Guerra de tarifas pressiona bancos centrais e aumenta incerteza sobre rumo das taxas de juro
Mercados aumentam a expetativa de que BCE corte os juros na próxima reunião, enquanto presidente da Fed considera "demasiado cedo" para dizer qual será o caminho apropriado para a política monetária.
A dimensão do impacto guerra de tarifas será diferenciada de país para país, mas já é certo que se projeta uma desaceleração do crescimento da economia mundial. Com uma travagem na expansão do Produto Interno Bruto (PIB) esperada para os Estados Unidos e para a Zona Euro, os banqueiros centrais ficam mais pressionados, aumentando a incerteza sobre o rumo da política monetária.
O Banco Central Europeu (BCE) tem defendido prudência nas decisões sobre as taxas de juro perante a “elevada incerteza” provocada pelas tarifas que os Estados Unidos vão aplicar sobre as importações, nomeadamente europeias (20%). No entanto, o vice-presidente da instituição, Luís de Guindos, reconheceu na quinta-feira que “a menor procura por exportações da Zona Euro e menor crescimento resultante do impacto de tarifas mais altas ou tensões geopolíticas podem representar uma ameaça à economia”.
A menor procura por exportações da Zona Euro e menor crescimento resultante do impacto de tarifas mais altas ou tensões geopolíticas podem representar uma ameaça à economia.
“Uma escalada nas tensões comerciais pode levar à depreciação do euro e os custos de importação aumentarem, enquanto a, muito necessária, despesa com defesa e infraestrutura pode aumentar a inflação através da procura agregada“, disse numa intervenção numa conferência em Amesterdão. Segundo o responsável do BCE, as tensões geopolíticas também podem levar “a uma inflação mais elevada devido a interrupções comerciais, aumento dos preços das matérias-primas e custos de energia“.
De acordo com as atas da última reunião (realizada em março, antes do mais recente anúncio do Presidente norte-americano), o Conselho do BCE considera que “a combinação de tarifas americanas e medidas de retaliação pode gerar riscos em alta para a inflação”, sobretudo no curto prazo.
A este cocktail junta-se na perspetiva do Conselho outro elemento: as empresas também poderão aumentar os preços mais rapidamente em resposta a um novo choque inflacionista.
Perante este choque, os mercados já descontam uma probabilidade de 60,4% de as taxas de juros reduzirem-se para 2,25% na reunião de 17 de abril. “Para o BCE, outro corte de 25 pontos base nas taxas de juros em abril parece agora ainda mais provável”, prevê Jan von Gerich, analista do Nordea, numa nota de research, considerando “que os riscos estão inclinados para novos cortes de taxa do BCE nas próximas reuniões”.
Uma posição semelhante à de Carsten Brzeski, economista do ING, que destaca numa nota de research que o choque no comércio e na confiança e a diminuta perspetiva de negociações rápidas levará o BCE a cortar os juros em 25 pontos base na reunião de abril. No entanto, a decisão não é ainda dada como garantida, com governadores com diferentes pontos de vista.
O governador do Banco de Portugal (BdP) defendeu que os bancos centrais devem “continuar a fazer” aquilo que considera estar a ser feito “até hoje, com enorme sucesso: controlar a inflação”. Em declarações aos jornalistas em Cabo Verde, citado pela Lusa, Mário Centeno argumentou que os riscos que as medidas venham a induzir na evolução dos preços “têm de ser avaliados, tem de se perceber se são temporários ou não”.
Governador do Banco de Portugal defende que os bancos centrais devem “continuar a fazer” aquilo que considera estar a ser feito “até hoje, com enorme sucesso: controlar a inflação”.
“É essa a função dos bancos centrais e vamos continuar a desempenhá-la”, disse aquele que tem sido uma das vozes que no Conselho de Governadores tem defendido um corte de juros pelo banco central.
Um dia antes sublinhou, sobre o impacto na inflação, que os “se a tarifa é um imposto, o preço nessa transação vai subir, mas como existem todos estes mecanismos de compensação e de comércios alternativos que são estabelecidos, pode até acontecer que esse comércio se torne mais competitivo e seja uma competição através do preço e até que se consigam, no final, preços mais baratos neste comércio que se vai agora impor“.
Por seu lado, o presidente do Bundesbank, Joachim Nagel, já veio afirmar que o BCE terá de analisar o impacto do novo capítulo da guerra comercial, alertando que levará a uma redução do crescimento e a uma aceleração da inflação. No entanto, o governador do Banco de Itália, Fabio Panetta, defende cautela por parte do BCE no corte de juros, enquanto o governador do Banco Nacional Austríaco, Robert Holzmann, argumentou recentemente que a inflação se situa em níveis baixos, pelo que Frankfurt não precisará de reduzir mais as taxas.
Do outro lado do Atlântico, o dilema de Jerome Powell é maior. O presidente da Reserva Federal norte-americana (Fed) alertou na sexta-feira que as tarifas anunciadas por Trump são “significativamente maiores do que o esperado” e que irão acelerar a inflação e travar a economia, criando incerteza sobre o rumo das taxas de juro.
As tarifas muito provavelmente irão gerar uma subida temporária da inflação, mas é também possível que os efeitos sejam mais persistentes.
“É demasiado cedo para dizer qual será o caminho apropriado para a política monetária”, avisou Powell, que realçou que “a dimensão e a duração destes efeitos permanecem incertas”. Para o responsável da Fed, “as tarifas muito provavelmente irão gerar uma subida temporária da inflação, mas é também possível que os efeitos sejam mais persistentes“.
Paralelamente, Donald Trump continua a pressionar o responsável da Fed a cortar os juros. “É a altura perfeita para o presidente da Fed Jerome Powell cortar as taxas de juro. Está sempre ‘atrasado’, mas poderá agora mudar a sua imagem, e rapidamente”, escreveu Trump na sua rede social, acrescentando: “Corta as taxas de juro, Jerome, e para de brincar à política”.
Jan von Gerich, do Nordea, considera que “o impacto da inflação ascendente das tarifas manterá o Fed em espera, mas se a deterioração da confiança piorar e o crescimento sofrer um golpe mais notável, os cortes de taxa podem voltar rapidamente ao ativo“.
“Afinal, a Fed ainda considera que a política atual está claramente em território restritivo. O preço de mercado dos cortes de taxa da Fed aumentou rapidamente, e um corte de 25 pontos base está atualmente descontado nos preços até a reunião de junho, enquanto um total de cerca de 100 pontos base de cortes está nos preços até o final do ano”, refere.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Guerra de tarifas pressiona bancos centrais e aumenta incerteza sobre rumo das taxas de juro
{{ noCommentsLabel }}