Propostas dos partidos para subir salários “não são irrealistas”, mas há riscos à espreita
Metas do PS e da AD para salário mínimo estão separadas apenas por dez euros, e no salário médio coincidem. Mas serão as propostas realistas? Depende do crescimento da economia, apontam especialistas.
- O ECO vai divulgar cinco séries semanais de trabalhos sobre temas cruciais para o país, no período que antecede as eleições legislativas de 18 de maio. Os rendimentos das famílias, a execução dos fundos europeus, o crescimento da economia nacional, a crise da habitação e o investimento na Defesa vão estar em foco. O ECO vai fazer o ponto da situação destes temas, sintetizar as propostas dos principais partidos e ouvir a avaliação dos especialistas.
Poderá o salário mínimo português atingir os 1.100 euros ou até mesmo ultrapassar esse valor em 2029, como prometem o PS e a AD – Coligação PSD/CDS? À partida, ninguém fecha a porta, mas ecoam recados. Do lado dos empregadores, a mensagem que chega é a de que tudo dependerá da evolução económica. E os economistas ouvidos pelo ECO também frisam que, não sendo um valor irrealista, para que não haja efeitos negativos no emprego, é preciso que a economia cresça. Recomendam, por isso, que essas metas sejam monitorizadas, e não fiquem, desde já, estanques.
Entre 2015 e 2025, o salário mínimo nacional subiu de 505 euros mensais brutos para os atuais 870 euros mensais brutos, o correspondente a um reforço de 365 euros ou 72,3%. Ainda assim, e conforme já escreveu o ECO, a retribuição mínima garantida portuguesa continua a não sair bem na fotografia europeia, e até está mais longe dos campeões da União Europeia (UE).
Daí que os vários partidos incluam, nos programas eleitorais que apresentaram de olhos postos na ida às urnas de 18 de maio, promessas de continuar a subir o salário mínimo: a AD, por exemplo, aponta para 1.100 euros até 2029, e o PS para 1.110 euros.
“As propostas não são irrealistas, mas devem ser monitorizadas e acompanhadas de algumas condições, como, por exemplo, a evolução do desemprego“, sublinha João Cerejeira.
As propostas não são irrealistas, mas devem ser monitorizadas e acompanhadas de algumas condições, como, por exemplo, a evolução do desemprego.
O professor da Universidade do Minho explica que, nos últimos anos, os aumentos da retribuição mínima não tiveram um impacto negativo no emprego, mas não há garantias de que tal se manterá, especialmente se a economia crescer menos ou entrar em recessão. “Não sabemos como vão ser os próximos anos. As previsões são para uma redução do crescimento”, realça o economista.
João Cerejeira observa, além disso, que as subidas dos últimos anos têm resultado num aumento da fatia de pessoas a receber o salário mínimo, o que significa que cada aumento adicional terá agora um efeito maior nos custos das empresas.
Algumas empresas podem refletir esse agravamento dos custos nos preços, como é o caso da restauração, identifica o mesmo especialista. “Quando olhamos para o cabaz dos preços, uma das rubricas que mais subiu são os preços na restauração. Não nos diz que foi só por efeito do salário mínimo, mas será seguramente por estes dois efeitos: aumento da procura turística, mas também subida dos custos para as empresas“, declara o professor universitário.
Já Pedro Brinca, professor da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE), alerta para o risco de achatamento dos salários, com cada vez uma maior percentagem de trabalhadores a receberem a retribuição mínima garantida.
“A percentagem de trabalhadores com o salário mínimo nacional tem aumentado. Nas microempresas, chega mesmo a atingir quase metade da população empregada. No alojamento e restauração, ultrapassa os 40%. O salário mínimo nacional não é aplicável de forma idêntica apenas aos diferentes setores da economia ou tipos de empresa, mas também no espaço. Há concelhos, maioritariamente no interior, em que mais de 60% da população empregada aufere o salário mínimo”, descreve o economia.
Assim, ainda que os aumentos recentes não tenham levado a um aumento do desemprego, “é muito provável” que tenham tido impacto na composição do emprego, “ponto uma maior pressão nas microempresas, no interior e em setores como o alojamento e restauração“, enfatiza Pedro Brinca.
Os programas da AD e do PS têm quadros macroeconómicos subjacentes que (…) ficam ainda aquém dos mais de 7% ao ano necessários para que o salário mínimo nacional atinja os valores propostos.
“Os programas da AD e do PS têm quadros macroeconómicos subjacentes muito diferentes no que diz respeito ao crescimento económico, que variam entre 3,2% e 1,7% respetivamente. Assumindo a hipótese simplificadora de que esses aumentos sejam frutos de um aumento correspondente da produtividade, e um quadro de inflação dentro dos 2% ao ano, ficam ainda aquém dos mais de 7% ao ano necessários para que o salário mínimo nacional atinja os valores propostos“, salienta o professor da Nova SBE.
A propósito, questionado sobre este tema, o presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), Armindo Monteiro, já indicou que está disponível para abordar a retribuição mínima garantida, mas só se houver abertura para discutir também o crescimento.
Salário médio chega a dois mil euros?
Enquanto o salário mínimo nacional é fixado por decreto e em função da vontade do Governo (ainda que seja obrigatório ouvir, previamente, os parceiros sociais), o salário médio só cresce, se houver condições para que tal aconteça. Ora, PS e AD concordam: há que puxar o salário médio para dois mil euros até ao final da próxima legislatura. Mas será realista?
“Estamos a falar de uma subida de 5.7% ao ano, o que, usando a mesma análise simplificadora que fiz [relativamente ao salário mínimo nacional], fica perto da taxa de crescimento prevista pela AD, mas difícil de perspetivar com o cenário de crescimento proposto pelo PS (que, diga-se, é o que está nas previsões do Banco de Portugal)”, assinala o professor Pedro Brinca.
O economista da Nova SBE entende, deste modo, que a proposta da coligação que junta o PSD e o CDS-PP é razoável, mas só “na condição que, de facto, a economia cresça 3,2% ao ano, como está previsto no programa eleitoral. “O desafio estará precisamente aí“, frisa o professor. Ou seja, também neste caso, tudo depende da evolução da economia.
Já João Cerejeira considera os referidos dois mil euros “um valor ambicioso“, sendo que, se o país não crescer, poderão surgir desequilíbrios, aponta, referindo-se, nomeadamente, a um potencial agravamento do desemprego.
“Acho importante ter metas, mas também ter mecanismos de condicionamento“, sublinha, em linha com o que defende também para o salário mínimo.
Bónus one-off num cenário de instabilidade
A maioria concorda: é preciso reforçar as pensões em Portugal. O modo é que tem gerado divergências entre os vários partidos.
O PS promete cumprir a fórmula de atualização das pensões (que tem por base a inflação e o crescimento económico) e somar-lhe, sempre que possível, aumentos extraordinários permanentes, como fizeram os Governos de António Costa, no caso das pensões mais baixas.
Já a AD propõe cumprir a fórmula em questão, mas adicionar suplementos, quando a execução orçamental o permitir, que serão pagos uma única vez, à semelhança do que aconteceu em 2024.
“Percebo que a dinâmica das eleições num contexto de fragmentação política torne necessárias este tipo de propostas, mas alguém irá ter de as pagar. E, sem crescimento económico significativo nem uma dinâmica demográfica inversa à que temos tido, não é sustentável no longo prazo manter este tipo de políticas. Dentro disto, medidas one-off são menos gravosas para a sustentabilidade do sistema do que medidas que tem um impacto permanente na despesa com o pagamento de pensões“, defende o professor Pedro Brinca.
No mesmo sentido, Miguel Coelho, ex-vice-presidente do Instituto da Segurança Social, destaca que, no atual contexto, é “mais realista e aconselhável” dar suplementos one-off aos reformados, em vez de aumentos extraordinários permanentes.
Neste contexto, é mais realista e aconselhável ter aumentos one-off, em vez de ter aumentos permanentes extraordinários.
O responsável identifica quatro fatores que explicam esta sua posição: o contexto internacional “complexo”, a dependência considerável da Segurança Social em relação aos imigrantes (não sendo certo qual será o futuro dessa dinâmica), as despesas que Portugal terá de assumir na área da defesa e os custos de manutenção das obras (creches e cuidados continuados) financiadas pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que dispararão a partir de 2026, estima.
Importa explicar que a AD já prometeu também aumentar (de forma permanente) o valor de referência do Complemento Solidário para Idosos (CSI), mas Miguel Coelho entende que essa é um compromisso de dimensão muito menor face aos aumentos extraordinários defendidos pelo PS. “É preciso ter cuidado, mas a dimensão desta medida é muito menor. É dirigida ao combate à pobreza“, esclarece.
O ex-vice-presidente do Instituto da Segurança Social remata, contudo, que, divergência à parte, o que é preciso é um consenso dos principais partidos para um compromisso alargado para a revisão do sistema como um todo, de modo a garantir que as gerações futuras terão, sim, uma pensão à sua espera.
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