relacionadas e que o preço de venda do ativo ao grupo de três investidores foi 36% (400 mil euros) acima do preço oferecido por outro interessado.O banco garante assim que se tratou de um processo “competitivo” e de acordo “com as melhores práticas”. Mas o outro interessado na herdade contraria esta versão.
“Fui surpreendido”
Embora sem registar qualquer avanço até hoje, o que limita a utilização do terreno de 257 hectares praticamente à atividade de cultivo, para a Herdade da Ferraria está projetada outra ambição: a construção de nove moradias com 500 metros quadrados cada.
Foi com esse objetivo que, antes de avançar para a venda aos três investidores, o GNB GA solicitou um parecer a uma sociedade de advogados para apurar a viabilidade de um projeto naqueles moldes.
A nota da Abalada Matos Moraes e Cardoso (AMMC), com a data de 11 de março de 2022, concluiu que sim: a “operação de transformação fundiária” com vista a converter os dois prédios existentes na herdade em nove novos prédios de 500 metros quadrados pode ser conseguida dentro de um “prazo razoável”. A AMMC alertava, ainda assim, para o facto de serem necessários procedimentos “normalmente muito morosos”. Ou seja, quem viesse a comprar a herdade não poderia esperar avanços do dia para a noite e tinha de ser paciente.
Por esta altura, o banco já tinha um interessado (antigo) no imóvel. Uma sociedade chamada Monte da Ferraria, que ‘mora’ ao lado da herdade, já tinha tentado comprar o terreno em 2019, por 900 mil euros, mas a proposta foi rejeitada.
Em 2020, a Monte da Ferraria submeteu uma nova oferta, com uma revisão em alta do preço, propondo 1,1 milhões de euros, com base no pressuposto (segundo a due diligence que realizou) de que aquele terreno só permitia a construção de 500 metros quadrados para habitação – apenas um décimo da capacidade de edificabilidade que o parecer dos advogados pedido pelo banco veio a sustentar depois.
Contactado pelo ECO, Alexandre Godinho, proprietário da Monte da Ferraria, revela que não teve conhecimento do parecer jurídico. E que se tivesse tido conhecimento, “apresentaria uma proposta diferente” pelo terreno que pertencera à família há mais de duas décadas e agora tentava recuperar.
De resto, para se perceber a importância do parecer, Alexandre Tilmant admite que foi “uma das razões que espoletou” o seu interesse e dos outros dois sócios na herdade em 2022.
Alexandre Godinho também rejeita a ideia de que tenha havido um concurso e conta que foi apanhado de surpresa quando lhe disseram do banco que o terreno já tinha sido vendido. “Foi criada a ideia de que haveria um procedimento concursal e quando, passado algum tempo, perguntei quando seria lançado, fui surpreendido com a resposta de que a propriedade já tinha sido vendida”, conta ao ECO, rejeitando, porém, avançar com qualquer tipo de ação legal contra o banco.
Houve tensão competitiva no processo? Como é que a omissão de parecer relevante se coaduna com as melhores práticas?
Confrontado com estes factos, o Novobanco assegura que sim. Diz que que teve “interações” com a Monte da Ferraria para que melhorasse o preço, mas sem sucesso. E que “todas as partes (incluindo todos os potenciais compradores) e decisores relevantes receberam todas as informações necessárias para tomar decisões informadas”. “Nenhum potencial comprador foi prejudicado”, defende o banco.
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