Faltou transparência no bónus de meia pensão dado por Costa. Novo estudo quer melhoria da comunicação da Segurança Social

Estudo alerta que trabalhadores tendem "a não saber com exatidão a sua idade de reforma" e a ter dúvidas quanto ao valor futuro da sua reforma. Apela a melhorias na comunicação da Segurança Social.

Numa altura em que a inflação estava em níveis recorde, o Governo de António Costa anunciou um bónus correspondente a meia pensão, para apoiar os reformados a enfrentar a subida dos preços. Em contrapartida, as atualizações das pensões de janeiro de 2023 foram, porém, limitadas. Um novo estudo realça agora que “não existiu transparência na forma como a política foi comunicada“. E essa não foi a única vez que a comunicação da Segurança Social gerou mais dúvidas do que certezas, apelando os investigadores a uma melhoria a esse nível.

Este estudo faz parte de um projeto que é apresentado esta quarta-feira, dia 9 de abril, no campus da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE). Em causa está o projeto “Avaliação de políticas numa perspetiva intergeracional“, que visa “contribuir para a construção de um futuro equitativo para todas as gerações“.

Neste âmbito, estão a ser analisadas políticas públicas e preparadas recomendações para as tornar mais alinhadas com uma visão de longo prazo. Para já, seis medidas (entre as quais, a tal limitação da atualização das pensões levada a cabo pelo Governo anterior) já foram avaliadas e os resultados são apresentados esta manhã.

“Em setembro de 2022, o Governo português anunciou que iria atribuir meia pensão aos pensionistas para mitigar os efeitos da elevada taxa de inflação, mas a atualização das pensões em janeiro de 2023 seria inferior ao previsto pela referida lei. Em abril de 2023, o Governo anunciou que a partir de julho as pensões receberiam um reforço estrutural que implicaria que o aumento total ao longo de 2023 seria equivalente ao aumento que teria ocorrido se a fórmula automática tivesse prevalecido”, lembram os investigadores.

Na análise que é apresentado esta quarta-feira, salienta-se que o principal objetivo da atribuição do referido bónus foi mitigar os efeitos da inflação, tendo o Governo reconhecido, depois, que não seria possível aumentar as pensões, de forma normal, no arranque de 2023, para “não comprometer a sustentabilidade da Segurança Social“.

Assim, os investigadores argumentam que “não existiu transparência na forma como a política foi comunicada, o que pode gerar incompreensão e falta de confiança por parte dos cidadãos”, alertam. “Comunicar os benefícios da medida para as próximas gerações com base em evidência científica ajuda a legitimar as políticas“, frisam os mesmos.

Não existiu transparência na forma como a política foi comunicada, o que pode gerar incompreensão e falta de confiança por parte dos cidadãos.

Nova SBE

Pior, este não foi um caso isolado. De acordo com a nova análise, os trabalhadores tendem “a não saber com exatidão a sua idade de reforma“, como funciona o sistema de Segurança Social e “tende a existir incerteza em relação ao valor futuro da sua pensão”, ainda que diversos estudos demonstram que “informar os cidadãos leva a que estes apoiem mais as políticas”.

Assim, os investigadores defendem que “a comunicação de reformas da Segurança social deve melhorar“.

“Informar sobre as medidas é importante para os trabalhadores. A Segurança Social tem impacto na oferta de trabalho no final da vida e, consequentemente, nas decisões de consumo e poupança“, sublinham.

No entanto, no que diz respeito particularmente ao bónus e à limitação das atualizações regulares das pensões, o novo estudo conclui que estas medidas não aumentaram a desigualdade entre as gerações, nem dentro das gerações. Antes, foram eficientes e intergeracionalmente justas.

A atual geração de pensionistas teve de contribuir menos para obter a atual pensão, enquanto as gerações futuras terão de contribuir mais para ter uma pensão igual.

Nova SBE

“A política desfavorece os atuais pensionistas, já que a pensão diminui em termos reais. Todavia, a atual geração está em vantagem, comparativamente às gerações futuras. A atual geração de pensionistas teve de contribuir menos para obter a atual pensão, enquanto as gerações futuras terão de contribuir mais para ter uma pensão igual“, é realçado, em relação à justiça entre gerações.

Por outro lado, quanto à desigualdade intrageracional, observa-se que os aumentos das pensões foram maiores para pensões mais baixas, diminuindo essa desigualdade, notam os investigadores.

Apoio à contratação sem termo pode ter criado injustiça entre gerações

Outras das medidas analisadas no âmbito deste projeto, cujos resultados são agora conhecidos foi o Compromisso Emprego Sustentável.

O Governo anterior aproveitou as verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para criar um novo apoio à contratação sem termo de jovens e desempregados, mas este novo estudo alerta que essa medida foi “provavelmente injusta“, no que diz respeito à dinâmica entre as várias gerações.

Esta medida – que, entretanto, foi revogada e substituída por outra pelo atual Governo – que consistiu na concessão aos empregadores de um apoio financeiro à contratação sem termo dos desempregados inscritos no Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP).

O objetivo foi fomentar a criação líquida de postos de trabalho, melhorar a qualidade de trabalho e combater o desemprego, nomeadamente, entre os jovens, daí que estivesse a prevista uma diferenciação em função da idade.

“Para que os indivíduos sejam elegíveis, estes [tinham] de estar inscritos no IEFP e desempregados por um mínimo de dois meses, exceto se tiverem entre os 36 e os 45 anos. Neste caso, os indivíduos [necessitavam] de estar desempregados por um período mínimo de seis meses”, sublinham os investigadores.

Ora, de acordo com o novo estudo da Nova SBE, a média do tempo de desemprego era de nove meses em fevereiro de 2022. Mas entre os indivíduos com 55 anos ou mais, a média era de 14 meses, enquanto entre os jovens rondava os quatro meses.

“A política tem o objetivo de retirar indivíduos de desemprego de média e longa duração. Contudo, pode [ter] criado uma situação de injustiça etária“, alerta, assim, a nova análise, que destaca que “a necessidade de se encontrarem desempregados há pelo menos seis meses para serem elegíveis, aumenta a probabilidade de alguns membros serem discriminados negativamente em detrimento das faixas mais jovens e mais velhas“.

O IEFP necessita de reduzir a burocracia e agilizar o processo de candidatura, além de publicitar melhor as medidas e dar mais tempo para as empresas se candidatarem.

Nova SBE

Por outro lado, os investigadores alertam que seis em cada dez das empresas ouvidas não ouviram falar desta medida, sendo que, destas, mais de 35% teriam recorrido a ele, caso o conhecesse.

“O IEFP necessita de reduzir a burocracia e agilizar o processo de candidatura, além de publicitar melhor as medidas e dar mais tempo para as empresas se candidatarem“, recomendam, assim, os especialistas.

Defendem, além disso, que é urgente avaliar a eficácia das políticas ativas do mercado de trabalhado, especialmente dos subsídios à contratação. “Que seja do nosso conhecimento, não existe nenhuma avaliação deste tipo em Portugal, apesar das mesmas existirem há mais de uma década”, rematam.

“Os incentivos políticos estão todos feitos para o curto prazo”

Na apresentação deste novo projeto no campus da Nova SBE, Luís Lobo Xavier, da Fundação Calouste Gulbenkian, salientou que, para tentar equilibrar o curto e o longo prazo, primeiro, é preciso perceber o ponto de partida, sendo que, por vezes, há desequilíbrios já nesse ponto.

O responsável realçou que a tendência é privilegiar o curto prazo, porque há mais informação sobre esse momento. Mas essa não é a única razão, reconheceu. “Geralmente, as gerações futuras não têm voz. Por exemplo, há mais desemprego nas gerações mais jovens, mas a maior parte do valor do subsídio de desemprego que é pago pelo Estado é para as taxas etárias mais elevadas“, apontou Luís Lobo Xavier.

Além disso, os incentivos políticos “estão todos feitos para o curto prazo”, alertou o mesmo. Na mesma linha, Susana Peralta, professora da Nova SBE, defendeu que “há um problema de curto prazismo“, mas admitiu que há o dever de trabalhar para deixar algo de positivo às gerações mais positivas.

Sugeriu, por exemplo, incorporar análises intergeracionais na construção do Orçamento do Estado. “Não vejo como podemos construir sistema político justo sem pensar nas gerações futuras”, atirou.

Por sua vez, Miguel Poiares Maduro, dean da Católica Global School of Law, realçou que é fundamental ter consciência e informação do impacto as políticas públicas num “universo maior” do que o momento presente.

Uma das soluções poderia ser, disse, criar uma segunda câmara no seio da Assembleia da República com as diferentes gerações representadas e que teria um efeito suspensivo, caso as medidas e políticas ameaçassem o futuro. Nesse caso, haveria uma nova deliberação das medidas com a ótica da dinâmica entre as várias gerações.

(Notícia atualizada às 12h47)

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Faltou transparência no bónus de meia pensão dado por Costa. Novo estudo quer melhoria da comunicação da Segurança Social

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião