Companhias aéreas avisam que viagens de curta distância podem ficar mais caras
Em causa estão os custos relacionados com eventual aumento dos preços de matérias-primas e bens por causa da guerra de tarifas desencadeada por Trump e com o combustível de aviação sustentável.
O diretor executivo da associação que representa as companhias aéreas em Portugal (RENA) defende que face ao aumento dos custos há viagens que podem ficar mais caras, até “como desincentivo” aos trajetos de curta distância.
“Temos de estar preparados para isso, porque a equação é simples: se o custo da matéria-prima e os encargos, nomeadamente ao nível de impostos e taxas, vão subindo, alguém vai ter de suportar“, disse António Moura Portugal em entrevista à Lusa.
Em causa estão custos relacionados com o eventual aumento dos preços de matérias-primas e bens por causa da guerra de tarifas desencadeada pela Administração norte-americana e com o combustível de aviação sustentável (SAF na sigla em inglês).
Por imposição de Bruxelas, desde o início do ano que todos os voos têm de ter pelo menos 2% de incorporação deste combustível sustentável, produzido a partir de resíduos como óleo alimentar usado. Uma meta que aumentará gradualmente nos próximos anos.
O diretor executivo da associação não tem dúvidas de que “as companhias vão ter de cumprir com as metas. A questão é saber a que custo e em que medida é que depois terá ou não de ser passado para terceiros”, acrescentou.
“Olhando para o balanço das companhias aéreas, para as projeções e para os resultados que têm, vemos que é impossível que os acomodem totalmente ou de forma permanente“.
Nesse seguimento, “fazendo alguma futurologia”, o responsável diz que pode haver viagens que vão encarecer, principalmente as de curta dimensão “até como desincentivo”.
“Hoje temos [destinos] como Londres, Paris ou Madrid com um peso forte na dimensão relativa do nosso aeroporto, [que são operados] com aeronaves mais pequenas. Era desejável que houvesse um peso maior de viagens intercontinentais de aeronaves de maior dimensão, porque significa que o mesmo slot [faixa horária para aterrar e descolar] estaria a ser ocupado por uma aeronave que em vez de transportar 120 pessoas se calhar leva 240″, detalhou.
Questionado se essa subida de preços também será implementada pelas companhias low cost, referiu que “só podem ser low cost na tarifa, porque depois no resto pagam taxas e impostos na mesma, como todas as outras companhias. Portanto, o que pode acontecer também é uma maior perceção por parte do viajante daquilo que está a pagar. O que eu acho que é desejável”, comentou.
No que toca à taxa de carbono cobrada aos passageiros aéreos, pela primeira vez parte das receitas vão reverter para o setor da aviação. Os detalhes ainda não são conhecidos, mas o diretor executivo da RENA aplaude a medida aprovada no ano passado que prevê a transferência de um máximo de 40 milhões de euros em prol de atividades de descarbonização no setor da aviação civil, nomeadamente no apoio à produção de combustível sustentável.
A equação é simples: se o custo da matéria-prima e os encargos, nomeadamente ao nível de impostos e taxas, vão subindo, alguém vai ter de suportar.
“Já que a taxa existe, e embora nós contestemos a sua existência por entendermos que não tem racionalidade de eficiência, pelo menos que parte daqueles 60 milhões que permite arrecadar possam reverter para o setor. E reverter para o setor não é para o bolso das companhias, é para políticas que possam ajudar na sustentabilidade” como tornar a produção de SAF em Portugal mais acessível e “criar condições para que Portugal possa vir a ter um papel pioneiro”, reforçou.
A taxa de carbono entrou em vigor em julho de 2021 para compensar as emissões do setor da aviação.
Companhias aéreas afastam queda de procura de turistas dos EUA por Portugal
As companhias aéreas não estão a sentir uma diminuição da procura por Portugal de norte-americanos para o verão, garantiu, por outro lado, o diretor executivo da RENA na entrevista à Lusa.
As medidas que a Administração Trump tem vindo a implementar, como a guerra de tarifas, têm suscitado preocupações em várias indústrias, entre as quais o turismo, o motor de crescimento da economia portuguesa.
Lá fora, algumas companhias aéreas têm revisto em baixa o crescimento das reservas com os receios de uma eventual diminuição do poder de compra levar os norte-americanos a cortar nas viagens de lazer. Em Portugal, pelo menos para o verão, esse efeito ainda não está a ser sentido, segundo António Moura Portugal.
“As reservas são feitas com alguma antecedência, e o que estamos a viver hoje ainda é reflexo de decisões económicas tomadas há seis ou nove meses, antes ainda desse impacto”, explicou. No entanto, não descarta que “no futuro isso possa acontecer”. “Mas, para já, ainda não”, acrescentou.
Apesar de o número de reservas não estar a ser impactado, admite que, “indiretamente, poderá haver um aumento de preços por causa de um encarecimento de matérias-primas ou de bens que são incorporados naquilo que é o produto final, que é a viagem”.
Por outro lado, “também há uma menor capacidade de compra por parte do turista norte-americano e uma menor disposição para viajar para a Europa”, destaca, lembrando o forte contributo que têm dado aos operadores turísticos em termos de receitas.
Mesmo confirmando-se o arrefecimento da procura, acredita que Portugal não estará “na linha da frente desse impacto” por não ser um dos destinos mais caros na lista de preferências do passageiro norte-americano.
Por todos estes motivos, mantém-se confiante de que as perspetivas para o verão não vão ser afetadas. “Os números deste ano apontam para um crescimento na casa dos 2 ou 3%, em termos do número total de passageiros que estão a chegar aos aeroportos portugueses. […] Para Portugal são números satisfatórios, até porque, como se sabe, temos uma capacidade de crescimento muito limitada”, disse, referindo-se ao congestionamento do Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa.
Ainda sobre o mercado norte-americano, lembrou que hoje saem de Portugal voos para “variadíssimos destinos” dos EUA servidos não só pela United Airlines, mas também por outras companhias aéreas como a TAP, que tem reforçado a aposta para este mercado.
No que toca ao processo de privatização da empresa, o porta-voz da associação que representa várias companhias aéreas, entre as quais a TAP e as potenciais interessadas Air France, Lufthansa e IAG, prefere não se pronunciar em concreto.
Para António Moura Portugal, o que é importante é ter uma TAP “ativa, forte e a funcionar como companhia líder em termos de aviação em Portugal. Se o modelo de gestão é público, privado, com acionistas nacionais ou estrangeiros, é uma questão 100% política”, referiu.
“O que eu acho que é importante é termos uma TAP com paz social, com estabilidade, com objetivos estratégicos tomados única e simplesmente preocupados com a companhia. […] O que nós temos de pôr na cabeça, de uma vez por todas, é que a TAP está a operar num mercado altamente concorrencial, num mercado global, e que para nós é importante que ela tenha e desempenhe um papel nesse mercado, porque todos nós, portugueses, beneficiamos com isso”, alertou.
Questionado se os avanços e recuos na privatização com as sucessivas mudanças de governo podem ser um obstáculo nesse caminho da estabilidade, o responsável descarta essa ideia. “Não estão propriamente a interferir no desempenho e na gestão da companhia tal como ela está a ser feita”, concluiu.
“ANA sabe que proposta de subida de taxas está votada ao insucesso”
As companhias aéreas consideram que a proposta da ANA para a construção do novo aeroporto em Alcochete foi “além do que a lei exige”, e que a proposta da subida de taxas aeroportuárias está “votada ao insucesso”.
“Neste momento, a proposta deve ser vista, metaforicamente falando, quase como uma declaração de intenção por parte da ANA – Aeroportos de que quer e está disponível [para avançar com o novo aeroporto], no âmbito do contrato de concessão e no âmbito dos diplomas que o regem”, disse o diretor executivo da associação das companhias aéreas em Portugal.
A gestora dos aeroportos nacionais propõe alargar o prazo da atual concessão por mais 30 anos e aumentar as taxas aeroportuárias progressivamente de 2026 até 2030 para financiar a nova infraestrutura aeroportuária de Lisboa com um custo estimado de 8,5 mil milhões de euros, segundo o relatório inicial entregue no final do ano passado.
O atual contrato em vigor, assinado em 2012, prevê a concessão por 50 anos. Caso esta proposta avance, o prazo seria alargado até 2092.
O responsável da RENA entende que “esta proposta da ANA foi mais além do que aquilo que o contrato de concessão exige e do que a lei exige”.
Sobre o prolongamento do contrato de concessão, prefere não se pronunciar uma vez que competirá ao concedente, ou seja, ao Estado decidir. Mas nota “com satisfação a preocupação do Estado em ter criado uma estrutura de missão, [um grupo de trabalho, específico], para lidar com a ANA neste ponto”.
Já em relação à proposta para a subida das taxas, tem “uma posição que é inequívoca e de completa e absoluta oposição. Oposição do ponto de vista de justiça e de quase de senso comum”, comentou.
“Não faz sentido nenhum estar numa fase em que nem sequer temos um projeto final a subir taxas em 2026 para financiar uma infraestrutura que ainda não se conhece […] e não se sabe quanto tempo demorará a ser implementada”, defendeu.
Para as companhias aéreas, “não faz sentido nenhum estar a pedir a um utilizador de hoje para pagar algo que não é sequer tangível, nem se sabe ainda se terá lugar no futuro. E quem vai lucrar com a exploração do futuro aeroporto [em Alcochete], incluindo as fases comerciais, é a ANA”, reforçou.
António Moura Portugal recorda que há uma decisão do Tribunal Constitucional “que veio deixar de forma clara que é preciso haver uma ligação entre a taxa, ou encargo que se paga, e a infraestrutura que se está a financiar”. “E parece-me claramente que isso não está a ser feito”, criticou.
Questionado se este caso pode vir a ser usado como jurisprudência para eventuais ações judiciais, o porta-voz da RENA referiu que não acredita sequer que a concessionária avance com a ideia. “A ANA sabe que esta é uma proposta que estará votada ao insucesso. Se insistirem em fazê-lo, cá estaremos para nos opor”, assegura o responsável, lembrando que a gestora dos aeroportos tem ainda perto de 36 meses para apresentar o projeto final.
Quanto às obras que estão a ser feitas no aeroporto Humberto Delgado e o impacto que pode ter na operação no verão, diz serem “um mal necessário”. Mas garante que não estão a ter efeitos negativos nas operações, até porque “ainda estão numa fase embrionária”.
E lembra que “viver com a Portela significa tentar ter um aeroporto eficiente, a operar bem” até ser descontinuada quando o novo aeroporto estiver operacional.
A ANA prevê a abertura da nova infraestrutura aeroportuária, batizada como aeroporto Luís de Camões, em meados de 2037, ou, com otimizações ao cronograma a negociar com o Governo, no final de 2036.
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