Cartas que EUA enviaram a empresas em Portugal contra diversidade são “inaceitável intromissão”, diz CITE
A presidente da CITE critica o envio de cartas pela embaixada dos EUA a empresas em Portugal a informar que estas têm de deixar programas de diversidade, considerando-o uma "inaceitável intromissão".
As cartas que o Governo dos Estados Unidos enviou às empresas em Portugal que lhe fornecem serviços e bens a informar que estas devem abandonar os seus programas de diversidade, equidade e inclusão (DEI) são “uma inaceitável intromissão” na política interna dos países e da União Europeia. Quem o diz ao ECO é a presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), Carla Tavares, que se confessa preocupada com este “sinal de retrocesso” nos direitos humanos.
“A CITE vê com muita preocupação, por tudo o que representa esta atitude. Representa não só uma inaceitável intromissão na política interna de estados terceiros, como da própria União Europeia”, começa por sublinhar a responsável, em respostas enviadas ao ECO.
“Todavia, o mais grave é o seu significado, pois este tipo de atitude mais não é que um sinal de retrocesso em relação a todas as conquistas alcançadas nos últimos anos, no que se refere à defesa de direitos humanos”, alerta.
Na visão de Carla Tavares, pode haver, sim, inicialmente por parte de algumas empresas “uma tentação em ceder a essas pressões”, mas há “um conjunto de valores e legislação europeia que preconiza exatamente o oposto“.
Este é o momento para a União Europeia e os Estados Membros serem ainda mais firmes na afirmação dos seus valores de defesa dos direitos humanos e no combate a todas as formas de discriminação.
“Este é o momento para a União Europeia e os Estados Membros serem ainda mais firmes na afirmação dos seus valores de defesa dos direitos humanos e no combate a todas as formas de discriminação”, defende a presidente da CITE.
Ainda assim, reconhece que, “quem trabalha diretamente nesta área sabe bem que há sempre quem nunca tenha sido ‘adepto’ das políticas DEI, precisamente com o mesmo argumento agora usado pela administração Trump, alegando que se deve valorizar o mérito”. “E isto acontece quando se fala de quotas, de igualdade salarial e de um conjunto de outros direitos”, detalha a responsável.
Questionada, por outro lado, sobre respostas que a CITE poderá acionar face ao envio destas cartas às empresas portuguesas, a presidente garante que, “sendo necessário, dará nota ao Governo de alguma situação preocupante com que se depare e que viole as regras não só do direito nacional mas, também, do direito europeu“.
O ECO já questionou o Ministério da Economia sobre as cartas enviadas pelos Estados Unidos às empresas em Portugal, mas o gabinete de Pedro Reis remeteu para o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Do gabinete de Paulo Rangel, só silêncio.
“Falta de respeito para com a soberania”

Também a Associação Portuguesa para a Diversidade e Inclusão (APPDI) está muito preocupada com as missivas enviadas às empresas portuguesas. “São uma falta de respeito para com a soberania dos países e das organizações“, sublinha a coordenadora de projetos Mónica Canário.
Segundo conta Mónica Canário ao ECO, as primeiras missivas nesse sentido foram registadas em Espanha, mas também já houve empresas a receber cartas semelhantes em Itália e noutros países da Europa Central. Segundo a imprensa internacional, também em França, Bélgica e na Europa de Leste houve empresas a serem notificadas pelas embaixadas.
“A Europa é a Europa. Os Estados Unidos são os Estados Unidos. No entanto, estamos bastante preocupados com este posicionamento dos Estados Unidos“, salienta a coordenadora de projetos da APPDI, em conversa com o ECO. “É um exemplo de como a administração de Donald Trump vai lidar com o mundo nos próximos quatro anos”, alerta a responsável.
Esta posição demonstra uma falta de respeito para com a soberania dos países e das organizações. É um exemplo de como a administração Trump vai lidar com o mundo nos próximos quatro anos.
Na visão de Mónica Canário, cabe agora às empresas fazer “um finca-pé” ou se “os valores financeiros são prevalecentes”, sendo que, defende, há no mercado quem possa substituir o Governo norte-americano como cliente dessas companhias.
“Alertamos para que as empresas não alinhem nestas políticas“, afirma a responsável, que avança que em Espanha já houve “muita contestação por parte das entidades privadas” e em França está a haver também “um movimento de proteção dos direitos humanos”.
Além disso, as associações dos 25 Estados-membros que promovem as cartas de diversidade — compromisso a que as empresas dos vários países se têm juntado — estão a ultimar uma carta aberta dirigida às instituições europeias, a exigir que seja preparada legislação para proteger os grupos mais vulneráveis e subrepresentados.
Conforme avançou em exclusivo o ECO na segunda-feira, a embaixada dos Estados Unidos em Portugal está a levar a cabo uma revisão global dos contratos entre o Governo norte-americanos e empresas nacionais, o que inclui a certificação de que estas cumprem a ordem executiva assinada em janeiro por Donald Trump que põe um “ponto final” nos programas de diversidade.
O objetivo, lê-se nesse documento, é “acabar com a discriminação ilegal e restaurar as oportunidades baseadas no mérito”. Isto não só no seio do Governo o Estados Unidos, mas também nas empresas que com ele têm contratos, daí que várias empresas da União Europeia estejam agora a receber cartas a indicar que devem abandonar os seus programas de diversidade.
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