Blackstart. O mecanismo que tirou o país do apagão e vai exigir mais 8 milhões até 2030

O sistema elétrico nacional reanimou, esta segunda-feira, devido ao chamado 'blackstart'. Um mecanismo que vai exigir mais oito milhões até 2030.

Ao dia de hoje, existem apenas duas centrais em Portugal que são capazes de reiniciar o sistema elétrico quando este vai abaixo, a Tapada do Outeiro e Castelo de Bode. Fazem-no através de um sistema chamado blackstart, o qual tem estado no centro da discussão desde que o país ficou sem eletricidade esta segunda-feira, durante mais de dez horas.

No dia do apagão, a primeira central a conseguir arrancar na Península Ibérica foi a de Castelo de Bode, uma central hídrica, o que permitiu que Abrantes fosse a primeira região a receber eletricidade no país. Só foi possível à terceira tentativa. Seguiu-se a Tapada do Outeiro, uma central a gás plantada perto do Grande Porto, que reagiu à terceira tentativa.

Em declarações à Rádio Observador, a ministra do Ambiente explicou que esta não era uma história de insucesso, até porque Espanha, que também tem este tipo de mecanismo, não conseguiu reiniciar as suas centrais — recorreu a eletricidade de França e Marrocos, algo que não está ao alcance de Portugal por falta de interligações, para voltar a pôr o seu sistema de pé. “É mesmo assim. É difícil recomeçar, porque a rede está sem carga. É começar do zero“, indicou Maria da Graça Carvalho.

António Vidigal, consultor na área de energia, corrobora ao ECO que “é extremamente difícil fazer o arranque”, até porque são situações que acontecem tão raramente que os profissionais não estão treinados para fazer o serviço. “Esta geração de pessoas nunca assistiu a um blackout. É uma manobra muito difícil de fazer para os operadores“, afirma. Além disso, concede que a rede é cada vez mais complexa, acrescentando dificuldade à tarefa. É tão complicada que ainda não existe um sistema automático para dar resposta nestas situações. “É um caminho para a inteligência artificial”, diz. Além disso, pode-se apostar em mais treino para estas situações através de simuladores.

Foram dez horas de espera até ao país voltar a ter luz, algo que os especialistas consideram um espaço de tempo muito razoável, sobretudo em comparação com incidentes recentes no estrangeiro — Reino Unido e Itália — que, apesar de terem tido menores dimensões, não foram resolvidos tão rapidamente. Contudo, em termos práticos, dez horas sem luz têm custos significativos, que no caso da Península Ibérica ainda estão por apurar. No entanto, nas declarações ao Observador, a ministra apontou, por exemplo, que o abastecimento de água estaria ameaçado caso a situação se tivesse prolongado por muito mais tempo.

Mais blackstart para um reinício mais rápido

Face ao transtorno, o Governo decidiu alargar o número de centrais com o sistema de blackstart, de duas para quatro. À Tapada do Outeiro e Castelo de Bode vão juntar-se as hídricas de Alqueva e do Baixo Sabor, anunciou o primeiro-ministro, sendo que a primeira vai ter o contrato prolongado até 2030, já que só está ativo até 2026.

Em entrevista à CMTV, a ministra explicou que “a probabilidade de uma recomeçar mais rapidamente é maior com as quatro, espalhadas geograficamente“. Desta forma, haverá uma no Norte, outra no Centro, mais uma no Alentejo e outra no Algarve. A ideia é que as “ilhas” de eletricidade que vão crescendo à volta destas centrais, depois do reinício, se unam mais rapidamente permitindo chegar a todo o país com maior celeridade.

Em termos relativos [face a Espanha], Portugal está mais limitado — tanto em número de unidades como em cobertura geográfica”, considera a Selectra. Esta empresa especializada no mercado energético estima que a capacidade disponível para blackstart em Portugal ronde os 300 a 500 megawatts (MW), embora esse valor possa variar consoante a manutenção e o estado operacional das unidades. Em Espanha, aponta uma capacidade instalada para arranque autónomo superior a 1.000 MW.

“Ter mais centrais black start (ou adaptar infraestruturas existentes com essa capacidade) aumentaria a resiliência do sistema elétrico nacional e reduziria o tempo de recuperação em caso de apagão generalizado”, atesta a Selectra.

[As quatro centrais com capacidade de blackstart devem manter-se] enquanto não existem todos os meios para diminuir probabilidade blackout. À medida que haja mais resiliência, até podemos voltar a ter duas.

Maria da Graça Carvalho

Ministra do Ambiente e Energia

Confrontada com a questão de se a existência de apenas duas centrais com capacidade de blackstart foi imprudente, a ministra considerou que não, em declarações ao ECO/Capital Verde. Isto porque a recomendação, inscrita no decreto-lei 15 de 2022, aponta precisamente para a existência de duas centrais nestes termos. As centrais do Baixo Sabor e do Alqueva haviam sido propostas pela REN como alternativa “há alguns meses”, indicou, mas em substituição das primeiras duas. Na sequência do apagão, retirou-se a “lição” que fez o Governo decidir pela coexistência de quatro sistemas de blackstart.

Esta situação, de ter quatro centrais com este sistema, deve prolongar-se “enquanto não temos todos os meios para diminuir probabilidade blackout. À medida que haja mais resiliência, até podemos voltar a ter duas”, admite Maria da Graça Carvalho.

Custos do blackstart sobem 1,7 milhões por ano e passam os 22 milhões

De acordo com a ministra, a central de Castelo de Bode recebe 2,4 milhões de euros a cada ano pelo sistema de blackstart. Já no caso da Tapada do Outeiro, a mesma não dispõe de um valor discriminado: contam-se 20,4 milhões de euros anuais entregues a esta central, que incluem tanto o blackstart como o serviço de garantia de potência, que dita que a central está disposta a ligar-se sempre que solicitada, se o sistema assim o necessitar.

As novas centrais a juntar-se ao grupo do blackstart exigem 578 mil euros anuais, no caso de Baixo Sabor, e 1,1 milhões de euros, no caso de Alqueva. A diferença de valores tem a ver com a capacidade“, explicou a ministra ao ECO/Capital Verde.

Isto significa que, anualmente, as novas centrais vão acrescentar 1,7 milhões de euros aos custos com blackstart, 8,4 milhões até 2030. Contabilizando o valor dado para a Tapada de Outeiro, apesar de não dizer exclusivamente respeito ao Blackstart, vão acarretar-se custos de 22,3 milhões anualmente e de 112 milhões no horizonte até 2030, no conjunto das quatro centrais.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Blackstart. O mecanismo que tirou o país do apagão e vai exigir mais 8 milhões até 2030

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião